Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones"
eISSN:1856-9536

COMUNICAÇÃO INCLUSIVA: DESENVOLVENDO ACESSIBILIDADE NA ROTINA DE PRODUÇÃO DE UMA REVISTA DE LABORATÓRIO

Comunicación inclusiva: desarrollo de la accesibilidad en el ciclo de producción de una revista de laboratorio

Inclusive Communication: Developing Accessibility in the Production Routine of a Laboratory Magazine

Viviane Borelli, Luan Moraes Romero, Pablo Furlanetto, Rafael Bald

COMUNICAÇÃO INCLUSIVA: DESENVOLVENDO ACESSIBILIDADE NA ROTINA DE PRODUÇÃO DE UMA REVISTA DE LABORATÓRIO

Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones", vol. 15, núm. 1, 2022

Universidad del Rosario

Viviane Borelli

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil


Luan Moraes Romero

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil


Pablo Furlanetto

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil


Rafael Bald

niversidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil


Recepção: 15 Janeiro 2021

Aprovação: 14 Abril 2021

Publicação: 06 Agosto 2021

Informação adicional

Para citar este artigo:: Borelli, V., Romero, L. M., Furlanetto, P., & Bald, R. M. (2021). Comunicação inclusiva: desenvolvendo acessibilidade na rotina de produção de uma revista de laboratório. Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social “Disertaciones”, 15(1), 1-13. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.10125

Resumo: O presente artigo tem como objetivo problematizar a acessibilidade dentro da rotina de produção jornalística em revista laboratorial. Para isso, contextualizamos nossa reflexão em torno da abordagem jurídica sobre acessibilidade (Brasil, 2009), o conceito de inclusão (Sassaki, 2009) e de audiodescrição (Motta & Romeu, 2010), além do cenário de falta de produtos midiáticos acessíveis indicado por Bonito (2012). Metodologicamente, partimos da observação (Gil, 2008) dos modos como pessoas com deficiência visual acessam conteúdo jornalístico, para, num segundo momento através de pesquisa experimental (Michel, 2005), conceber a elaboração do formato acessível da revista laboratorial .TXT por meio da audiodescrição de imagens. A acessibilidade comunicacional ainda é um desafio a ser encarado tanto pelo mercado quanto pela academia, que devem buscar alternativas para desenvolver produtos acessíveis às pessoas com deficiência.

Palavras-chave: jornalismo, acessibilidade, inclusão, revista laboratorial, audiodescrição.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo problematizar la accesibilidad dentro de la rutina de la producción periodística en una revista de laboratorio. Para ello, contextualizamos nuestra reflexión en torno al enfoque legal sobre accesibilidad (Brasil, 2009), el concepto de inclusión (Sassaki, 2009) y la audiodescripción (Motta & Romeu, 2010), además del escenario de carencia de productos mediáticos accesibles indicado por Bonito (2012). Metodológicamente, comenzamos por observar (Gil, 2008) las formas en que las personas con discapacidad visual acceden a los contenidos periodísticos, para, en un segundo momento, a través de la investigación experimental (Michel, 2005), concebir la elaboración del formato accesible de la revista de laboratorio .TXT a través de la audiodescripción de imágenes. La accesibilidad comunicacional sigue siendo un desafío al que se enfrentan tanto el mercado como la academia, que debe buscar alternativas para desarrollar productos accesibles a personas con discapacidad.

Palabras clave: periodismo, accesibilidad, inclusión, revisión de laboratorio, descripción de audio.

Abstract: This article aims to problematize accessibility within the routine of journalistic production in a laboratory magazine. For this, we contextualize our reflection around the legal approach on accessibility (Brazil, 2009), the concept of inclusion (Sassaki, 2009) and audio description (Motta & Romeu, 2010), in addition to the scenario of lack of accessi ble media products indicated by Bonito (2012). Methodologically, we started from the observation (Gil, 2008) of the ways in which people with visual impairments access journalistic content, in order to, in a second moment, through experimental research (Michel, 2005), to conceive the accessible format of the .TXT laboratory magazine through the audio description of images. Communicational accessibility is still a challenge to be faced by both the market and academia, which must find alternatives to develop products accessible to people with disabled.

Keywords: Journalism, inclusion, laboratory magazine, audio description.

Introdução

Este artigo1 resulta de reflexões realizadas no âmbito do grupo de pesquisa “Circulação Midiática e Estratégias Comunicacionais” (CImID) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSm) no que tange à inclusão de pessoas com deficiência visual2 diante do cenário de falta de acessibilidade a produções midiáticas. De acordo com o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, a cidade de Santa Maria, localizada no centro do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, possui 317 pessoas totalmente cegas; 30.693 possuem alguma dificuldade e 6.854 possuem grande dificuldade visual. Nesse sentido, o desenvolvimento desses projetos de pesquisa “A circulação discursiva no contexto de midiatização da sociedade” e o projeto de ensino “Desenvolvimento de revistas digitais acessíveis no curso de Jornalismo” busca refletir sobre a produção de um produto jornalístico digital acessível para pessoas com deficiência visual.

Para o desenvolvimento do projeto, realizamos pesquisa bibliográfica acerca da acessibilidade, inclusão e da audiodescrição. A principal técnica de pesquisa é a observação (Gil, 2008), visto que o projeto foi desenvolvido a partir da constatação de que no curso de Jornalismo não havia iniciativas para transformar seus produtos jorna lísticos em materiais acessíveis. Após esta etapa, começamos a observar como as pessoas com deficiência visual consumiam informações.

A pesquisa se caracteriza como experimental, que “se faz através do teste prático de possíveis ideias ou posições teóricas” (Michel, 2005, p. 35). Para a autora, na área de Ciências Sociais, a pesquisa experimental pode ser aplicada a “situações nas quais são simuladas condições de laboratório: provocando conflitos, simulando ambientes específicos, reproduzindo problemas para se verificar, na prática, como se comportam as variáveis discutidas na teoria” (Michel, 2005, p. 35). Nesse sentido, o projeto teve um tensionamento constante entre as práticas jornalísticas e a inclusão social.

A seguir, discutimos conceitos centrais para o desenvolvimento da pesquisa, como o de acessibilidade, inclusão e audiodescrição. Posteriormente, explicamos as etapas realizadas, bem como barreiras e limitações técnicas encontradas, para a efetivação da proposta de tornar acessível a versão digital da revista .TXT3 para pessoas com deficiência visual.

Inclusão-Acessibilidade e Audiodescrição

Quando se fala em direitos da pessoa com deficiência, é preciso destacar a importância da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007) e seu protocolo facultativo, acordo ao qual o Brasil é signatário, incorporado em seu bojo legislativo desde 2015, através da lei nº 13.146 —conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência—. Se considerarmos que inclusão “é o processo pelo qual os sistemas sociais comuns são tornados adequados para toda a diversidade humana [...] com a participação das próprias pessoas na formulação e execução dessas adequações” (Sassaki, 2009, p. 10), a importância da Convenção é permeada, entre outros fatos, pela participação das pessoas com deficiência na elaboração do texto final.

O texto da lei traz diversas conceituações, entre elas a concepção sobre comunicação:

V – comunicação: forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações. (Brasil, 2015)

Além disso, a lei prevê acessibilidade enquanto “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de [...] informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural [...]” (Brasil, 2015). Dentre as discussões presentes no Estatuto, pontuamos o disposto no artigo 21, em que se salienta a “liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e ideias, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e por intermédio de todas as formas de comunicação de sua escolha” (Brasil, 2009, p. 26) enquanto uma garantia para plena participacão cidadã de pessoas com deficiência.

Se retomarmos a perspectiva de Sassaki (2009), a comunicação encarada de maneira abrangente, as garantias de possibilidade de acesso provido por entidades públicas e privadas que oferecem serviços abertos ao público, reforçada também no artigo 9 do Estatuto, são marcos da luta pela inclusão, ampliando o escopo dos direitos assegurados aos quais o Estado precisa prover aos seus cidadãos.

Dessa maneira, é dever do Estado, assim como de todos os cidadãos, buscar formas de garantir o cumprimento de tais perspectivas. Quando nos debruçamos sobre a realidade, ainda mais quando nos aproximamos das garantias que envolvem a mídia, é possível encontrar diversas reportagens que tratam sobre as questões de inclusão de pessoas com deficiência, indo de encontro com o que Souza (2001) define como a função do Jornalismo de manter um olhar vigilante sobre os sistemas de poder nos estados democráticos de direito.

Contudo, como constata Bonito (2012) o sistema produtivo jornalístico mantém ainda uma maneira analógica-linear de pensar, trazendo acessibilidade (quando traz) às suas produções, por uma adaptação feita ao fim do processo de produção, quando para o autor, a acessibilidade deveria estar presente desde sua concepção. Além disso, Bonito (2012) fala sobre a falta de legenda ou de audiodescrição nas fotografias, assim como a falta de conexão de seus informantes com jornais e revistas pela falta de acessibilidade, mesmo em tempos de acesso a internet.

A discussão apresentada por Bonito (2012) levanta aspectos que ainda necessitam do desenvolvimento de pesquisas, como o mapeamento aprofundado sobre como tem se dado a incorporação nas práticas pedagógicas de lógicas inclusivas a serem aprendidas por estudantes de Jornalismo. Até o momento, no âmbito universitário não temos informação concreta da inserção de alguma prática sistemática que leve em consideração a capacitação de estudantes de Jornalismo para atuar em uma lógica de inclusão. Além disso, é importante considerar que no âmbito profissional, um jornalista não tem a obrigação de ser diplomado em nível superior para exercer a profissão no Brasil.

Dessa forma, nossa proposta parte da constatação dessa lacuna, pois é preciso inserir como estratégia pedagógica um primeiro contato com a discussão sobre as tecnologias assistivas, em especial sobre a audiodescrição, como uma forma de tornar os produtos midiáticos acessíveis, proporcionando autonomia às pessoas com deficiência. Além disso, pode ser compreendida como um formato alternativo de comunicação. No entanto, ainda é uma ferramenta pouco utilizada pelo jornalismo, que cada vez mais investe em imagens, deixando à margem uma população importante que não tem acesso a esse tipo de informação.

Para Eco (1991), o potencial comunicacional não é baseado em estruturas imutáveis, mas em formas cada vez mais abrangentes e operativas às modalidades “pelas quais os homens se comunicam no curso da história e através de modelos sócio-culturais [sic] diferentes” (p. 16). O pensador italiano defende uma semiótica da recepção, pois compreende que os objetos linguísticos não estão presos a uma estrutura imanentista.

Nesse contexto, a linguagem não é imutável e os códigos linguísticos não possuem uma interpretação apenas. Como lembra Eco (1991), as culturas admitem, “diante do universo das formas perceptíveis e das operações interpretativas, a complementaridade de inspeções e soluções diferentes” (p. 147). É nessa conexão entre cultura, história e jornalismo que pensamos em textos acessíveis como uma intersemiose, para além da linguagem verbal e não-verbal.

Nesse contexto, concordamos com Motta e Romeu (2010), que problematizam a audiodescrição como “uma atividade de mediação linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma o visual em verbal, abrindo possibilidades maiores de acesso à cultura e à informação, contribuindo para a inclusão cultural, social e escolar” (p. 11). É preciso ressaltar que a audiodescrição amplia o entendimento não só de pessoas com deficiência visual, mas também de idosos, disléxicos e daqueles que possuem alguma deficiência intelectual.

No contexto brasileiro, audiodescrição tem sido regulamentada para o meio televisivo. Em meio a avanços e retrocessos, como pontua Bonito (2012), pouco se fez ainda para avançar em regulamentações relacionadas à mídia comunicacional em outros meios. Assim, apresentamos o caminho percorrido para a construção da edição acessível da revista laboratorial .TXT.

Atitudes geram inclusão: experimentação em jornalismo

A revista .TXT é um projeto desenvolvido na Disciplina de Jornalismo Impresso II com alunos do terceiro semestre, tendo, entre outros objetivos, inserir o aluno dentro de uma rotina de produção jornalística de uma revista impressa, visto que realizam todas as etapas – da pauta à diagramação. Além disso, ao longo do semestre são estudados os tipos de reportagens e formatos jornalísticos, tanto de revista impressa, como também para digital, já que é preciso dar conta desse ambiente desde o início da graduação. Os alunos são instruídos a formar duplas e ao longo do semestre devem produzir reportagens sobre o cotidiano da Universidade. O projeto editorial da revista é voltado a pautas que dizem respeito aos docentes, discentes e TAEs (Técnicos Administrativos em Educação) e assuntos relacionados ao dia a dia da Universidade.

Os acadêmicos que fazem a revista .TXT sugerem pautas, apuram, redigem e também atuam como editores, revisores, diagramadores, fotógrafos e social media. Todos participam da produção da revista que, ao final da disciplina, é impressa na Imprensa Universitária daUFSm com tiragem de 700 exemplares. Além da revista impressa, há o site4 onde são publicadas as reportagens de cada edição, bem como a versão em PDF.

Contudo, desde a 22.ª edição da .TXT, em 2017, uma nova rotina de produção foi realizada com a finalidade de abranger o público da comunidade acadêmica de uma maneira inclusiva. Como problematiza (Borelli, 2012), o processo de midiatização da sociedade desafia a prática jornalística tanto profissional quanto laboratorial no intuito de compreender as complexas relações entre as mídias e seus distintos públicos. Nesse contexto, a revista experimental tem realizado distintas mudanças em seus processos produtivos e nos produtos, visando o diálogo com as transformações sociais e a reflexão por parte dos acadêmicos em formação.

A proposta da disciplina está em alinhamento com o Plano de Desenvolvimento Institucional (2016) da universidade, pois, dentre os objetivos desse plano, ressaltam-se sob aspectos de interesse do presente projeto, como a promoção e a ampliação de ações de inclusão, de acesso, de acessibilidade e de inserção social. Ou seja, o PDI visa assegurar o direito à plena participação da comunidade acadêmica em ambientes, atividades, serviços e recursos disponibilizados pela instituição de ensino. Além disso, insere-se numa das estratégias pedagógicas destacadas no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Jornalismo e que trata da acessibilidade, como questão de debate permanente no Núcleo Docente Estruturante (NDE) e o Colegiado de curso. Como destaca o PPC do curso, a inserção do debate acerca da acessibilidade tem como objetivo aprimorar processos pedagógicos que permitam a ampliação das políticas de inclusão.

Para contemplar essa política, as instituições devem desenvolver ações complexas e que demandam um esforço coletivo de diversos agentes: 5 professores, alunos, técnicos-administrativos em Educação (TAEs), gestão de ensino, cursos e núcleos, como o de acessibilidade. Este é um processo contínuo que implica em adotar uma nova perspectiva, acessível e inclusiva, em práticas desenvolvidas usualmente na universidade, tais como a elaboração e divulgação de informações.

A proposta de tornar acessível o conteúdo da revista .TXT surgiu mediante contato da professora responsável pela disciplina com o técnico do Núcleo de Acessibilidade da UFSm e membro da Comissão de Audiodescrição, Cristian Evandro Sehnem. Ele tem deficiência visual desde os 20 anos e promove a inclusão no âmbito da Universidade e do município de Santa Maria. A partir desse encontro, foi elaborado um projeto de ensino. Desde março de 2017, todas as turmas do curso são desafiadas a pensarem na revista do ponto de vista da acessibilidade comunicacional.

Ao longo das primeiras semanas do semestre, o editor de imagem Rafael Marcelino Bald começou a pesquisar algumas técnicas para a criação de um PDF, traduzido do inglês “Documento de formato portátil”, acessível, uma vez que esse formato conserva as características que foram usadas para criá-lo. A ideia inicial era gravar o áudio das descrições das fotos em estúdio, armazenar em algum repositório de áudio e usar um link para que o público cego pudesse ouvir ao passar com o cursor na imagem.

Porém, depois de debates com integrantes da Comissão da Acessibilidade, verificamos que para fazer audiodescrição não era necessário a gravação das mesmas, já que algumas pessoas com deficiência visual utilizam o computador com o auxílio de tecnologias assistivas. De acordo com Bersh (2009), a Tecnologia Assistiva é todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e promover independência e inclusão. Entre essas tecnologias estão o leitor de tela e o display em braille.

Descobrimos que existem tipos variados de leitores de tela, alguns pagos e outros gratuitos. Uma das premissas que utilizamos durante o processo é o conceito da inclusão, como paradigma social (Sassaki, 2009), assim visando a vantagem de atingir o maior número de leitores optamos pela utilização do Non Visual Desktop Access (NVDA) ou “Acesso ao Desktop para não videntes”. O NVDA, um software livre e gratuito desenvolvido por Michael Curran e James Teh, ambos com deficiência visual, é uma tecnologia assistiva que permite as pessoas com deficiência visual acessarem todas as funções do computador através de comandos no teclado. Ao clicar nas teclas de atalho, o usuário ouve uma voz artificial e robotizada que lê as informações em texto do arquivo.

Por isso, depois de aprofundar o conhecimento sobre o que era a audiodescrição, conversamos com os membros da Comissão de Acessibilidade para entender algumas especificidades do consumo midiático de leitores com deficiência visual, já que:

A experiência da cegueira é única para cada indivíduo. Assim, aqueles clichês que se desenvolveram ao longo da cultura, de que pessoas cegas normalmente preferem o rádio à televisão, ou que geralmente os cegos têm tendência para a música, nem sempre encontram expressão de verdade na realidade. Os modelos de consumo da cultura por pessoas cegas, suas preferências, seus gostos, são tão variados quanto à experiência de cada um com respeito à sua cegueira. (Berlamino, 2010, p. 199)

A partir dessas conversas percebemos como poderíamos melhorar a acessibilidade do conteúdo da revista .TXT para pessoas com deficiência visual. Além disso, percebemos por meio de procura de outros produtos acessíveis que não há material parecido com o que estamos desenvolvendo.

Após um mês de testes, constatou-se a existência da “função Alt (Alternative Text)” no Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico (emAG). O texto alternativo é uma ferramenta que possibilita a inserção de elementos textuais não visíveis em arquivos que possam ser identificados por leitores de tela. Adicionar o texto alternativo em imagens é um dos primeiros princípios para atingir a acessibilidade. A partir disso, a diagramação —que é feita no software Adobe InDesign®— foi pensada com a utilização da “função Alt” para que não fosse comprometida a identidade visual da revista.

Apresentação da função “Alt” no InDesign
Figura 1.
Apresentação da função “Alt” no InDesign


Depois de aplicarmos a “função Alt”, constatamos que oNVDA pronunciava a palavra “gráfico” antes dos textos com a descrição das imagens. Isso prejudicava a identidade sonora que tínhamos elaborado para a revista, pois comprometeria a utilização dos “selos de identificação” que antecedem as imagens e diferenciam as informações que serão descritas. Então, após conversas em fórum virtual do NVDA, o técnico Rafael encontrou um plugin, ou módulo de extensão, chamado Audio Themes 5.1, que permite ao usuário realizar algumas alterações dentro do programa em funções específicas. O plugin suprime a leitura da palavra “gráfico”, o que teve grande utilidade para nosso projeto já que a repetição do som “gráfico” prejudicaria o fluxo de leitura e os selos de identificação sonora criados.

A “função Alt” não tem como finalidade principal ser uma ferramenta de audiodescrição. Ela é uma forma que encontramos de inserir textos no código XmL(eXtensible Markup Language) no arquivo em PDF interativo da revista sem prejudicar o design. O programa Adobe InDesign® formula automaticamente uma estrutura em código que reconhece todas as figuras ou textos que existem nas páginas e é possível alterar a ordem de aparecimento das figuras ou textos do código. Com isso, temos liberdade para hierarquizar a ordem em que o leitor de tela irá ler. Porém, só é possível inserir textos alternativos em imagens, o que nos fez optar pela utilização de uma imagem transparente ao lado daquilo que for preciso audiodescrever.

Apresentação do Selo de Identificação Sonora
Figura 2
Apresentação do Selo de Identificação Sonora


Ao finalizar todas as audiodescrições, exportamos o arquivo como PDF Interativo com a função “create tagged PDF” sinalizada. Se essa configuração não for realizada, o InDesign não irá exportar o código XmL conforme a disposição das audiodescrições que o diagramador estabeleceu.

Como exportar o .PDF acessível
Figura 3
Como exportar o .PDF acessível


A concepção do texto acessível foi elaborada para que os leitores com deficiência visual pudessem construir mentalmente o design gráfico da revista. Assim, para melhor situar o leitor, criamos uma identidade sonora, por meio dos “selos de identificação”. Concebemos 11 selos para indicar os elementos gráficos da página: editoria, título, organização da página, créditos, subtítulo, olho, box, imagem, página (numeração), início da reportagem e fim da reportagem. Todavia, é importante destacar que eles não são únicos e nem fixos. Assim como a diagramação de uma reportagem para outra é diferente, a audiodescrição também segue essa diferenciação.

Portanto, para fazer as audiodescrições das reportagens, analisamos caso a caso em conjunto com os consultores da Comissão de Acessibilidade a fim de melhorar a compreensão do design da revista. Outra preocupação que tivemos foi com o ritmo da leitura e também como hierarquizar as informações dentro da página. Por exemplo, se a diagramação possuir uma imagem no meio do texto analisamos o contexto geral daquela imagem e de que forma ela está conectada com o texto. Caso esteja diretamente ligada a determinado parágrafo e contribua para o entendimento, inserimos sua audiodescrição logo após o fim do parágrafo. Caso contrário, a audiodescrição fica para o final da página que a imagem aparece.

Os selos de Início e Fim da reportagem e da página foram uma necessidade indicada pelas pessoas com deficiência visual que integram a Comissão de Audiodescrição. Da mesma forma, o selo de identificação de subtítulos são importantes para localizar o leitor no texto. Uma das reclamações das pessoas com deficiência visual, as quais tivemos contato, é não saber quando um texto termina e o outro começa, já que não há sinalização nenhuma quanto a isso. Por isso, o contato direto com os potenciais leitores e com as pessoas que utilizam os leitores de tela nos proporcionou condições de produzir uma revista acessível que facilite a compreensão e a localização mental dos elementos que compõem um texto.

O acesso à informação é, antes de ser uma moeda de troca, um direito de todos. E a acessibilidade, seja no acesso à informação ou em seus diversos níveis, deve ser tratada como política pública. Cabe às instituições não somente conceber normas, mas promover adequações práticas para oferecer condições mínimas para que os cidadãos possam desenvolver suas atividades diárias. Por isso, para produzir esse projeto experimental de revista acessível foi necessário fechar os olhos, não para um público com deficiência visual, mas para poder enxergar uma infinidade de possibilidades que o jornalismo não abrange atualmente.

Considerações finais

A perspectiva de uma semiótica6 aberta proposta por Eco (1991) é também defendida por Eliseo Verón (2004), que problematiza uma defasagem entre as gramáticas de produção e de reconhecimento. Nesse sentido, os projetos de pesquisa e de ensino buscam refletir não só sobre as relações entre mídias e leitores habituais, mas também nas pessoas com deficiência e seus hábitos de leitura

Nesse sentido, pretendemos integrar o projeto com ações da Associação de Cegos e Deficientes Visuais de Santa Maria (ACDV Santa Maria). A ideia é criar um espaço de trocas e conhecer melhor o consumo de produtos midiáticos por parte desse público específico. Esse processo tentativo nos remete à reflexão proposta por Braga (2010), acerca da Comunicação se constituir como uma área de pesquisa tentativa, e vai se permitir avaliar o processo de construção da versão em PDF acessível da revista .TXT e planejar as próximas edições.

Concebemos que a proposta que apresentamos para tornar a revista acessível possui como diferencial o uso do PDF acessível e da inserção dos selos de identificação, que permitem a autonomia da navegação do leitor, que se não quiser ouvir alguma audiodescrição, ou não quiser saber alguma outra informação, possa pular para a próxima sessão.

Nesse momento, como dito, trabalhamos com uma das revistas laboratoriais do curso de Jornalismo cuja experiência de torná-la acessível iniciou em 2017 e já está no seu quarto número. Nesses quatro anos, foram feitas atualizações e avaliações constantes, especialmente junto aos consultores audiodescritores que possuem deficiência visual. Na primeira versão, as descrições foram mais extensas, o que cansava a leitura, na avaliação de alguns integrantes do projeto que precisam utilizar leitor de tela. No ano de 2020, não trabalhamos mais com os consultores e passamos a fazer descrições de imagens mais sucintas. Os consultores foram acionados em casos de dúvidas apenas, visando que os jornalistas em formação tenham certa autonomia na técnica, visto que no campo de trabalho não poderão contar com audiodescritores profissionais e nem com consultores que possuam alguma deficiência visual. Em 2020, diante da não possibilidade de aulas presenciais em função da pandemia do novo coronavírus, não foi gerado um PDF, mas as descrições de imagem seguiram sendo feitas para a versão publicada no site da revista, junto ao endereço institucional.7

Com isso, pretende-se fortalecer o papel do Jornalismo e sua relação com a sociedade por meio da inclusão. Também espera-se possibilitar às pessoas com deficiência visual santa-marienses mais acesso à informações jornalísticas tanto de temas relacionados à UFSm quanto de Santa Maria. Desejamos que a UFSm seja reconhecida como um ambiente que gera conhecimento, que incentiva o desenvolvimento e a criação de novas ferramentas de ensino que estimulem a aplicação de tecnologias que visem à inserção social de pessoas com deficiência.

Referências

1. Belarmino, J. (2010). Em algum lugar do passado. In L. M. V. de M. Motta & P. Romeu Filho (Org.), Audiodescrição. transformando imagens em palavras (pp. 199-202). Secretaria dos Direitos da Pessoa Com Deficiência do Estado de São Paulo.

2. Bersch, R. de C. R. (2009). Design de um serviço de tecnologia assistiva em escolas públicas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/18299/000728187.pdf?sequence=1

3. Bonito, M. (2012). Jornalismo digital deficiente e inconvergente. Anais de Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 35, 1-15. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2012/resumos/R7-2297-1.pdf

4. Bonito, M. (2015). Processos da Comunicação Digital Deficiente e Invisível: mediações, usos e apropriações dos conteúdos digitais pelas Pessoas com deficiência visual no Brasil (Tese de doutorado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil.

5. Borelli, V. (2012). O processo de midiatização do jornalismo: desafios e perspectivas da prática laboratorial. In. M. da S. Ada Cristina (Org.), Estratégias midiáticas (pp. 149-165). Santa Maria, Brasil: FACOS UFSM. http://w3.ufsm.br/estudosculturais/arquivos/livroscompletos/ESTRAT%C3%89GIAS%20MIDI%C3%81TICAS%20 2012.pdf#page=147

6. Braga, J. L. (2010). Nem rara, nem ausente – tentativa. Matrizes, 4(1), 65-81. https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v4i1p65-81

7. Brasil. (2004). Decreto N.º 5.296/04 que regulamenta as Leis 10.098/00 e 10.048/00. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm

8. Brasil. (2009). Decreto N.º 6.949/09. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm

9. Eco, U. (1991). Obra Aberta. Perspectiva.

10. Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. Atlas.

11. Brasil. (2015). Lei n.º 13.146 de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

12. Michel, M. H. (2005). Metodologias e pesquisa científica em Ciências Sociais. Atlas.

13. Motta, L. M. V. de M., & Romeu Filho, P. (2010). Audiodescrição: transformando imagens em palavras. Secretaria dos Direitos da Pessoa Com Deficiência do Estado de São Paulo. https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/planejamento/prodam/arquivos/Livro_Audiodescricao.pdf

14. Nöth, W. (2003). Panorama da semiótica de Platão a Peirce. 4. ed. Annablume.

15. Oliveira, A. (2011). Para que serve o Adobe Reader? Descubra o que é esse programa. Techtudo. http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2011/05/para-que-serve-o-adobe-reader-descubra-o-que-e-esse-

16. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. (2007). Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília, DF. https://sisapidoso.icict.fiocruz.br/sites/sisapidoso.icict.fiocruz.br/files/convencaopessoascomdeficiencia.pdf

17. Salton, B., Agnol, A., & Turcatti, A. (2017). Manual de acessibilidade em documentos digitais. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. http://sites.riogrande.ifrs.edu.br/arqui-vos/1486518/manual-de-acessibilidade-em-documentos-digitais.pdf

18. Sassaki, R. (2009). Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação),12, 10-16.

19. Sousa, J. P. (2001). Elementos do jornalismo impresso. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação. http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-elementos-de-jornalismo-impresso.pdf

20.UFSm. (2016). Plano de desenvolvimento institucional 2016-2026. UFSm. https://www.ufsm.br/pro-reitorias/proplan/pdi/

21. Verón, E. (2004). Fragmentos de um tecido. Editora Unisinos.

Notas

1 Uma primeira versão do trabalho foi apresentada na Divisão Temática Jornalismo, da Intercom Júnior – XIII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em Curitiba –PR– 04 a 09/09/2017.

2 Em conformidade com os conceitos estabelecidos na convenção internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, em dezembro de 2006, e promulgados no Brasil por meio do Decreto Federal N.º 6.949, em 25 de Agosto de 2009.

3 Disponível em: https://www.ufsm.br/midias/experimental/revistatxt/Acesso em15 de março de 2021.

4 Cf. http://www.ufsm.br/revistatxt

5 No âmbito universitário é possível notar a divulgação de cartilhas como o “Manual de acessibilidade em documentos digitais” elaborado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Na UFSm, o Núcleo de Acessibilidade promove oficinas de audiodescrição, assim como outras práticas voltadas à inclusão.

6 Como o foco do artigo não se vincula à semiótica, o conceito não será aprofundado. Referimos a semiótica para mostrar que distintas semioses perpassam nossa vida. Como lembra Nöth (2003), a partir de 1969, a Associação Internacional de Estudos Semióticos sugeriu padronizar o uso dos termos semiologia e semiótica, adotando este último para designar os processos de semioses e sígnicos

7 Em outra reflexão, abordamos o desafio de producão da revista em 2020, inclusive no que diz respeito á acessibilidade comunicacional. Borelli V. , Silva, C. S., Santos Junior, L. G. Immig, T. E. Producão da Revista. TXT: desafios e mudanças na prática jornalística durante a pandemia. Trabalho apresentado no IJ01 –Jornalismo, da Intercom Júnior– XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. http://www.intercom.org.br/sis/eventos/2020/resumos/R15-1271-1.pdf

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