Desenvolvimento da linguagem na primeira infância e estilos linguísticos dos educadores

El desarrollo del lenguaje en la primera infancia y estilos lingüísticos de los educadores

Language Development in Early Childhood and Linguistic Styles of Educators

Keilla Rebeka Simões de Oliveira *
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Fabíola de Sousa Braz-Aquino
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Nádia Maria Ribeiro Salomão
Universidade Federal da Paraíba, Brasil

Desenvolvimento da linguagem na primeira infância e estilos linguísticos dos educadores

Avances en Psicología Latinoamericana, vol. 34, no. 3, 2016

Universidad del Rosario

Recepção: Abril 20, 2014

Aprovação: Março 09, 2015

Resumo: O estudo buscou conhecer a linguagem de crianças em idade pré-escolar no contexto de creche, e caracterizar os estilos linguísticos de educadoras na interação com essas crianças. Participaram do estudo nove crianças de um a três anos e suas respectivas educadoras (sete professoras e seis monitoras). Os dados foram coletados através de nove observações videogravadas das interações entre as crianças, e entre as crianças e as educadoras em situações de brincadeira. As observações tiveram duração de 20 minutos, e foram retirados 10 minutos para transcrição dos episódios. Para análise dos dados foram definidas categorias acerca da fala das crianças e das educadoras. Encontrou-se que as crianças de um ano se comunicaram basicamente por meio de gestos, enquanto nas outras idades predominou a interação através da linguagem oral. Os estilos linguísticos das educadoras variaram em função da idade da criança, sendo predominante o uso de diretivos principalmente nas observações das crianças de um ano. Assinala-se a pouca participação das educadoras nos episódios interativos, principalmente com as crianças de dois e três anos, e o impacto desses episódios no aprendizado e desenvolvimento infantil nos anos iniciais. A pesquisa esteve vinculada ao Programa Institucional de Voluntários de Iniciação Científica (PIVIC-CNPq).

Palavras-chave desenvolvimento da linguagem, educação infantil, interação social.

Abstract: The study aimed to know how the language of children in preschool age in the context of daycare, and characterize the linguistic styles of educators in interaction with these children. It included nine children aged between one and three years and their educators. Data were collected through nine videotaped observations of interactions between children and children/educators in play situations. The videotaped observations lasted 20 minutes, of which were taken 10 minutes for transcription of episodes. For data analyses were defined linguistic styles for children and educators’ speaks. It was found that children of one year primarily communicated through gestures, while interactions in other ages were predominant through oral language. The linguistic styles of educators varied according to age of the child present in interaction, being predominant the use of directives, mainly on observations of one year’s children. It is observed that the presence of educator was rare in interactions, especially with children of two and three years, and the impact of these episodes in learning and child development in the early years of life.

Keywords: language development, child education, social interaction.

Resumen: El estudio buscó conocer el lenguaje de niños en edad preescolar en el contexto de guardería, y caracterizar los estilos lingüísticos de educadoras en la interacción con estos niños. Participaron en el estudio nueve niños de uno a tres años y sus respectivas educadoras (siete profesoras y seis monitoras). Los datos fueron recolectados a través de nueve observaciones grabadas en video de las interacciones entre los niños y las educadoras en situaciones de juego. Las observaciones tuvieron una duración de 20 minutos, y fueron retirados 10 minutos para la transición de los episodios. Para el análisis de los datos fueron definidas categorías acerca del habla de los niños y de las educadoras. Se encontró que los niños de un año se comunican básicamente por medio de gestos, mientras que en las otras edades predominó la interacción a través del lenguaje oral. Los estilos lingüísticos de las educadoras variaron en función de la edad del niño, siendo predominante el uso de directivos principalmente en las observaciones de los niños de un año. Se evidencia la poca participación de las educadoras en los episodios interactivos, principalmente con los niños de dos y tres años, y el impacto de esos episodios en el aprendizaje y el desarrollo infantil en los años iniciales.

Palabras clave: desarrollo del lenguaje, educación infantil, interacción social.

O presente estudo parte da premissa geral de que o desenvolvimento humano e da linguagem infantil são constituídos pelas redes de interações estabelecidas entre crianças e adultos desde os primeiros anos de vida. Postula-se que essas interações têm um papel central na construção de habilidades que dão suporte ao desenvolvimento de potencialidades tipicamente humanas, tais como capacidade para apreender significados pelo compartilhar de atividades e de artefatos socioculturais (Vygotsky, 1996).

Em linhas gerais, essas ideias compõem a teoria de Vygotsky (2000), para quem o desenvolvimento está em constante relação com as transformações que se dão pela interação social. Nessa vertente teórica, o estudo da linguagem tem uma posição central, por favorecer a constituição do sujeito e a gradativa apropriação da cultura e da experiência acumulada ao longo da história. Em sua teoria, este autor considera que é pela intervenção ou interposição do outro na relação da criança com o mundo, que a mesma se apropria dos modos culturais.

De acordo com Vygotsky (1996), entre o primeiro e o terceiro mês de vida do bebê aparecem as primeiras reações sociais, estas se tornam cada vez mais complexas. Nesse período, os gestos são bastante importantes para comunicação, e a vocalização os acompanha constantemente. Assim, a base da comunicação nessa etapa é formada pelo sorriso, choro, além de alguns recursos vocais e gestuais (Papoušek, 2007). Nesse sentido, as crianças usam gestos antes de começarem a usar palavras, e quando emitem palavras continuam utilizando gestos, sendo a transição do gesto à palavra que possibilita o surgimento dos primeiros enunciados (Guidetti & Nicoladis, 2008).

Para Reyes e Pérez (2014), a linguagem oral permite a compreensão e expressão de mensagens, elaborar ideias, interagir comunicativamente com outros, refletir e solucionar problemas. Ainda para essas autoras, o período pré-escolar se caracteriza pelo rápido desenvolvimento léxico, no qual as crianças acrescentam cerca de cinco palavras por dia, ampliando seu vocabulário com novas palavras e estabelecendo relações entre elas. O vocabulário infantil aumenta com uma rápida velocidade; aparecem as flexões de plural e de gênero, além do uso de artigos, demonstrativos, possessivos e pronomes pessoais, embora inicialmente com confusões (Huttenlocher, Vasilyeva, Waterfall, Vevea, & Hedges, 2007). São as interações entre a criança e o contexto, mediadas pelos adultos com os quais estabelece intercâmbios, que proporcionam a aprendizagem da linguagem e promovem o desenvolvimento das demais habilidades humanas (Freitas, 2002). As interações estabelecidas com as crianças nesse período inicial são fundamentais para o seu desenvolvimento linguístico, tendo em vista que as primeiras frases formuladas são consideradas possíveis preditoras da qualidade do desenvolvimento linguístico posterior (Rescorla, 1989).

Um fator que se relaciona com a forma do adulto se comunicar com a criança, segundo Rowe (2008), são os conhecimentos e as crenças que se têm acerca do desenvolvimento infantil; isto porque tais crenças se refletem na diferença das palavras faladas e nos tipos de enunciados dirigidos às crianças pelos adultos durante as interações, o que influencia as experiências comunicativas das crianças durante a primeira infância.

Um estudo realizado por Nunes e Folque (2012), que procurou analisar os tipos de perguntas que os educadores fazem às crianças em situações dialógicas de grande grupo, encontrou que as interações de qualidade entre o educador e o aluno se constituem como suporte para o aprender, e que existem determinadas estratégias pedagógicas que influenciam a qualidade das interações, como por exemplo, a utilização de perguntas abertas que permitem várias respostas.

Acerca dessa questão, ressalta-se a importância da interação de qualidade educador/criança visando à otimização da aprendizagem infantil desde os primeiros anos de vida. De acordo com Salomão (2012), alguns aspectos da fala dirigida às crianças atuam como facilitadores da comunicação, tais como: atenção conjunta, sintonia, feedback, reformulações, pedidos de esclarecimento e diretividade, embora este último deva ser visto com alguma ressalva. A atenção conjunta implica na habilidade do adulto de monitorar a atenção da criança e prover a informação adequada para ela. Já a sintonia seria a adequação da fala do adulto à fala da criança ou sua capacidade de compreensão (Braz Aquino & Salomão, 2011). O feedback apresentado no momento da fala pode ajudar a criança a testar suposições sobre regras da linguagem ou conceitos. As reformulações favorecem a aquisição da linguagem por fornecerem à criança contrastes entre a sua fala e a resposta do adulto, o que pode promover novas aquisições sintáticas. Enquanto que os pedidos de esclarecimento podem atuar como um feedback negativo, já que mostram à criança que o seu enunciado não foi adequado (Salomão, 2012).

Acerca do uso dos diretivos, verifica-se a existência de divergências na literatura quanto ao seu papel no desenvolvimento linguístico infantil (Braz Aquino & Salomão, 2005; Salomão & Conti-Ramsden, 1994; Tomasello & Farrar, 1986). Numa das vertentes de explicação, afirma-se que a criança nos primeiros anos de vida possui pouca habilidade cognitiva e linguística para o manejo da linguagem, o que levaria o adulto a produzir um enunciado com uma estrutura e intenção diretivas que a criança entende mais facilmente (Braz Aquino & Salomão, 2005). Por outro lado, os enunciados diretivos tendem a ser curtos, objetivos, trazer poucas informações e desfavorecer o engajamento da criança numa conversação. Eles geralmente ocorrem em episódios nos quais o adulto busca redirecionar a atenção da criança (Akhtar, Dunham, & Dunham, 1991; Hoff, 2006). Além disso, existem diferentes subtipos de diretivos, que repercutem sobre o desenvolvimento linguístico de acordo com o contexto, a idade das crianças e seu nível de desenvolvimento linguístico e cognitivo (Girolametto, Weitzman, Lieshout, & Duff, 2000; Braz Aquino & Salomão, 2005; Ramos & Salomão, 2012).

Para Ely e Gleason (1995), existem algumas características da fala direcionada à criança que são propiciadoras do desenvolvimento da linguagem, como os feedbacks e as solicitações. As reformulações também são eficazes no processo de aquisição da linguagem, já que através delas os adultos propiciam às crianças versões corrigidas ou alternativas do seu enunciado (Sokolov & Snow, 1994). Outro fator facilitador do desenvolvimento linguístico infantil é a responsividade, ou seja, a capacidade de perceber e responder adequadamente aos sinais e gestos da criança, combinando o que será dito com o conteúdo falado por ela, de forma que haja continuidade no diálogo estabelecido e participação infantil (Ramos & Salomão, 2012). A responsividade pode ser observada quando a fala do adulto é sensível ao comportamento das crianças e elas conseguem interpretar os enunciados, e quando as respostas dadas pelos adultos às crianças são adequadas por serem expansões ou reformulações da fala das crianças, o que tem uma relação positiva com o desenvolvimento da linguagem (Hoff, 2006).

Nesse sentido, ressalta-se que o desenvolvimento da linguagem se dá num contexto de interação, ou seja, as interações que organizam as condutas dos participantes asseguram o progresso da comunicação. Nos momentos de brincadeira, a presença do adulto/educador é importante por ser este, de acordo com Vygotsky (2000), um agente favorecedor de novas aquisições ou aprendizagens, assumindo o papel de auxiliar a criança na apropriação de novos conhecimentos, dando-lhes instruções, fazendo demonstrações ou fornecendo-lhes pistas. Para Baquero (2009), as práticas escolares promovem formas específicas de desenvolvimento psicológico, situadas em determinadas práticas culturais. As estratégias educativas devem estabelecer práticas de ensino que visem os processos de construção de conhecimento e possibilidades.

Acerca da construção de práticas educativas, Vectore, Alvarenga e Júnior (2006), estudando espaços de educação infantil e o papel dos educadores nesses contextos, desenvolveram o que designaram de critérios mediacionais, visando identificar elementos na interação entre professor e aluno que viabilizem a atuação do educador como um mediador efetivo. Estes critérios foram propostos por Klein (1996) e consistem na: focalização, expansão, mediação do significado ou afetividade, recompensa e regulação do comportamento. Defende- se que o conhecimento desses critérios e sua presença nas interações que se dão em contextos educativos, potencializam os momentos da criança na escola na medida em que o educador, consciente de seu papel, poderá exercer sua docência de forma intencionalmente pedagógica. Ao utilizar ações efetivamente mediadoras que possibilitem situações agradáveis e desafiadoras, o educador atua como um agente estimulador do aprendizado e desenvolvimento (Vectore, Alvarenga, & Júnior, 2006).

Sobre essa questão, Mariotto (2009) afirma que a atuação do educador nos momentos de brincadeira vai além de observar as crianças durante o brincar e exige uma participação ativa e significante de forma a favorecer construções simbólicas das representações do mundo. Para pesquisadoras como Tuleski, Chaves e Barroco (2012), existem determinadas práticas dos adultos consideradas favorecedoras da aprendizagem e desenvolvimento do vocabulário infantil, o que influencia a constituição das funções psicológicas superiores, como: “falar sempre e tudo com as crianças, anunciar as ações que se realizarão, antecipar os fazeres, relatar descrições de fatos, objetos ou pessoas, fazer referências com ênfases, elogios ao bebê e ao que está próximo dele” (Tuleski, Chaves, & Barroco, 2012, p. 37). Dessa forma, defende-se que o conhecimento de critérios facilitadores das interações e a presença nas mediações que se dão em contextos educativos, potencializam os momentos da criança na escola na medida em que o educador, consciente de seu papel, poderá exercer sua docência de forma intencionalmente pedagógica.

Assim, considerando a atual expansão da educação infantil no Brasil e no mundo (Silva, 2011), o papel que a linguagem ocupa para o aprimoramento das funções psicológicas superiores (Vygotsky, 2000), e a importância da interação com o educador no desenvolvimento da linguagem (Ramos & Salomão, 2012), buscou-se nesse estudo descrever e discutir como se apresenta a linguagem de crianças inseridas em contextos de creches, na faixa etária entre um e três anos de vida. Mais especificamente, identificar as configurações da linguagem nas interações grifada entre as crianças e nas interações criança-educador, e os estilos linguísticos utilizados pelos educadores nos contextos de brincadeira.

Método

Participantes

Participaram da pesquisa nove crianças, cinco do sexo feminino e quatro do sexo masculino, na faixa etária entre 1 e 3 anos de idade. Os participantes do estudo foram divididos em três grupos de acordo com a idade, quais sejam, um, dois e três anos, sendo três crianças em cada grupo. No grupo de crianças de um ano participaram duas meninas e um menino, no grupo de crianças de dois anos participaram dois meninos e uma menina, e no grupo de crianças de três anos participaram duas meninas e um menino. Essa configuração foi aleatória, já que não era o gênero, mas a idade o critério para inclusão na amostra. As idades médias de cada grupo de idade foram: 1 ano e 5 meses no grupo de crianças de um ano, 2 anos e 5 meses no grupo de crianças de dois anos, e 3 anos e 5 meses no grupo de crianças de três anos. As crianças observadas residem em bairros próximos às instituições, estes localizados em bairros de classe média e classe média baixa, têm os pais como cuidadores primários e começaram a frequentar as instituições de ensino a partir do primeiro ano de vida. Participaram também as respectivas educadoras das crianças, sendo sete professoras e seis monitoras. Com relação à formação das professoras que participaram das observações, uma tem ensino médio completo (Berçário) e seis tem graduação em Pedagogia (Maternal I e II). Quanto à formação das monitoras, quatro tem ensino fundamental completo e duas tem ensino superior incompleto em Pedagogia.

Procedimentos para coleta dos dados

O estudo consiste em uma pesquisa de campo do tipo observacional-descritiva, com delineamento transversal. Depois de concedida a permissão para a realização do estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pela diretora da instituição e pelos pais das crianças das turmas observadas, foram realizadas nove observações videogravadas das interações, sendo três observações para cada grupo de idade. Foi realizado um sorteio para a escolha das crianças que seriam foco das observações e gravadas as interações em torno das crianças sorteadas. As turmas das crianças foco das observações se caracterizam por ter em média 20 alunos e a proporção de dois alunos por educadora. As observações tiveram a duração média de 20 minutos, dos quais foram retirados 10 para análise, sendo desprezados os 5 minutos iniciais e finais. Durante as observações a pesquisadora ficou localizada num espaço do ambiente que privilegiasse a livre interação. A única instrução dada ao educador é que deixasse a criança da maneira que costuma brincar habitualmente.

As observações foram realizadas em contexto de sala de aula, desenvolvidas em três instituições, sendo dois Centros de Referência em Educação Infantil (CREI) e uma Escola de Educação Básica. A escolha das turmas que seriam observadas nas instituições foi realizada de acordo com a disponibilidade do local e as turmas presentes na instituição (berçário, maternal I e maternal II). Nas instituições observa-se uma organização similar nas salas, contendo mesas redondas de plástico com cadeiras ao redor para as crianças, uma estante com livros e brinquedos, e uma televisão.

Procedimentos para análise dos dados

Os dados coletados foram analisados qualitativamente por meio da descrição minuciosa das interações das crianças com as demais e com as educadoras. Posteriormente, os dados transcritos foram organizados em episódios, os quais tiveram como critério de delimitação a mudança de dupla/ grupo interativo, onde qualquer modificação demarcou o início ou término de um episódio. Esse critério teve como base o estudo de Pedrosa e Carvalho (2005), no qual um episódio caracteriza-se por uma sequência interativa que envolve um grupo de crianças a partir da organização que formam e/ou da atividade que desenvolvem. A análise focou: a) nas formas em que se apresentam a linguagem nos três períodos estudados; b) nos tipos de configuração da linguagem nas situações de brinquedo; e, c) nos estilos linguísticos dos educadores enquanto agentes mediadores das formas de utilização da linguagem nas situações de brinquedo/brincadeira. A partir dos resultados observados, foram escolhidos entre os episódios aqueles que ilustrassem recortes de interação onde ocorriam situações de brincadeira. Os nomes das crianças presentes na descrição dos episódios são fictícios.

Visando a melhor análise do uso da linguagem ou vocalizações pelas crianças nas diferentes idades, foram definidas algumas categorias para análise de sua fala, com base no estudo de Braz Aquino e Salomão (2005; 2011), sendo realizadas modificações nas categorias em função das trocas comunicativas criança-criança observadas. As categorias utilizadas foram:

No que se refere aos estilos linguísticos das educadoras (professoras e monitoras) nas situações de interação com a criança, foram levantadas as seguintes categorias baseadas no estudo de Braz Aquino e Salomão (2005; 2011):

Aspectos éticos

A pesquisa foi realizada de acordo com as prescrições da resolução nº466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados e discussão

Os resultados descritos a seguir expõem as configurações da linguagem presentes nas situações de brinquedo nos três grupos de idade estudados, observadas a partir da análise dos episódios selecionados. A figura 1 apresenta a frequência do número de palavras isoladas verbalizadas pelas crianças e o número de frases (grupo de duas ou mais palavras) expressas pelas crianças nas diferentes idades nos episódios observados.

Frequência da linguagem oral nos três grupos de idade
observados
Figura 1
Frequência da linguagem oral nos três grupos de idade observados


De acordo com a observação da figura 1, podemos perceber que o número de palavras e frases aumentou proporcionalmente ao avanço da idade, principalmente entre o primeiro e o segundo ano de vida. No grupo de crianças de um ano de idade as observações permitiram identificar 8 palavras e 2 frases, enquanto nas observações das crianças de dois anos foram observadas 16 palavras e 58 frases, e no grupo de crianças de três anos foram observadas 17 palavras e 74 frases. Com relação ao número de episódios interativos presentes nos recortes das observações videogravadas, foram observados 59 episódios, dos quais 21 episódios foram do grupo de crianças de um ano, 18 episódios do grupo de crianças de dois anos e 20 episódios do grupo de crianças de três anos. O que implica afirmar que apesar do número de episódios interativos observados ter apresentado pouca variação entre os grupos de idade, o número de palavras e frases variou entre os grupos, e com elas a forma como essas verbalizações se mostravam em cada contexto de brincadeira.

Para Rescorla (1989), a importância das primeiras frases que as crianças formulam, por volta dos 18 aos 24 meses, reside no fato de serem consideradas possíveis preditoras da qualidade do desenvolvimento linguístico posterior. Além de uma diferença quantitativa acerca das falas no decorrer da idade, essa diferença também pôde ser observada qualitativamente, já que as crianças aos três anos já apresentavam construções maiores e mais complexas com artigos, verbos, pronomes e preposições, como exemplo o seguinte recorte da segunda observação do grupo de crianças de três anos: você pegou meu celular, mamãe. Com relação a essa questão, Hoff (2006) afirma que em cada período do desenvolvimento as crianças diferem com relação ao tamanho do vocabulário, a complexidade das estruturas que o produzem e a capacidade de comunicação, o que foi observado no presente estudo.

Acerca das categorias da fala das crianças presentes nas observações do primeiro ano de vida, foi observado: fala espontânea (2), resposta não-verbal adequada (35), não-resposta (2) e repetição do enunciado (1). Dessa forma, percebe-se que a linguagem não-verbal predominou consideravelmente (resposta não-verbal adequada; n = 35), em relação a linguagem verbal (fala espontânea; n = 2, e repetição do enunciado; n = 1). Nos recortes de episódios das observações das crianças de um ano descritos abaixo, podemos observar a fala das crianças observadas.

Observação 1: crianças de um ano – (sala do berçário, instituição I, a criança foco da observação é Daniel)

Bianca: segurando o sapo de borracha, o coloca em cima da cadeira. Daniel: olha para Bianca e depois para o sapo. Daniel: pega o sapo de cima da cadeira e fica olhando para ele enquanto o segura. Bianca: olha para ele olhando o sapo, e diz: é sapo.

A partir da descrição do episódio, podemos observar que Bianca e Daniel se comunicaram basicamente por meio de gestos (olhar para a criança, olhar para o brinquedo). Nesse momento da observação, Daniel começou a olhar para o sapo e Bianca nomeou aquele brinquedo: é sapo”, sendo esta a única palavra dita no episódio.

Observação 2: crianças de um ano - (sala do berçário, instituição I, a criança foco da observação é Ana)

Ana: olha para a monitora 1, que está sentada à sua frente. Monitora 1: olha para ela e sorri. Ana: fica em pé e anda em direção à monitora 1, segurando um carro de plástico. Ana: fica em pé em frente à monitora 1 e coloca o carro em cima da perna dela. Ana: olha para o carro e sorri, o levanta e diz: ah, ah, ah. Monitora 1: olhando para ela, balança a cabeça em sinal afirmativo e diz: é carro.

Nesse episódio, a comunicação entre Ana e a monitora 1 também se deu basicamente por meio de gestos e olhares, com uma fala por parte da monitora 1. O sorriso da monitora 1 dirigido a Ana é também um convite à interação. No final do episódio, Ana balbuciou ah, ah, ah, enquanto olhava para a monitora 1 e o objeto que estava segurando (carro de plástico) tentando chamar a atenção dela para o brinquedo. Nesse momento, a monitora 1 olhou para o objeto e disse: carro, nomeando para ela o que seria esse objeto. A monitora 1 utilizou um assertivo, promovendo uma referenciação entre o objeto e o rótulo linguístico.

Observação 3: crianças de um ano - (sala do berçário, instituição I, a criança foco da observação é Bianca)

Ana: olha para um fantoche que está no chão, o segura e coloca a mão dentro dele. Bianca: olhando para Ana, olha para o fantoche e caminha até ela. Bianca: para em frente à Ana e tenta colocar a mão dentro do fantoche também. Ana: olha para Bianca e diz: não, enquanto o afasta dela. Bianca: olha para a porta e caminha em direção a ela.

No episódio descrito acima, a comunicação ocorreu através do olhar dirigido ao objeto (observar o fantoche) ou à criança (observar os gestos de Ana), e gestos (afastar o fantoche). A única palavra dita pela criança no episódio acima foi não. Bianca não precisou da linguagem oral para que Ana pudesse entender o que ela também queria, o fantoche; quando Ana falou não, essa palavra foi acompanhada do gesto de afastar o fantoche para que Bianca não o pegasse, o que foi entendido por ela, já que ela se afastou de Ana e foi para o outro lado da sala. O gesto de afastar o fantoche juntamente com a fala ressaltou a intenção comunicativa de Ana.

A partir da descrição dos episódios, podemos observar que as crianças de um ano se comunicaram basicamente através de gestos, e mostraram entendimento do que havia sido dito de forma verbal ou expressa não-verbalmente pelo outro. Para Guidetti e Nicoladis (2008), na idade em que elas se encontram, os gestos e o olhar são bastante importantes na comunicação, e os enunciados são formados por uma palavra, o que pôde ser observado nos episódios dessa idade descritos acima. Aproximadamente aos 12 meses de vida, a criança é capaz de seguir o adulto com o olhar e utilizar gestos dêiticos (apontar, mostrar, oferecer, entregar, e pedir por meio do gesto de estender o braço com a mão aberta), de forma a obter objetos desejados, estes muitas vezes acompanhados da alternância de olhar entre o adulto e o objeto desejado (Bates, Camaioni, & Volterra, 1975; Camaioni, 1997).

De acordo com Rowe, Ozçalişkan, & Goldin-Meadow, 2008, quando o adulto responde aos gestos da criança, nomeando aquilo que a criança deseja, está facilitando a aprendizagem de palavras. Neste sentido, compreendemos as interações estabelecidas, nas quais o gesto desempenha um papel fundamental, como favorecedoras do desenvolvimento do vocabulário infantil. No episódio da segunda observação, pode-se observar essa função do gesto. No momento em que Ana levantou o carro de brinquedo em direção à monitora, esta nomeou para Ana aquele objeto, afirmando é carro. Assim como, no episódio da primeira observação, quando Daniel segurava um sapo de plástico e Bianca olhou para ele e disse: é sapo.

Enquanto nas observações das crianças de um ano a linguagem verbal apareceu com menor frequência, nas observações das crianças de dois e três anos ela foi mais frequente. Além das aquisições que ocorrem durante certo período de tempo ser um importante fator explicativo dessas diferenças, o ambiente no qual as crianças se encontram constitui o suporte sobre o qual o curso de desenvolvimento da linguagem está em íntima ligação.

Assim, com relação ao grupo de crianças de dois anos, as categorias observadas na fala oral das crianças foram: fala espontânea (44), resposta verbal adequada (13), resposta não-verbal adequada (26), não-resposta (3) e repetição do enunciado (17). A seguir, podemos observar os recortes de episódios do grupo de crianças de dois anos:

Observação 1 das crianças de dois anos - (sala do maternal I, instituição II, a criança foco da observação é Caio)

Caio: está sentado e segurando um dado de borracha. Caio: olha para Rita, sentada ao seu lado e segurando um dado, e começa a bater com o dedo no dado dela. Rita: olha para ele e diz: não, pega o dado e o coloca em cima de uma cadeira. Caio: olha para ela, em seguida olha para o dado dele e diz: Ritinha, olha aqui. Rita: olha para o dado de Caio e começa a bater com a mão em cima do dado dele. Caio: olha para ela e começa a bater no dado também.

Nesse episódio, podemos observar a presença da fala espontânea: não e Ritinha, olha aqui. No início do episódio, Caio começa a bater no dado de Rita, mas ela não quer que ele bata no dado dela, e diz: não. Então, Caio para de bater no dado dela, pega o dado que ele estava batendo anteriormente e o mostra para Rita, dizendo: Ritinha, olha aqui; em seguida os dois começam a bater no mesmo dado.

Observação 2 das crianças de dois anos - (sala do maternal I, instituição III, a criança foco da observação é Raquel)

Raquel, Bruna, Rafael e Lucas: olham para um menino que passou correndo perto de onde estavam. Lucas: olha para a monitora e diz: ele chegou do passeio num foi tia?Monitora: olha para Lucas e diz: foi. Lucas: olha para a monitora e diz: eu fui. Bruna: olha para Lucas e diz: eu fui. Monitora: olha para eles e diz: foi. Rafael: olha para a monitora e diz: e eu tia? Monitora: olha para Rafael e responde: foi também. Lucas: olha para Rafael e diz: eu vou. Raquel: olha para Lucas e diz: eu vou.

No episódio acima, observa-se com maior frequência a fala espontânea (4) e a repetição do enunciado (2). Quando uma criança passa correndo próximo ao local onde eles estavam sentados, as crianças e a monitora iniciam uma conversa em torno da situação de ter ido a um passeio da escola. No episódio foi bastante presente o uso de pequenas frases.

Observação 3: crianças de dois anos - (sala do maternal I, instituição III, a criança foco da observação é Paulo)

Paulo: está segurando e tentando encaixar duas peças de Lego. Paulo: sem conseguir, bate com uma das peças no braço de Bia. Bia: olha para ele. Paulo: entrega uma das peças para ela enquanto segura a outra. Paulo: coloca a peça que estava segurando em cima da que entregou para Bia, olha para ela e diz: me ajuda... que eu não sei colocar, olha, olha, olha, eu quelo (quero) colocar, quelo (quero) colocar a loda (roda). Bia: pega as peças da mão dele e tenta encaixá-las. Paulo: olha para ela e diz: bota a loda (roda), bota a loda (roda), me ajuda. Bia: olha para Paulo e balança a cabeça para os lados em sinal negativo.

Neste episódio, observa-se que Paulo utiliza gestos na tentativa de direcionar a atenção de Bia para ele: bater com uma peça do brinquedo no braço dela, mostrar a ela que está tentando encaixar as peças e entregar uma peça do brinquedo a ela. Porém, ela apenas olha para ele e para as peças, sem ajudá-lo a encaixá-las. Então, ele utiliza da fala espontânea para pedir sua ajuda. Em seguida, ela realiza o que foi pedido, mas também não consegue encaixar as peças do brinquedo, respondendo que não está conseguindo através da linguagem não-verbal (balança a cabeça para os lados em sinal negativo).

Nos episódios dessa idade descritos acima, a linguagem aparece no sentido de dirigir o comportamento do outro, conversar em torno de uma situação específica e pedir ajuda à outra criança para uma atividade específica. Para Vasconcelos, Amorim, Anjos e Rossetti-Ferreira (2003), o desenvolvimento é uma coconstrução que ocorre na interação com o outro, o parceiro da interação. Daí a importância desses momentos de interação entre as crianças, já que o desenvolvimento ocorre na interação com o outro.

Nos episódios de interação do grupo de crianças de três anos, as categorias de fala observadas foram: fala espontânea (62), resposta verbal adequada (16), resposta não-verbal adequada (12) e repetição do enunciado (12). A seguir, observamos os recortes de episódios desse grupo:

Observação 1: crianças de 3 anos - (sala do maternal II, instituição I, a criança foco da observação é Erik)

Erik: fica em pé em cima da cadeira e levanta as peças de Lego que montou no ar. Igor: sentado ao lado da cadeira de Erik, olha para ele, e sorri. Erik: levanta as peças perto do rosto de Igor e diz: olha, um avião de verdade. Igor: olha para ele e diz: deixa eu ver. Erik: balança o avião no ar. Igor: olha para o avião e diz: eita, tá voando. Erik: balança o avião no ar e diz: olha o avião voando.

No episódio descrito acima, Erik e Igor estavam sentados montando peças de Lego. Quando Erik terminou de montar suas peças, as levantou no ar, olhou para Igor e disse: olha, um avião de verdade, atribuindo um significado ao brinquedo construído por ele. A partir desse momento, as crianças iniciaram um tipo de brincadeira falando pequenas frases sobre o avião: eita, tá voando, olha o avião voando. Assim, a linguagem verbal aparece de forma a interagir com o outro acerca de um brinquedo.

Observação 2: crianças de três anos - (sala do maternal II, instituição II, a criança foco da observação é Letícia)

Carla: sentada no chão, olha para o lado, pega um celular de brinquedo e o entrega para Letícia, que está sentada ao lado dela. Letícia: olha para o celular, o encosta na orelha e diz: alô. Carla: pega o celular, olha para Letícia e diz: você pegou meu celular, mamãe. Carla: abre o celular, mostra para ela e diz: olha só, tá vendo. Letícia: olha para ela, se levanta e vai pegar outro brinquedo.

Neste episódio, observamos a presença da fala espontânea (3). Quando Letícia segurou o celular, o utilizou da forma convencional já que encostou o objeto na orelha e disse: alô, repetindo na brincadeira o que ela observa no seu cotidiano. Posteriormente, Carla utilizou a fala espontânea para atribuir um papel na brincadeira, afirmando que a outra criança seria a mãe: você pegou meu celular, mamãe.

Observação 3 das crianças de três anos - (sala do maternal II, instituição III, a criança foco da observação é Thais)

Thais: sentada em uma cadeira e segurando uma boneca, retira a tiara da boneca e olha para a monitora 4 que estava no canto da sala organizando uns brinquedos. Thais: estende a tiara em direção à monitora e diz: tia, tirei. Monitora 4: olha para ela, sorri e volta a organizar os brinquedos. Thais: deita a boneca em cima da mesa e começa a tirar a roupa dela. Monitora 4: olha para ela e diz: eita, ela vai trocar de roupa com aquela outra é?, enquanto aponta para uma boneca que está ao lado da que Thais segura. Thais: olha para a monitora 4 e diz: não, ela vai tomar banho. Monitora 4: olha para Thais e diz: ah, então leve ela pra tomar banho. Thais: ainda olhando para ela, balança a cabeça em sinal afirmativo.

No episódio descrito acima, Thais conversa com a monitora 4 acerca de uma boneca. As categorias observadas foram: fala espontânea tia tirei, resposta verbal adequada não, ela vai tomar banho, e resposta não-verbal adequada balança a cabeça em sinal afirmativo. Além disso, ela compreendeu a intenção comunicativa da monitora e respondeu verbalmente à pergunta realizada por ela.

Nos episódios das observações do grupo de crianças de três anos descritos acima, pode-se observar a situação de brincadeira livre, os aspectos do ambiente e as interações desenvolvidas favorecendo a comunicação entre as crianças. A linguagem verbal foi utilizada para: atribuir significado a um objeto, interagir com o outro em uma brincadeira, atribuir um papel ao outro na brincadeira e relatar uma ação realizada na brincadeira.

Ressalta-se que o ambiente no qual ocorre a interação influencia a natureza da conversação produzida. O contexto de interação entre pares, como creches e pré-escolas, é significativo para a aquisição da linguagem. Nos episódios de brincadeira descritos acima, observa-se de forma constante a interação com o outro e o uso da linguagem verbal no sentido de interagir com esse outro. Para Bulotsky-Shearer, Bell, Romero e Carter (2012), a interação social de qualidade, estabelecida entre crianças e seus pares ou educadores, cria mecanismos de suporte para o desenvolvimento de competências pré-escolares.

Um estudo desenvolvido por Huttenlocher, Vasilyeva, Cymerman e Levine (2001) acerca das variações dos níveis de habilidade sintática das crianças em pré-escolas, encontrou que o aumento da compreensão sintática das crianças está relacionado com a proporção de frases complexas utilizadas pelos professores em creches, o que implica no crescimento da compreensão sintática das crianças durante o ano letivo. Observa-se assim, a importância do discurso do educador, que é um fator crítico para o desenvolvimento da compreensão linguística de seus alunos. Acerca dos tipos de participação do educador nas situações de interação com a criança, a fala das educadoras em cada grupo de idade foi agrupada em categorias de estilos comunicativos expostos na tabela 1.

Tabela 1
Estilos linguísticos observados nas falas das docentes e monitoras, por grupo de idade

Estilos linguísticos observados
nas falas das docentes e monitoras, por grupo de idade


Observando a tabela 1, verifica-se que as categorias observadas nas interações das educadoras (professoras e monitoras) com o grupo de crianças de um ano foram: diretivos de atenção (22%), diretivos de controle (9%) e diretivos de instrução (35%), feedbacks de aprovação (11%), feedbacks de desaprovação (13%), assertivos (2%), solicitação (4%) e a categoria cantar (4%).

No grupo das crianças de dois anos de idade, os estilos comunicativos mais observados foram: assertivos (22%) e solicitação (25%), o que aumentou comparado ao grupo anterior; outra diferença é que nesse grupo apareceu o estilo comunicativo de reformulação (15%), que não havia aparecido nas observações do primeiro ano de vida. Nas observações das crianças de três anos, as educadoras praticamente não interagiram com as crianças, e os estilos comunicativos mais observados, quando houve a fala, foram os diretivos de atenção (25%) e de os diretivos de instrução (25%).

De acordo com Huttenlocher et al., (2007), o cuidador ajusta seu discurso à fala das crianças, e este varia em função da idade das crianças, o que justifica o fato das educadoras do grupo de crianças do primeiro ano de vida utilizarem mais diretivos nas interações do que as educadoras dos outros grupos, já que as crianças no primeiro ano de vida apresentam pouca linguagem verbal.

No presente estudo, os estilos comunicativos mais observados nas falas das educadoras foram os diretivos de atenção e instrução. Segundo Hoff (2006), os diretivos tendem a não ocorrer em episódios de atenção conjunta, mas apenas controlar o comportamento da criança. Como o número de diretivos presentes na fala das educadoras foi elevado e a frequência dos outros estilos comunicativos foi reduzida, percebe-se que as educadoras praticamente não se engajaram em interações com as crianças por meio do brincar, mas utilizaram diretivos no sentido de dirigir seu comportamento. Ainda para este autor, as interações comunicativas dependem de um engajamento mútuo e buscar esse engajamento envolve a responsividade para com as vocalizações das crianças. Além disso, crianças cujo ambiente social promove mais oportunidades comunicativas têm um maior vocabulário que crianças que têm menos oportunidades comunicativas.

Nesse sentido, as experiências comunicativas repercutem no desenvolvimento da linguagem. Para Borges e Salomão (2003), o maior acesso a diferentes estilos linguísticos resulta num desenvolvimento mais rápido da linguagem. Daí a importância de as educadoras utilizarem mediações linguísticas nas interações com as crianças e não apenas instruções na tentativa de controlar seu comportamento, como foi observado nos episódios. Assim, o uso de um maior vocabulário nas interações com as crianças, a responsividade e sensibilidade do educador para com o comportamento infantil, além da utilização de variados estilos linguísticos se configuram como ferramentas potencializadoras do desenvolvimento do vocabulário infantil que devem estar presentes nas interações entre o educador e as crianças no contexto educativo.

De acordo com Vectore (2011), é importante possibilitar situações agradáveis e desafiadoras entre as crianças e o adulto/mediador, assim como, ressignificar continuamente as concepções e práticas desse adulto para que ele possa ser um agente estimulador do desenvolvimento infantil. O conhecimento de ações efetivamente mediadoras por parte dos educadores pode criar novos cenários educativos que possibilitem interações intencionalmente pedagógicas e promotoras de aprendizado.

Conclusão

O objetivo do estudo foi observar de que forma se apresenta a linguagem de crianças de um a três anos de vida em contexto de creche e caracterizar os estilos linguísticos de educadores na interação com as crianças. Os resultados permitiram observar que o número de palavras e frases aumentou proporcionalmente ao avanço da idade, principalmente entre os grupos do primeiro e do segundo ano de vida. Além do número de palavras e frases ter variado entre os grupos, essa diferença também pôde ser observada qualitativamente, pois o grupo de crianças de três anos apresentou frases maiores com artigos, verbos, pronomes e preposições. Esses resultados são corroborados pela literatura, tendo em vista que o período pré-escolar é caracterizado pelo rápido aumento do vocabulário infantil (Reyes & Pérez, 2014).

Ainda no que se refere à linguagem das crianças em idade pré-escolar, percebeu-se que a categoria linguagem não-verbal predominou nas observações das crianças de um ano, ou seja, a comunicação se deu basicamente por meio do gesto e do olhar. Enquanto isso, nos grupos de dois e três anos a linguagem verbal apareceu com maior frequência, predominando em ambos os grupos a categoria fala espontânea. Ressalta-se no presente estudo que o contexto de interação entre pares, como creches e pré-escolas, é significativo para aquisição da linguagem. Desse modo, as interações estabelecidas com as crianças nesse período inicial são fundamentais para o seu desenvolvimento linguístico por serem proporcionadoras de desenvolvimento (Rescorla, 1989).

Com relação às educadoras, sua presença quase não foi observada nas interações, principalmente nas observações das crianças de dois e três anos, e os principais estilos comunicativos utilizados foram os diretivos de atenção e instrução. Nesse sentido, percebeu-se que não houve engajamento em interações com as crianças pelas educadoras por meio do brincar, mas que estas utilizaram diretivos para dirigir o comportamento das crianças. Sendo o educador dotado de um importante papel enquanto agente mediador do desenvolvimento da linguagem, o estudo trouxe indícios de que, pelo menos no ambiente de educação infantil estudado, as educadoras poderiam intervir de forma mais efetiva ao criar situações de aprendizado que repercutissem favoravelmente no desenvolvimento global infantil, tendo em vista que o maior acesso a diferentes estilos linguísticos favorece o desenvolvimento da linguagem (Borges & Salomão, 2003). Acerca dessa questão, Vectore, Alvarenga e Júnior (2006) afirmam que quando o educador compreende que uma mediação adequada pode otimizar o desenvolvimento e a aprendizagem infantil, ele percebe a importância de conhecer efetivamente como ocorrem esses processos e de como ele pode intervir para promover uma educação de qualidade.

Em virtude do reconhecimento de que a ausência de contextos de mediação e o desconhecimento dos educadores de como ser um mediador efetivo desconfigura os espaços de educação infantil de sua função socializadora e potencializadora do desenvolvimento, destaca-se a importância desse estudo para o trabalho do psicólogo inserido nos contextos educativos. Nesse contexto, este profissional pode auxiliar o professor no sentido de fomentar discussões e atividades nas quais ele possa exercer sua função efetivamente mediadora junto às crianças em situações pedagógicas, identificando junto ao educador episódios onde seria mais efetiva sua mediação e propondo atividades e situações potencializadoras para o desenvolvimento infantil.

Menciona-se a importância da videografia como estratégia metodológica e uma das ferramentas que auxilia o(a) psicólogo(a) na compreensão das interações estabelecidas entre crianças e docentes, com vistas a identificar padrões interativos que favoreçam o aprendizado ou ainda aqueles que podem ser alterados na perspectiva de contribuir para que as crianças possam de fato se apropriar dos conhecimentos socioculturalmente construídos.

Assim, sugerem-se futuros estudos com um número maior de observações das interações em instituições de educação infantil que possam não apenas identificar os tipos de interação educador( a)-criança, mas que desenvolvam estratégias interventivas que englobem a realização de reuniões pedagógicas, oficinas e workshops pelo psicólogo escolar e educacional, que potencializem os êxitos e redimensionem práticas junto aos educadores(as) para que estes(as) possam atuar como um mediador efetivo nos contextos de educação infantil.

Referências

Akhtar, N., Dunham, F., & Dunham, P. J. (1991). Directive interactions and early vocabulary development: The role of joint attentional focus. Journal of Child Language, 18(1), 41-49.

Baquero, R. (2009). Desarrollo psicológico y escolarización en los enfoques socioculturales: nuevos sentidos de un viejo problema. Avances en Psicología Latinoamericana, 27(2), 263-280.

Bates, E., Camaioni, L., & Volterra, V. (1975). The acquisition of performatives prior to speech. Merrill-Palmer Quarterly of Behavior and Development, 21(3), 205-226.

Borges, L. C. & Salomão, N. M. R. S. (2003). Aquisição da linguagem: Considerações da perspectiva da interação social. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(2), 327-336.

Braz Aquino, F. de S. B. & Salomão, N. M. R. (2005). Estilos diretivos maternos apresentados a meninos e meninas. Estudos de Psicologia, 10(2), 223-230.

Braz Aquino, F. de S. B. & Salomão, N. M. R. (2011). Intencionalidade comunicativa e atenção conjunta: uma análise em contextos interativos mãe-bebê. Rev. Psicologia: reflexão e crítica, 107-115.

Bulotsky-Shearer, R. J., Bell, E. R., Romero, S. L., & Carter, T. M. (2012). Preschool interactive peer play mediates problem behavior and learning for low-income children. Journal of Applied Developmental Psychology, 33, 53-65.

Camaioni, L. (1997). The emergence of intentional communication in ontogeny, phylogeny, and pathology. European Psychologist, 2(3), 216-225.

Ely, R. & Gleason, J. B. (1995). Socialization across contexts. The handbook of child language, 251-270.

Freitas, M. T. A. (2002). A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa. Cadernos de Pesquisa, 116, 21-39.

Girolametto, L., Weitzman, E., Lieshout, R., & Duff, D. (2000). Directiveness in teachers’ language input to toddlers and preschoolers in day care. Journal of Speech, Language, and Hearing Research, 43, 1 101-1 114.

Guidetti, M. & Nicoladis, E. (2008). Introduction to special issue: Gestures and communicative development. First Language, 28(2), 107-115.

Hoff, E. (2006). How social contexts support and shape language development. Developmental Review, 26(1), 55-88.

Huttenlocher, J., Vasilyeva, M., Cymerman, E., & Levine, S. (2001). Language input and child syntax. Cognitive Psychology, 45(3), 337-374.

Huttenlocher, J., Vasilyeva, M., Waterfall, H. R., Vevea, J. L., & Hedges, L. V. (2007). The varieties of speech to young children. Developmental Psychology, 43(5).

Klein, P. S. (1996). Early intervention: Cross-cultural experiences with a mendiational approach. New York: Garland Publishers.

Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, educar e prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.

Nunes, C. & Folque, M. A. (2012). Perguntar para quê? As perguntas dos educadores e o pensamento autónomo das crianças. CIEP-Actas/Proceedings. Recuperado de http://hdl.handle.net/10174/7525

Papoušek, M. (2007). Communication in early infancy: An arena of intersubjective learning. Infant Behavior and Development, 30(2), 258-266.

Pedrosa, M. I. & Carvalho, A. M. A. (2005). Análise qualitativa de episódios de interação: uma reflexão sobre procedimentos e formas de uso. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(3), 431-442.

Ramos, D. D. & Salomão, N. M. R. (2012). Interação educadora-criança em creches públicas: estilos linguísticos. Psicol. estud., 17(1).

Rescorla, L. (1989). The language development survey a screening tool for delayed language in toddlers. Journal of Speech and Hearing Disorders, 54(4), 587-599.

Reyes, E. G. & Pérez, L. V. (2014). Habilidades lingüísticas orales y escritas para la lectura y escritura en niños preescolares. Avances en Psicología Latinoamericana, 32(1), 21-35.

Rowe, M. L. (2008). Child-directed speech: relation to socioeconomic status, knowledge of child development and child vocabulary skill. Journal of child language, 35(1), 185-205.

Rowe, M. L., Ozçalişkan, Ş., & Goldin-Meadow, S. (2008). Learning words by hand: Gesture’s role in predicting vocabulary development. First language, 28(2), 182-199.

Salomão, N. M. R. (2012). A fala dirigida à criança e o desenvolvimento da linguagem infantil. Em C. A. Piccinini & P. Alvarenga (Orgs.), Maternidade e paternidade: A parentalidade em diferentes contextos. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Salomão, N. M. R. & Conti-Ramsden, G. (1994). Maternal speech to their offspring: SLI children and their younger siblings. Scandinavian Journal of Logopedics and Phonology, 19, 11-17.

Silva, A. A. (2011). De zero a três anos: os desafios da creche. Retratos da Escola, 5(9).

Sokolov, J. L. & Snow, C. E. (1994). The changing role of negative evidence in theories of language development. Em C. Gallaway & B. J. Richards, Input and interaction in language acquisition (pp. 38-55). London: Cambridge University Press.

Tomasello, M. & Farrar, M. J. (1986). Joint attention and early language. Child Development, 57, 1 454-1 463.

Tuleski, S. C., Chaves, M., & Barroco, S. M. S. (2012). Aquisição da linguagem escrita e intervenções pedagógicas: uma abordagem histórico-cultural. Fractal: Revista de Psicologia, 24(1), 27-44.

Vasconcelos, C. R. F., Amorim, K. S., Anjos, A. M., & Rossetti-Ferreira, M. C. (2003). A incompletude como virtude: interação de bebês na creche. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(2), 293-301.

Vectore, C. (2011). Estratégias mediacionais: possibilidades de inserção do psicólogo escolar/educacional em abrigos. Em A. M. Martinez (Org.), Psicologia escolar e compromisso social. Campinas, SP: Alínea.

Vectore, C., Alvarenga, V. C., & Júnior, S. G. (2006). Construção e validação de uma escala de comportamentos mediacionais de educadores infantis. Psicologia Escolar e Educacional, 10(1), 53-68.

Vygotsky, L. S. (1996). Obras escogidas (Vol. 4). Madrid: Visor.

Vygotsky, L. S. (2000). A formação social da mente (6ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.

Autor notes

* A correspondência relacionada com este artigo deve ser direcionada a Keilla Rebeka Simões de Oliveira, Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, Cidade Universitária - João Pessoa - PB – Brasil CEP: 58051-900. Correio eletrônico: keilla.rso@gmail.com

keilla.rso@gmail.com

Informação adicional

Cómo citar este artículo: Oliveira, K. R. S. de, Braz-Aquino, F. de S., & Salomão, N. M. R. (2016). Desenvolvimento da linguagem na primeira infância e estilos linguísticos dos educadores. Avances en Psicología Latinoamericana, 34(3), 457-472. doi: http://doi.org/10.12804/apl34.3.2016.02