Avances en Psicología Latinoamericana
ISSN:1794-4724 | eISSN:2145-4515

Preditores do adiamento da aposentadoria por servidores públicos federais

Predictores del aplazamiento de la jubilación por servidores públicos federales

Predictors of Postponement of Retirement by Federal Public Servants

Luciani Soares Silva Macêdo, Pedro F. Bendassolli, Tatiana de Lucena Torres

Preditores do adiamento da aposentadoria por servidores públicos federais

Avances en Psicología Latinoamericana, vol. 37, núm. 1, 2019

Universidad del Rosario

Luciani Soares Silva Macêdo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte , Brasil


Pedro F. Bendassolli

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil


Tatiana de Lucena Torres

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil


Recepção: 06 Fevereiro 2016

Aprovação: 27 Setembro 2018

Informação adicional

Para citar este artigo: Macêdo, L. S. S., Bendassolli, P. F., & Torres, T. L. (2019). Preditores do adiamento da aposentadoria por servidores públicos federais. Avances en Psicología Latinoamericana, 37(1), 153-167. Doi: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.4556

Resumo: Este artigo examina a influência de fatores relacionados ao trabalho sobre a intenção de continuar trabalhando além do tempo obrigatório de contribuição. A pesquisa, de corte transversal, foi conduzida com 283 servidores federais brasileiros e envolveu a aplicação da vali­dação brasileira da escala Older Worker´s Intention to Continue Working ( owicw ) em um survey on-line. Os resultados indicaram que a maioria dos participantes quer continuar no trabalho remunerado. Análises de regressão logística múltipla apontaram como predito­res dessa intenção: percepção de autonomia pessoal, interação interpessoal, condições flexíveis de trabalho, além de interesses fora do trabalho. Quanto à decisão de adiar a aposentadoria e permanecer na organização, os fatores preditivos foram: percepção de autonomia pessoal, condições flexíveis de trabalho e o incentivo financeiro (abono de permanência). Os resultados podem subsidiar políticas públicas e de gestão institucional sobre o processo de decisão trabalho-aposentadoria.

Palavras-chave adiamento da aposentadoria, significa­do do trabalho, servidores públicos, recursos humanos, envelhecimento.

Resumen: Este artículo analiza la influencia de los factores rela­cionados con el trabajo en la intención de seguir tra­bajando más allá del tiempo y de la edad de pensión estatal, en una muestra de 283 servidores públicos brasileños. Se utilizaron cuestionarios en línea con la versión brasileña validada de la escala Intención de los Trabajadores Mayores Seguir Trabajando. Los re­sultados indicaron que la mayoría quieren seguir en el trabajo remunerado. El análisis de regresión logística múltiple mostró como predictores de esta intención: la percepción de la autonomía personal, las relaciones interpersonales, las condiciones de trabajo flexibles e intereses fuera del trabajo. Por otra parte, la percep­ción de la autonomía personal, condiciones de trabajo flexibles, y los incentivos financieros son predictores de la decisión de posponer la jubilación y permanecer en la organización. El estudio proporciona informa­ción que puede apoyar la gestión pública e institucio­nal sobre las políticas de trabajo en el proceso de la jubilación.

Palabras clave: aplazamiento de la jubilación, significa­do del trabajo, servidores públicos, recursos humanos, envejecimiento.

Abstract: This article examines the influence of work-related factors on the intention to continue working after state pension age/time. A cross-sectional research was con­ducted with 283 Brazilians federal employees, and involved an on-line questionnaire with the Brazilian version of the Older Worker’s Intention to Continue Working (owicw) scale. The results indicated that most participants want to continue in paid work. Multiple logistic regression analysis showed that perceptions of personal autonomy at work, interpersonal relation­ships at work, interests outside of work, and flexible working arrangements are significant predictors of intention to continue working. Furthermore, the per­ception of personal autonomy at work, flexible working arrangements, the financial incentives are predictors of the decision to postpone retirement and remain in the organization. The study provides information that can contribute with management policies before the process of retirement decision.

Keywords: Postpone retirement, meaning of work, pu­blic service, personnel, older workers.

Introdução

O prolongamento da vida de trabalho tem se caracterizado como uma das principais respostas políticas para o envelhecimento populacional e aumento da longevidade. No âmbito internacional, governos e empregadores estão buscando estraté­gias para persuadir os trabalhadores a trabalharem mais tempo, podendo-se citar o aumento da ida­de de aposentadoria, a proibição da aposentado­ria compulsória (e.g., usa, Canadá, Austrália), o combate ao ageísmo (estereótipos, preconceitos e discriminação contra os mais velhos), ou mesmo políticas em prol do envelhecimento ativo (Eker­dt, 2010; Phillipson, 2013; Wood, Robertson & Wintersgill, 2010; Zappalà, Depolo, Fraccaroli, Guglielmi & Sarchielli, 2008).

Em meio a essas transformações socioeconô­micas, a transição trabalho-aposentadoria encon­tra-se meio imprecisa, podendo avançar o limite estabelecido de idade cronológica ou número de anos trabalhados, a depender de um timing pessoal. Consequentemente, há uma repercussão no meio científico em compreender a decisão de estender a vida de trabalho, caracterizada pelo bridge em­ployment (trabalho após a aposentadoria) ou pela aposentadoria tardia (Flynn, 2010; Menezes & França, 2012; Zappalà et al., 2008). Este artigo se insere nesta última temática, com o objetivo de examinar fatores relacionados ao trabalho que são preditores da intenção de continuar trabalhando além do tempo obrigatório de contribuição.

Partimos especificamente do prolongamento do trabalho no contexto do serviço público brasi­leiro. O setor público é um setor competitivo, mas atrativo para os trabalhadores por oferecer diver­sidade de cargos, estabilidade, boas condições de trabalho, perspectiva salarial e de carreira profis­sional (Albrecht & Krawulski, 2011). O emprego do setor público corresponde a cerca de 11% do total de empregos no Brasil, cujos trabalhadores estão envelhecendo mais rápido (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos [ocde], 2010). Por exemplo, no âmbito federal, enquanto 56,5% do total de servidores na ativa já estão acima de 41 anos, cerca de 35% do to­tal estão acima de 51 anos (Painel Estatístico de Pessoal [pep], 2018). Encaminha-se para a idade mínima de aposentadoria que, atualmente, é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres e requer tempo mínimo de contribuição de 35/30 anos, respectivamente, ressalvadas algumas ca­tegorias profissionais (Emenda Constitucional nº 41, 2003).

A política de gestão de pessoas sugerida para fazer face ao envelhecimento inclui estratégias para manter os trabalhadores mais velhos além da idade de aposentadoria, principalmente servi­dores-chave, evitando grandes perdas de memória institucional ( ocde, 2010). A reforma da previdên­cia com aumento da idade mínima e do período de contribuição também é recomendada (ocde, 2010) e encontra-se em discussão. Medidas como a alteração do limite de idade para a aposentadoria compulsória de 70 para 75 anos (Lei Complementar nº 152, 2015) já foram implementadas, além do abono de permanência, um benefício equivalente ao valor da contribuição previdenciária, pago ao servidor que tiver preenchido as exigências para aposentadoria voluntária e opte por permanecer em atividade (Emenda Constitucional nº 41, 2003). Schettini, Pires & Santos (2018) apontam que, um quarto dos atuais servidores estão elegíveis à aposentadoria e, dentre as razões pelas quais esse grupo tem optado por continuar trabalhan­do, o abono de permanência constitui o principal incentivo financeiro.

No Brasil, pesquisas sobre a postergação da aposentadoria são recentes e assinalam as razões financeiras como um dos motivos para o adia­mento (Ribeiro, 2012; Pires et al., 2013). No en­tanto, Menezes & França (2012) não observaram relação com finanças em um estudo com 148 ser­vidores federais, indicando a partir de análises de regressão logística que idade, controle do trabalho (autoridade de decisão sobre o próprio trabalho), percepção do trabalho (satisfação e envolvimento) e flexibilidade de horário são preditores da de­cisão de postergar a aposentadoria, sendo os dois últimos também preditores do trabalho após a aposentadoria.

Embora o incentivo financeiro seja apontado entre os melhores preditores da aposentadoria tardia (Tuominen, Karisalmi, Takala & Kaliva, 2012), o trabalho não se restringe a um meio de sobrevivência. Estudos clássicos revelam que a maioria das pessoas trabalharia mesmo que não houvesse necessidades econômicas, ressaltando que essa atividade preenche outras funções (Har­paz, 2002; Morse & Weiss, 1955; mow, 1987). Assim, o que torna o trabalho atrativo de forma que trabalhadores mais velhos optem por perma­necer trabalhando? A literatura tem destacado uma variedade de fatores pessoais e relacionados ao tra­balho que influenciam essa decisão (Flynn, 2010; França, Menezes, Bendassolli & Macêdo, 2013), indicando ainda maior preponderância daqueles relacionados ao trabalho (Tuominen et al., 2012).

Vários estudos têm associado razões intrínse­cas do trabalho à decisão trabalho-aposentadoria como, por exemplo, o grau de autonomia (Flynn, 2010), flexibilidade (Barnes, Parry & Taylor, 2004; Pengcharoen & Shultz, 2010; Shacklock, 2006; Winkelmann-Gleed, 2012), a satisfação com o trabalho (Smeaton & McKay, 2003), identificação com o trabalho (Barnes et al., 2004), a importân­cia e a centralidade do trabalho (Post, Schneer, Reitman & Ogilvie, 2013; Tuominen et al., 2012; Zappalà et al., 2008) e o significado do trabalho (Shacklock, 2006; Shacklock & Brunetto, 2011).

O projeto Meaning of Work (1987) propôs um modelo teórico do significado do trabalho de três dimensões, se tornando uma referência-cha­ve nessa área de pesquisa. As dimensões são: (1) variáveis antecedentes (situação pessoal e fa­miliar, história da carreira e do emprego atual, e ambiente macro socioeconômico), (2) variáveis centrais do significado do trabalho (centralidade do trabalho como um papel da vida, normas sociais so­bre o trabalho, resultados valorizados do trabalho, importância das metas do trabalho e identificação com o papel laboral) e (3) variáveis consequentes do significado do trabalho ­(resultados objetivos do trabalho e expectativas subjetivas sobre situações futuras de trabalho) ( mow, 1987).

Segundo a Equipe mow (1987), os trabalha­dores, em suas escolhas relativas ao trabalho, são atraídos para diferentes direções por três tipos de preferências: a remuneração, características in­trínsecas do trabalho (e.g., autonomia, variedade, um trabalho interessante e ajustado com as habili­dades do indivíduo) e o tempo disponível fora do trabalho. Para optar entre elas, fazem avaliações e compensações em termos de perdas e ganhos, elegendo preferências e escolhas, que por sua vez, estão relacionadas aos seus valores e significado do trabalho.

Shacklock & Brunetto (2011) utilizaram a estru­tura teórica do modelo de significado do trabalho desenvolvido pela equipe mow (1987), propondo melhor esclarecimento de uma das variáveis con­sequentes desse modelo: as expectativas subjetivas sobre situações futuras de trabalho. Essa variável diz respeito à importância de trabalhar, às carac­terísticas desejáveis do trabalho e à quantidade de tempo que deve ser dedicada ao mesmo. Desenvol­veram para isso a escala Older Worker´s Intention to Continue Working (owicw), validando-a com trabalhadores de uma grande organização do setor público em Queensland, Austrália.

Inspirada nesse estudo, esta pesquisa busca ampliar o diálogo sobre essa temática a partir de dados oriundos do contexto brasileiro. Examina-se que fatores relacionados ao trabalho predizem a intenção de trabalhadores do serviço público fede­ral, em fim de carreira, continuarem trabalhando, preferindo o adiamento da aposentadoria. Esten­de-se ainda a investigação explorando o papel do recebimento do abono nessa preferência. Inten­ciona-se, assim, identificar o que os trabalhado­res mais velhos buscam no trabalho e na ação do trabalhar, ou seja, suas expectativas e o significado que atribuem ao trabalho.

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo transversal e descriti­vo, realizado por meio de um survey, tipo corre­lacional, utilizando como instrumento de coleta um questionário on-line, auto-administrado. Os pesquisadores disponibilizaram o questionário via e-mail aos servidores que atendiam aos crité­rios de inclusão: ser servidor ativo permanente, fazendo jus à aposentadoria ou estando até cinco anos antes do tempo previsto. O e-mail foi forne­cido por responsável pela gestão de pessoas da instituição. O acesso ao questionário dependia da anuência do servidor ao termo de compromisso. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética, caae 08938412.6.0000.5537, seguindo a todos os aspec­tos éticos e diretrizes dispostas na Resolução cns 466/12. Ao término, uma devolutiva da pesquisa foi encaminhada aos participantes.

Participantes

Participaram 283 servidores de uma universi­dade federal do nordeste brasileiro, do sexo mas­culino (n = 109) e feminino (n = 174), dentre os quais 36.4% eram docentes e 63.6% técnico-admi­nistrativos (tas). Embora a formação da amostra tenha sido intencional e por conveniência, a re­lação encontrada entre docentes e tas representou proporcionalmente bem a distribuição total de servidores da instituição. A idade dos participan­tes variou de 48 a 69 anos (M = 56.8; DP = 5.1) e a média do tempo de contribuição foi de 34 anos (DP = 4.4). A maior parte informou ser casado ou estar em união estável (65%) e declarou receber abono de permanência (62.5%), encontrando-se, pois, em situação de adiamento da aposentadoria. O nível de escolaridade foi elevado, com 71% já tendo cursado alguma pós-graduação.

Instrumento

O questionário on-line possuía duas partes: a escala owicw, de Shacklock e Brunetto (2011), e uma ficha de dados sócio demográficos contem­plando sexo, cargo, situação conjugal, escolaridade, tempo de contribuição à previdência, recebimento de abono, idade planejada para aposentadoria e auto-percepção quanto ao próprio ajustamento na aposentadoria.

A owicw é uma escala numérica constituída por 31 afirmativas, em formato Likert, com gra­dações de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente), sendo grande parte delas elaborada a partir do mow (1987). Os itens se agrupam em sete fatores: vínculo com o trabalho, importân­cia do trabalho, relacionamentos interpessoais, autonomia, condições flexíveis, gestão e fatores organizacionais (aspectos do ambiente e relação supervisor-subordinado) e interesses fora do trabal­ho. O estudo original ocorreu com 379 funcionários (> 50 anos), apresentando propriedades psicomé­tricas confiáveis (α > 0.70) (Shacklock & Brunetto, 2011). Não foram evidenciadas informações sobre sua aplicação em outras localidades.

A owicw foi disponibilizada pelas autoras, sen­do submetida previamente a adaptação transcultural e avaliação da estrutura fatorial para atender aos objetivos deste estudo. Por se tratar da primeira aplicação em contexto brasileiro, foi realizada uma análise fatorial exploratória (afe) com o método de fatoração dos eixos principais (direct oblimin), suprimindo os itens com carga fatorial inferior a 0.4. A fatorabilidade dos dados disponíveis foi confirmada (kmo = 0.83; Teste de esfericidade de Bartlett = 3882.826; p < 0.001).

A versão adaptada apresentou estrutura fatorial relativamente similar para cinco dos sete fatores da estrutura original, havendo como diferencial a subdivisão do fator Interesses Fora do Trabalho em dois, formando um fator separado denomina­do de influência familiar. A escala com 24 itens ­(carga fatorial de 0.43 a 0.87) ficou agrupada em seis fatores explicando 58.5% da variância total. O α de Cronbach total da escala foi de 0.87.

Os fatores encontrados foram: (1) Autonomia (α = 0.83), sobre a percepção de liberdade na efeti­vação das próprias ideias e decisão de como fazer o seu trabalho; (2) Interação Interpessoal (α = 0.89), avaliando benefícios relativos aos contatos sociais no trabalho; (3) Interesses Fora do Trabalho (α = 0.83), se há um relacionamento opositor entre outras áreas da vida (desenvolvimento espiritual, interesses comunitários, lazer, hobbies, amigos) e a continuidade do trabalho; (4) Flexibilidade (α = 0.80), acerca da possibilidade de trabalhar meio período ou ocasionalmente, poder controlar e escolher as horas de trabalho sem dar satisfação a outros; (5) Influência Familiar (α = 0.84), sobre a influência do cônjuge ou de interesses familiares; e por fim, (6) Vínculo com o Trabalho (α = 0.69), investigando sobre a importância e a identificação do sujeito com o trabalho.

Variável critério. A principal variável critério, a intenção de continuar trabalhando, foi medida pela afirmativa “eu quero continuar no trabalho remunerado”. Para melhor elucidar essa intenção, duas afirmativas foram acrescentadas na versão brasileira: “eu vou querer adiar a aposentadoria e permanecer no emprego atual”, e “eu vou querer me aposentar do emprego atual e trabalhar em outro lugar”.

Adicionalmente, também foi mensurada a in­tenção de aposentar-se utilizando quatro afirmati­vas que relacionavam a intenção de parar o trabalho remunerado ao desejo de: passar mais tempo com o cônjuge e com a família, ter menos pressão e prazos a cumprir, e ter mais escolhas e maior fle­xibilidade. Neste estudo, o α de Cronbach destes itens foi de 0.79. Com os escores estimados pela média de pontos atribuídos a essas questões foi originada uma quarta variável-resultado: “eu vou querer parar o trabalho remunerado”.

Procedimentos de análise dos dados

Dos 320 questionários obtidos foram conside­rados válidos apenas os sem missings, ou seja 283, sendo analisados com o auxílio do Statistical Pac­kage for the Social Sciences (spss). A ocorrência de problemas de normalidade na distribuição dos dados, verificada pelo teste de Kolmogorov-Smir­nov (p < 0.05), conduziu à escolha de análises não paramétricas.

Para examinar os preditores da intenção de continuar trabalhando foram construídos modelos de regressão logística múltipla entre os fatores e as variáveis de saída. A regressão logística é uma téc­nica mais flexível por não considerar a hipótese de normalidade e linearidade entre as variáveis. Seus resultados são interpretados a partir do valor Exp b das variáveis preditoras, que indica que quando o previsor aumenta uma unidade, as chances de a variável de saída ocorrer também aumentam (Exp b > 1) ou diminuem (Exp b < 1). Apresenta ain­da, a estatística Nagelkerke R² que é semelhante ao R² do modelo de regressão múltipla linear. O método de regressão empregado foi o Stepwise Backward Likelihood Ratio (Tabachnick & Fidell, 2006; Field, 2009).

Os escores dos participantes para cada fator foram estimados com base na média dos pontos atribuídos aos itens que o constituíam. Como as variáveis de saída eram afirmativas em formato Likert de sete pontos, cada uma delas foi transfor­mada em uma variável binária (discordo vs. con­cordo) na planilha de dados. Os participantes que declararam algum grau de concordância (valores de 5 a 7) tiveram o escore computado como “1”, e os que não declararam essa opinião (valores de 1 a 4) foram considerados como “0”.

Os dados sócios demográficos foram utiliza­dos para caracterizar a amostra e segmentá-la, explorando diferenças entre grupos (teste U, de Mann-Whitney). O tamanho do efeito relatado se baseia na classificação de Cohen (1988, 1992, citado por Field, 2009) onde: r = 0.10 (efeito pe­queno), r = 0.30 (efeito médio), e r = 0.50 (efeito grande). Para todas as análises realizadas, con­siderou-se como nível de significância p < 0.05.

Resultados

Nesta seção, apresenta-se os resultados concer­nentes ao tópico desse estudo: a identificação de fatores relacionados ao trabalho que são atrativos e explicam a intenção de continuar trabalhando além do tempo obrigatório de contribuição. Essa intenção foi investigada em duas direções: do adiamento da aposentadoria e permanência no emprego atual, ou do trabalho após a aposenta­doria. Complementarmente, explora-se a relação entre esses fatores e a intenção de aposentar-se. Por último, situa-se os resultados descritivos e de diferença entre médias das intenções, relacionados aos dados sócios demográficos dos participantes.

Intenção de continuar trabalhando

Para examinar que fatores relacionados ao tra­balho poderiam melhor explicar a intenção de continuar trabalhando, foi conduzida uma análise de regressão logística com a variável critério “eu quero continuar no trabalho remunerado”. Os re­sultados dessa análise são apresentados na tabela 1.

Explorando os relacionamentos entre as va­riáveis, somente quatro fatores (autonomia, in­teração interpessoal, interesses fora do trabalho e vínculo com o trabalho) apresentaram escores significativos (p < 0.01) com potencialidade de contribuição para o modelo. Porém, verificou-se a inclusão do fator Flexibilidade como preditor no modelo construído sem que o mesmo fosse correlacionado diretamente com a intenção de continuar trabalhando (p = 0.72).

Detectando que a remoção desse fator afetaria negativamente a habilidade preditiva do modelo (p = 0.004), e descartada sua permanência como re­sultado de multicolinearidade entre as variáveis pre­visoras, foi observado que seu surgimento ­ocorria apenas em interação com o fator Autonomia, au­mentando significativamente (p = 0.019) a variância de explicação de 12% para 15% (Nagelkerke R²). Assim sendo, identificou-se que o fator Flexibili­dade atuava com um efeito moderador no modelo de predição em interação com o fator Autonomia.

Na análise executada, associando o fator Flexi­bilidade aos quatro fatores que apresentaram esco­res significativos, dois modelos de predição foram construídos. O Modelo 2, com a estatística da razão de verossimilhança apresentando χ² (4) = 44.21; p < 0.001, foi o que melhor identificou os fatores relacionados à intenção de continuar trabalhando explicando 20.3% (Nagelkerke R²) da variância. O modelo encontrado classificou corretamente 72% dos participantes (destes, 89.6% que concordaram e 34.4% dos que discordaram), explicando melhor os que manifestaram a intenção de continuidade. O teste de Hosmer & Lemeshow não significativo (p > 0.05) indicou bom ajuste do modelo.

Tabela 1
Regressão logística múltipla: preditores da intenção de continuar trabalhando
Regressão logística
múltipla: preditores da intenção de continuar trabalhando

Nota: R² % = 20.3% (Nagelkerke R²)*p < 0.05; **p < 0.01; *** p ≤ 0.001


Em síntese, os resultados do Modelo 2 (tabela 1) indicaram que uma maior percepção de autonomia no trabalho (p < 0.001), de benefícios da interação interpessoal (p = 0.022), e interesses fora do trabal­ho (p = 0.013), tornam os indivíduos de 30 a 52% mais propensos a decidir por continuar no trabal­ho remunerado, dado certo nível de flexibilidade (p = 0.006). O fator Vínculo com o Trabalho não se mostrou um previsor significativo no contexto da análise multivariada, mas isoladamente torna 34% mais provável a intenção de continuar no trabalho remunerado com β = 0.296 (EP = 0.112), p = 0.008; Exp b = 1.34; IC 95% [1.08; 1.68].

Adiar a aposentadoria e/ou trabalhar após a aposentadoria. Para esclarecer sobre os fatores preditivos da intenção do adiamento, foi conduzida uma análise de regressão logística com a variável critério “eu vou querer adiar a aposentadoria e per­manecer no emprego atual”. Os resultados dessa análise são apresentados na tabela 2.

Inicialmente, apenas dois fatores apresenta­ram escores com potencialidade de contribuição para o modelo: autonomia (p < 0.05) e interação interpessoal (p < 0.01). Diante da potencialidade do conjunto de variáveis, atestado pelo valor da estatística global (p < 0.01), utilizou-se como cri­tério de inclusão nesta análise as variáveis cujo valor descritivo de significância do teste fosse menor que 0.20 (Hosmer & Lemeshow, 2000, citado por Tabachnick & Fidell, 2006). Com esse procedimento, mais dois fatores foram incluídos (flexibilidade e vínculo com o trabalho) mantendo a significância de p da estatística global.

Com a combinação desses quatro fatores, dois modelos de predição foram construídos. O Modelo 2, com a estatística da razão de verossimilhança χ² (3) = 16.41; p = 0.001, foi o que melhor identificou os previsores da intenção de adiar a aposentadoria e permanecer no emprego atual, explicando 7.6% (Nagelkerke R²) da variância dessa intenção.

Tabela 2.
Regressão logística múltipla: preditores da intenção deadiar a aposentadoria
Regressão logística múltipla: preditores da intenção deadiar a aposentadoria

Nota: R² % = 7.6% (Nagelkerke R²)*p < 0.05; **p < 0.01; *** p ≤ 0.001


O Modelo 2 obteve bom ajuste (Hosmer & Lemeshow com p > 0.05) não apresentando nen­hum outlier, e classificou corretamente 64.7% da amostra. Destes, previu 89,1% com intenção de adiamento e 25.7% dos que não manifesta­ram essa intenção. Os resultados indicaram que a combinação das variáveis autonomia (p = 0.033) e flexibilidade (p = 0.006) (tabela 2) torna o indi­víduo 24% mais propenso a adiar a aposentado­ria e permanecer na organização, a depender do nível de flexibilidade percebida. A aspiração por maior flexibilidade (média > 5) reduz as chances de ocorrência do adiamento em 22%.

Embora o fator Interação Interpessoal no Tra­balho tenha isoladamente sido apresentado como preditor com β = 0.248 (EP = 0.092), p = 0.007; Exp b = 1.28; IC 95% [1.07; 1.54], não alcançou significância estatística na análise multivariada (p = 0.52). O fator Vínculo com o Trabalho não contribuiu para este modelo.

Expandindo essa investigação a fim de explo­rar o impacto do incentivo financeiro (abono de permanência) para a decisão do adiamento, reali­zou-se uma nova análise de regressão, adicionando uma variável categórica sobre o recebimento do abono (0 = não; 1 = sim). Em comparação com a análise anterior, o novo modelo, que apresentou χ² (4) = 37.87; p < 0.001, aumentou o poder de explicação da variância da decisão de adiamento de 7.6% para 17% (Nagelkerke R²). Classificou corretamente 66.4% dos participantes, sendo 81% dos que tinham a intenção de adiamento, aumen­tando a previsão dos que não manifestaram essa intenção para 43.1%. Tendo igualmente apontado a autonomia e flexibilidade como preditores, essa análise acrescentou que o recebimento do abo­no de permanência, com β = 1.22 (EP = 0.27), p < 0.001; Exp b = 3.39; IC 95% [2.00; 5.74], torna os participantes 3.39 vezes mais prováveis de adiar a aposentadoria, enquanto que o não re­cebimento reduz aproximadamente em 70% as chances de adiamento.

Para esclarecer sobre os fatores preditivos da intenção de trabalhar após a aposentadoria, foi utilizada a variável critério “eu vou querer me aposentar do emprego atual e trabalhar em outro lugar”. Embora cinco fatores (autonomia, interação interpessoal, interesses fora do trabalho, flexibili­dade e influência familiar) tenham apresentado es­cores com significância menor que 0.20 (Hosmer & Lemeshow, 2000, citado por Tabachnick & ­Fidell, 2006), a estatística qui-quadrado dos resíduos (p > 0.05) informou a impossibilidade de um mo­delo significativo de previsão. Selecionando apenas três fatores (interesses fora do trabalho, influência familiar e autonomia), que apresentaram valor de p de 0.01 a 0.07, se tornou possível a construção de um modelo (p = 0.038).

Entretanto, como a análise considera como referência o evento com maior número de partici­pantes, em vez de se obter os preditores da intenção de trabalhar após a aposentadoria (n = 94), obte­ve-se os preditores da intenção de não trabalhar após a aposentadoria (n = 189). Os resultados das análises foram semelhantes ao utilizar o método Backward ou Forward, optando-se por relatar esse último pela simplicidade da descrição.

Apenas um único modelo foi construído com bom ajuste (Hosmer & Lemeshow com p > 0.05) e semoutliers, apresentando estatística da razão de verossimilhança χ² (1) = 6.88; p < 0.01. O fator Interesses Fora do Trabalho, isoladamente, explica 3.3% (Nagelkerke R²) da variância dessa intenção com β = 0.223 (EP = 0.086), p = 0.01; Exp b = 1.25; IC 95% [1.06; 1.48]. Esse dado indica que, a cada aumento desse previsor em uma unidade, a chance de não trabalhar após a aposentadoria aumenta em 25%.

Aposentar-se e parar o trabalho remunerado

Complementarmente, a existência de previsores da intenção de parar o trabalho remunerado foi ex­plorada realizando-se uma regressão logística com uma quarta variável critério “eu vou querer parar o trabalho remunerado para…”. Tal medida explora razões que justificariam a intenção de aposentar-se relacionada ao desejo de ter mais tempo para os relacionamentos familiares, ter mais escolhas, maior flexibilidade e liberdade do trabalho (pressão e prazos), permitindo verificar a congruência de outras respostas dos participantes. Os resultados dessa análise são apresentados na tabela 3.

Todos os seis fatores foram incluídos no modelo de investigação por apresentarem nível de signifi­cância entre 0.001 e 0.076 e estatística global com p < 0.001 (Hosmer & Lemeshow, 2000, citado por Tabachnick & Fidell, 2006). Durante a análise, fo­ram construídos dois modelos de predição (tabela 3), sendo o Modelo 2, com a estatística da razão de verossimilhança apresentando χ² (5) = 48.34; p < 0.001, o que melhor identificou os previsores influentes da decisão de parar o trabalho remune­rado, explicando 20.9% (Nagelkerke R Square) da variação dessa intenção.

Tabela 3
Regressão logística múltipla: preditores da intenção deaposentar-se
Regressão logística múltipla: preditores da intenção deaposentar-se

Nota: R² % = 20.3% (Nagelkerke R²)*p < 0.05; **p < 0.01; *** p ≤ 0.001


O Modelo 2 classificou corretamente 66.4% do total de predições, sendo destas 72.1% dos que declararam intenção de parar o trabalho re­munerado e 60.3% dos que não declararam essa intenção. Apresentando um bom ajuste (Hosmer & Lemeshow com p > 0.05), os resultados mos­traram que a influência familiar (p = 0.002) torna 28% mais provável a intenção de parar o trabalho remunerado. Semelhantemente, a flexibilidade (p = 0.001), intensificada pela aposentadoria, tam­bém aumenta a chance dessa intenção em 36%. Coerentemente com o modelo construído sobre a intenção de continuar trabalhando, os benefícios dos relacionamentos interpessoais no trabalho e uma maior percepção de autonomia reduzem a intenção de aposentar-se em 19% e 31%, respec­tivamente.

O fator interesses fora do trabalho apresentou um potencial de relacionamento positivo para essa decisão, mas não alcançou a significância estatís­tica (p = 0.85) na análise multivariada. Os inter­valos de confiança desse fator cruzam a unidade (1) indicando certa instabilidade da direção desse relacionamento na população, podendo tanto ser negativa (Exp b < 1) quanto positiva (Exp b > 1).

Variáveis sócio demográficas e a intenção de continuar trabalhando

Do ponto de vista descritivo, a maioria dos participantes desta pesquisa (68.2%) declararam intenção de continuar no trabalho remunerado além do tempo obrigatório de contribuição. Porém, esta intenção tende mais ao adiamento da apo­sentadoria e permanência na própria organização (61.5%) do que a trabalhar em outro lugar após a aposentadoria (33.2%).

Análises bivariadas com o teste U de Mann-Whitney revelaram diferenças significa­tivas quanto a intenção de continuar ou parar de trabalhar. Indivíduos que discordaram quanto a um fácil ajustamento na aposentadoria apresen­taram maior intenção de continuar trabalhando (U = 6847.50; r = -0.21) e maior intenção de adiar a aposentadoria (U = 6033.50; r = -0.28) do que os que acreditavam em um fácil ajustamento. Es­ses efeitos foram relatados como significativos a p ≤ 0.001(bicaudal).

Por sua vez, os participantes que concorda­ram com um fácil ajustamento na aposentadoria apresentaram maior intenção de parar o trabal­ho remunerado do que aqueles que discordaram (U = 7075; r = -0.18). Semelhantemente, os parti­cipantes casados ou que se encontravam em união estável apresentaram maior intenção de parar o trabalho remunerado, diferindo dos que não pos­suíam parceiros (U = 7086; r = -0.18). Esses efei­tos foram relatados como significativos a p < 0.01 (bicaudal).

Já os servidores que recebem o abono de per­manência têm maior intenção de adiar a aposen­tadoria do que os que não recebem (U = 6941; p < 0.001 bicaudal; r = -0.22). Com relação ao sexo, os dados apontam que os servidores homens apresentaram maior intenção de trabalhar após a aposentadoria, diferindo estatisticamente das mul­heres (U = 7615.50; p < 0.01 bicaudal; r = -0.17).

Também foi observado que os docentes (Md = 65) planejam se aposentar com mais idade do que os ta (Md = 60) (U = 5397; r = -0.34) e planejam parar de trabalhar em qualquer trabalho remunerado com mais idade (Md = 70) do que os ta (Md = 65) (U = 5332.50; r = -0.32), sendo esses efeitos relatados ao nível p < 0.001 (bicaudal).

Discussão

Os resultados revelam que a maioria dos par­ticipantes tem a intenção de continuar no traba­lho remunerado além do período de contribuição obrigatória. Mas, para a população estudada, a ten­dência de prolongamento da vida laboral se refere mais ao adiamento da aposentadoria e permanência na instituição atual do que ao trabalho após a apo­sentadoria. Como a maioria dos participantes já se encontram em situação de adiamento, trata-se de uma decisão concretizada e não apenas de uma intenção. Para facilitar a compreensão do leitor, os modelos construídos pela regressão logística foram sintetizados em uma figura identificando os preditores encontrados.

A constatação do abono de permanência como um preditor importante vem reforçar a influência financeira sobre as escolhas relativas ao trabalho, já apontada na literatura (e.g., Barnes et al., 2004; Flynn, 2010). mow (1987) igualmente destaca o “papel da remuneração como um reforço condicio­nado generalizado” (p. 156). Percebemos assim, correspondentemente ao encontrado por Tuominen et al. (2012), que o incentivo financeiro tem se mostrado uma política eficaz à aposentadoria tardia.

Fatores
preditivos da intenção de continuar ou parar de trabalhar
Figura 1
Fatores preditivos da intenção de continuar ou parar de trabalhar


Mesmo assim, características desejáveis do trabalho devem ser possibilitadas. Para os tra­balhadores mais velhos, os valores que tornam o trabalho atrativo, interessante e gratificante nessa etapa de vida, fazendo parte de suas expectativas subjetivas, são um trabalho que permita a autono­mia pessoal, oportunize a interação interpessoal, ofereça uma flexibilidade razoável e esteja atrelado a outros interesses fora do trabalho. Ao apontar essas características intrínsecas como desejadas, eles evidenciam que consideram o trabalho uma das vias de acesso à satisfação dessas necessidades.

Os dois fatores iniciais, a autonomia e a inte­ração interpessoal, aparecem aumentando signifi­cativamente a chance de continuar trabalhando, e congruentemente, reduzindo as chances de parar o trabalho remunerado. A autonomia se refere à liberdade de tomar decisões relativas ao exercício das funções e na realização de tarefas. Particular­mente, foi o aspecto atrativo que mostrou maior associação, sendo consistente como preditor da intenção de continuar no trabalho remunerado e da decisão de adiamento e permanência no ­vínculo atual. A importância desse fator já foi observada por outros autores (Harpaz, 2002; Morin, 2001; Shacklock, 2006), sendo até considerada um dos valores universais do trabalho diante da pro­porção de pessoas que preferem essa característica ( mow, 1987).

O segundo fator corrobora que relacionamentos interpessoais positivos no trabalho tornam mais provável a intenção de continuar trabalhando. A oportunidade de manter contato com pessoas no trabalho é apontada como uma das perdas na apo­sentadoria e uma das razões de continuidade labo­ral (Barnes et al., 2004; França & Vaughan, 2008; Morin, 2001; Morse & Weiss, 1955; mow, 1987; Pires et al., 2013; Winkelmann-Gleed, 2012), en­quanto o baixo nível de relações interpessoais no trabalho prediz a descontinuidade (Harpaz, 2002).

A importância desse fator pode estar relacionada ao fato que, para alguns, a necessidade de contatos e relacionamentos interpessoais são mais preenchi­das no ambiente de trabalho do que no ambiente externo, como sugerido por Harpaz (2002). Outra consideração a esse respeito é levantada no estudo de Morin (2001), que indica as experiências satisfa­tórias de interação humana no trabalho como uma das características de um trabalho que tem sentido, contribuindo não somente para o desenvolvimento da identidade pessoal e social, como também para a transposição de questões existenciais referentes à solidão e morte.

O terceiro fator que contribuiu com o mode­lo é o da flexibilidade (trabalhar meio período, poder escolher e controlar as horas de trabalho). Embora seja apontada na literatura como um as­pecto desejável (Barnes et al., 2004; Menezes & França, 2012; Pengcharoen & Shultz, 2010; Shacklock, 2006; Shacklock & Brunetto, 2011; Winkelmann-Gleed, 2012), conforme os achados, a flexibilidade isoladamente não prediz a intenção de continuar trabalhando. No entanto, no contex­to da análise multivariada, esse fator se mostrou uma variável moderadora associada à autonomia, ­podendo aumentar ou diminuir a relação desta com a intenção de continuar, a depender do nível de flexibilidade percebida.

Uma possível explicação para isso é que, até certo ponto, condições flexíveis quanto aos horários de trabalho e na escolha de quando completar suas tarefas contribui para a percepção de liberdade e o sentimento de responsabilidade no exercício da atividade, aumentando o grau de autonomia percebida. No entanto, o desejo por uma maior flexibilidade, ao ponto de trabalhar ocasionalmente e não precisar dar satisfações a outros, por ser di­fícil de ser concretizada no âmbito da instituição, atuaria como redutor da intenção de continuar e potencializador das chances de aposentar-se.

O quarto fator se refere aos interesses fora do trabalho (hobbies, amigos, desenvolvimento espi­ritual, lazer e os interesses comunitários). Seme­lhantemente ao estudo de Shacklock & Brunetto (2011), esse fator se revelou como um preditor da intenção de continuar trabalhando, embora outros estudos indiquem uma relação positiva desses inte­resses com a aposentadoria (França, 2009; França & Vaughan, 2008; Phillipson & Smith, 2005). Esse dado sugere uma fronteira mais frágil entre o tra­balho e o não-trabalho, sinalizando que, quando o lugar ocupado pelo trabalho intermedia outros espaços da vida pessoal, este se torna mais atrativo.

Mas, os resultados deste estudo diferem em par­te do encontrado por Shacklock & Brunetto (2011). Na amostra australiana, os preditores da intenção de continuar no trabalho remunerado encontrados são: condições flexíveis de trabalho, interesses fo­ra do trabalho, gestão e fatores organizacionais e importância do trabalho para o indivíduo. Porém, na adaptação brasileira, esses dois últimos fatores não apresentaram bom desempenho.

No que diz respeito à intenção de aposentar-se do emprego atual e trabalhar em outro lugar, não foi possível investigar os fatores preditivos nesta direção. Diante da estabilidade que caracteriza o serviço público, a opção do adiamento pare­ceu ser mais atrativa do que o trabalho após a aposentadoria, o que pode ser devido aos custos emocionais envolvidos com a quebra de vínculo pela aposentadoria e a insegurança em construir novas alternativas de carreira. Os resultados apon­tam apenas que os servidores homens têm maior intenção de trabalhar após a aposentadoria do que as mulheres, condizente com o encontrado por Tuominen et al. (2012).

Por fim, com relação à intenção de se aposentar, surgiram a combinação de quatro fatores preditivos e concorrentes. Como o papel preditivo da auto­nomia e interação interpessoal reduzindo a chance de aposentar-se é coerente com os resultados já discutidos inicialmente, restringe-se agora a dis­cutir o papel dos outros dois fatores.

A influência familiar, representada pelo desejo de passar mais tempo com familiares e cônjuge, surge em oposição aos relacionamentos propor­cionados pelo trabalho. Seu impacto, aumentando as chances de aposentar-se, encontra suporte na literatura (França, 2009; Smeaton & McKay, 2003), particularmente para os que possuem vínculos familiares fortes (Szinovacz, deViney & Davey, 2001), condizendo com os que têm situação con­jugal estável.

O papel do fator Flexibilidade neste modelo não fica de todo claro, pois aqui ele possui um papel preditivo próprio e não como moderador. Por um lado, a percepção de autonomia no trabalho, ten­do liberdade de decisão em sua atividade, reduz a chance de aposentar-se. Por outro, a flexibilidade intensificada pela aposentadoria, de ter menos pressão e prazos a cumprir, de poder escolher quando e como se dedicar às atividades (e den­tre elas o trabalho, se assim o desejar), tornam a aposentadoria mais provável. Uma possível expli­cação para isto é que a atração por condições mais flexíveis e a impossibilidade de sua satisfação no âmbito da instituição, somado a um contexto de pressão e intensificação do trabalho, remeta à li­berdade proposta pela aposentadoria aumentando as chances dessa decisão, como também observado por Winkelmann-Gleed (2012).

Diante do exposto, é importante sinalizar que este estudo apresenta algumas limitações, o que fomenta possibilidade de pesquisas futuras. Pri­meiramente, limita-se quanto à sua generalização por incidir apenas sobre servidores de uma univer­sidade, com seus resultados se aplicando a uma população específica. Estudos com outros tipos de trabalhadores mais velhos poderiam esclarecer melhor sobre as expectativas subjetivas a respeito do trabalho nessa fase da vida.

Em segundo lugar, por se tratar de uma pesquisa de levantamento descritiva e transversal, verifican­do opiniões em um determinado espaço de tempo, pode estar expressando uma visão que não será, obrigatoriamente, a realidade prática acerca das preferências de trabalho e aposentadoria daqui a alguns anos. Outros fatores, além do trabalho, influenciam as decisões. Um exemplo disso foi o aumento expressivo de pedidos de aposentadoria de servidores federais no ano de 2017 (42.40%), quando comparado ao ano de 2016 ( pep, 2018). Esse fato parece ser um efeito das discussões so­bre a reforma da previdência na época e ameaças de extinção do abono de permanência como me­dida para redução de gastos públicos (e.g., a pec 139/15). Conforme Bôas & Souza (2015), analistas apontam que o fim do abono provocaria um com­portamento massivo de aposentadoria. Um estudo de seguimento poderia trazer mais esclarecimentos a esse respeito.

Em terceiro, observamos que os fatores pre­ditivos encontrados, relacionados ao trabalho, al­cançaram baixo poder explicativo da variância da intenção de continuar trabalhando (17 a 20%) e explicam melhor os que concordam com a conti­nuidade. Tal fato indica que outras variáveis não contempladas poderiam ter um papel igualmente influente ou complementar, respondendo pelos 80% restantes da variância. Por exemplo, a idade em que se planeja continuar no trabalho remune­rado pode ser uma influência. A constatação de que os docentes planejam permanecer mais tempo no mercado de trabalho do que os tas, também sugere haver alguma relação entre a atividade da docência em si e a continuidade do trabalho. Te­ríamos os mesmos preditores com trabalhadores de instituições/organizações privadas, com outras atividades que incluem desde tarefas extremamente repetitivas, até outras que exigem intenso desgaste físico? Essas são questões que, a nosso ver, podem enriquecer, ao ampliar, as dimensões que consti­tuem o significado do trabalho e suas relações com a intenção de trabalhar ou aposentar-se. Novos estudos poderiam explorar a influência do tipo de atividade e seu contexto sobre variáveis preditoras da continuidade do trabalho, notadamente, variá­veis relativas ao sentido do trabalho.

Diante do crescente interesse mundial de inves­tigar maneiras eficientes de incentivar e aumentar a participação de trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho, implicações éticas e prá­ticas precisam ser consideradas. O estímulo ao adiamento da aposentadoria exige políticas de gestão de pessoas voltadas para esta continuidade laboral, com atenção especial ao ageísmo e a maior possibilidade de doenças ocupacionais e crônicas com o envelhecimento.

Outra questão é que, a relação encontrada entre a intenção de continuar trabalhando e a percepção de um difícil ajustamento à aposentadoria reforça o desafio e a importância da atuação dos progra­mas de preparação para a aposentadoria (ppa). As estratégias para que os trabalhadores adiem sua aposentadoria não eximem o governo de sua atribuição de criar e estimular a manutenção de ppas, fornecendo o apoio necessário à tomada dessa decisão.

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Autor notes

Contato principal para correspondência editorial: Luciani Soares Silva Macêdo, Psicóloga e Técnica-administrativa da Univer­sidade Federal do Rio Grande do Norte (ufrn). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da ufrn e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Trabalho (gepet/ufrn). Correio eletrônico: lucianissm@gmail.com

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