Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones"
eISSN:1856-9536

CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA E CULTURA PARTICIPATIVA: A POSSIBILIDADE DE NOVAS RELAÇÕES ENTRE OS AGENTES SOCIAIS NO CAMPO DA COMUNICAÇÃO E AS NOVAS TECNOLOGIAS

Media Convergence and Participatory Culture: The Possibility of New Relationships between Social Agents in the Field of Communication and New Technologies

Convergencia mediática y cultura participativa: la posibilidad de nuevas relaciones entre los agentes sociales en el campo de la comunicación y las nuevas tecnologías

Aline Cristina Camargo, Giovani Vieira Miranda, Antonio Francisco Magnoni

CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA E CULTURA PARTICIPATIVA: A POSSIBILIDADE DE NOVAS RELAÇÕES ENTRE OS AGENTES SOCIAIS NO CAMPO DA COMUNICAÇÃO E AS NOVAS TECNOLOGIAS

Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones", vol. 12, núm. 1, 2019

Universidad del Rosario

Aline Cristina Camargo

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquisa Filho, Brasil


Giovani Vieira Miranda

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquisa Filho, Brasil


Antonio Francisco Magnoni

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquisa Filho, Brasil




Recepção: 15 Setembro 2017

Aprovação: 02 Abril 2018

Informação adicional

Para citar este artículo: Camargo, A. C., Vieira Miranda, G., & Magnoni, A. F. (2019). Convergência midiá­tica e cultura participativa: a possibilidade de novas relações entre os agentes sociais no campo da comu­nicação e as novas tecnologias. Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social “Disertaciones”, 12(1), 75-87. doi: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.6071

Resumo: Este artigo analisa as editorias colaborativas de dois portais da internet, G1 e A Tarde/ uol, com o objetivo de iden­tificar a mudança na posição dos agentes sociais no campo da comunicação com o advento das novas tecnolo­gias e no contexto do uso dos dispositivos móveis. Para realizar as análises, partiu-se dos conceitos de Castells (1996), Jenkins (2009) e Bourdieu (2004, 2008), e aplicou-se a metodologia de Análise de Conteúdo (ac), utilizando os métodos qualitativos de análise do corpus. Os resultados mostram que existe uma mudança na posição dos agentes sociais no campo da comunicação, de consumidores a produtores, de passivos a ativos, de isolados a conectados.

Palavras-chave análise de conteúdo, campo da comunicação, convergência midiática, cultura participativa, dispositivos móveis.

Abstract: This article analyzes the collaborative publishing of two Internet portals, G1 and A Tarde/ uol, in order to identify the change in the position of social agents in the field of communication with the advent of new technologies and in the context of mobile devices usage. In order to perform the analyzes, the concepts of Castells (1996), Jenkins (2009) and Bourdieu (2004, 2008) were used, and the methodology of content analysis (ca) was applied using qualitative meth­ods of corpus analysis. The results show that there is a change in the position of social agents in the communication area, from consumers to producers, from passive to active, from isolated to connected.

Keywords: Content analysis, communication area, media convergence, participatory cul­ture, mobile devices.

Resumen: Este artículo analiza las ediciones colaborativas de dos portales de internet, G1 y A Tarde/UOL, con el objetivo de identificar el cambio en la posición de los agentes sociales en el campo de la comunicación con el advenimiento de las nuevas tecnologías y en el contexto del uso de los dispositivos móviles. Para realizar los análisis, se partió de los conceptos de Castells (1996), Jenkins (2009) y Bourdieu (2004, 2008), y se aplicó la metodología de análisis de con­tenido (ac), utilizando los métodos cualitativos de análisis del corpus. Los resultados muestran que existe un cambio en la posición de los agentes sociales en el campo de la comunicación, de consumidores a productores, de pasivos a activos, de aislados a conectados.

Palabras clave: análisis de contenido, campo de la comunicación, convergencia mediá­tica, cultura participativa, dispositivos móviles.

Introdução

As tecnologias da informação e da comunicação, atreladas à formação de uma economia global, têm impac­tado nas relações humanas, criando novos processos sociais, econômicos e culturais (Castells, 1996). As mídias atualmente se convergem, em um processo que, segundo Jenkins (2009, p. 29), não deve ser vislumbrado apenas no âmbito tecnológico, mas principalmente, em “uma transformação cultural, à medida que consumidores são incentivados a fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos”. A informação se tornou um bem dispu­tado e de valor crescente —as pessoas querem produzir e compartilhar conhecimento, em uma cultura cada vez mais participativa—.

Embora a adoção da tecnologia digital tenha modificado consideravelmente os hábitos de consumo de notí­cias —particularmente para quem tem acesso à internet banda larga—, as plataformas tradicionais, como rádio e tv ainda são as principais fontes de notícias da população brasileira.

De acordo com pesquisa nacional da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) (Brasil, 2016), 58 % dos brasileiros têm acesso à internet. A televisão ainda é a plataforma preferida para con­sumo de notícias pela maioria da população, mas, ao analisar esse consumo por faixa etária, é possível verificar que a internet é a plataforma preferida pelos brasileiros com idades entre 12 e 15 anos e/ou pessoas com nível universitário.

Entre os usuários da mídia tradicional que também têm acesso aos dispositivos móveis, 20 % disseram prefe­rir ler jornais e revistas pelo celular. Já entre os usuários de tablet, este número sobe para 55 %. Entre os usuários da rede, os mecanismos de busca são citados como a principal fonte de notícias (55 %), com as redes sociais logo atrás, em segundo lugar (51 %), seguidos por: 37 % portais; 35 % sites de notícias; 25 % sites de mídias impressas; 20 % sites de emissoras e 7 % blogs (Brasil, 2016).

Segundo a pesquisa “Consumo de Notícias do Brasileiro”, realizada em parceria entre a Advice Comunicação Corporativa e a BonusQuest, a internet é a principal fonte de informação para 68 % dos brasileiros: soma de por­tais (28 %), jornais online (26 %) e redes sociais (14 %) significa que 68 % dos brasileiros têm a internet como sua principal fonte de informação. Os dispositivos móveis destacam-se como principal meio de acesso à internet entre os mais jovens.

Dados divulgados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Brasil, 2016) apontam que 65 % dos jovens brasileiros com até 25 anos acessam a internet todos os dias. 67 % desses jovens afirmam que o uso é principalmente destinado à diversão e à busca de notícias. Dentre os 65 % de jovens que afirmam acessar a internet diariamente, 81 % o fazem a partir do uso de dispositivos móveis. Para Martino (2015, p. 58) a possibili­dade de participar das redes online a partir de dispositivos móveis “permite a transposição contínua das barreiras entre ‘mundo físico’ e ’mundo online’, em um grau de complementaridade entre as interações nas redes sociais digitais e àquelas desenvolvidas offline”.

De acordo com a pesquisa Juventude Conectada (2016), 85 % dos entrevistados usam o celular como principal dispositivo de acesso à internet. Esse índice representa um crescimento de 102 % em relação à primeira edição do estudo, realizada em 2013. Mesmo com a ascensão do uso dos dispositivos móveis, o acesso doméstico ainda é predominante: 49 % dos jovens afirmam utilizar a rede wi-fi de suas casas mais de uma vez por dia. Quando se observa a frequência média de uso, ela é de 5,1 dias por semana. Isso se deve, em parte, às limitações dos paco­tes de dados dos smartphones (3G/4G), que são apontados como a segunda forma de conexão mais utilizada: 45% dos jovens dizem usar os planos de acesso à internet de seus celulares mais de uma vez por dia. Quando se observa a frequência média de uso, ela é de 4,7 dias por semana.

Desde que a internet se tornou a segunda principal plataforma de consumo de notícias, o público brasileiro está voltado para um maior número de fontes e uma maior variedade de formas de acessar conteúdos de notícias. Isso tem fornecido novas ferramentas e oportunidades para grupos minoritários e para a mídia independente e é uma fonte autônoma de notícias para a parcela da população com acesso à internet.

Contudo, o impacto da mídia digital na qualidade da notícia ainda não é claro. Os mesmos grupos de conglo­merados de mídia que dominam as plataformas de notícias tradicionais também atraem a maioria dos usuários da internet no Brasil, e o tipo de conteúdo fornecido por esses conglomerados permanece essencialmente o mesmo.

A internet também fornece aos brasileiros um conjunto de ferramentas que são importantes para o ativismo e a participação. No entanto, a ausência de estudos relevantes com uma abordagem sistemática sobre o papel das plataformas digitais no ativismo da sociedade civil no Brasil faz com que seja difícil avaliar o impacto da digitaliza­ção sobre o ativismo e a participação.

Nesse contexto, o ambiente digital, anônimo e de trânsito livre, constitui um ambiente propício para as prá­ticas colaborativas dos internautas. Partindo-se dessas ideias e do conceito de campo apontado por Bourdieu (2004, 2008), analisam-se as editorias colaborativas dos portais G1 e A Tarde/uol, para entendimento de como ocorre o processo de participação dos internautas e compreensão sobre a mudança na posição dos agentes sociais no campo da comunicação.

Convergência midiática

A digitalização tem afetado intensamente os espaços dos suportes culturais. A qualidade e a rapidez na trans­missão de pacotes de dados dentro de um ambiente que permite a comunicação de forma anônima e a livre circulação de informações, criaram um cenário propício para a criação e o compartilhamento de conteúdos —por qualquer pessoa; a qualquer tempo e lugar— (Silveira, 2008). As novas tecnologias têm afetado as relações huma­nas de tal maneira que tais relações já não conseguem mais ser completamente entendidas fora de seu diálogo com a tecnologia. Entenda-se aqui o termo ‘tecnologia’ da mesma forma como coloca Castells (1996, p. 5), ao apontar que “a tecnologia não é somente a ciência e as máquinas: é também tecnologia social e organizativa”. Em outras palavras, a revolução tecnológica está diretamente relacionada com as habilidades de uma sociedade para difundir e trocar informações, relacionando-as com o restante do mundo.

A convergência tecnológica resulta em um fluxo de conteúdos que transita pelas múltiplas plataformas de mídia. “Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, cultu­rais e sociais” (Jenkins, 2009, p. 29). Com essa definição do conceito, o autor elimina qualquer possibilidade de se vislumbrar a convergência como um processo puramente tecnológico, que apenas uniria funções diversas den­tro de um mesmo aparelho. A convergência deve ser entendida como uma transformação cultural, uma vez que incentiva os consumidores a buscar informações em diversos meios e, a partir deles, criar conexões. É por essa razão que, para o autor, a convergência não ocorre apenas dentro dos aparelhos, mas, principalmente, dentro do cérebro de cada indivíduo e em suas relações sociais. Jenkins (2009, p. 30) acredita que “cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos dos fluxos midiáticos [...] através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana”.

Para chegar a essas conclusões, o autor analisa o fluxo de conteúdos que permeiam múltiplos suportes midiá­ticos, considerando o comportamento migratório do público, que oscila entre diferentes canais de mídia em busca de novas experiências, e entende que a cultura da convergência se apoia em três grandes pilares: 1) a convergên­cia tecnológica dos meios de comunicação, 2) a cultura participativa e 3) a inteligência coletiva. A convergência de mídias, a cultura participativa e a inteligência coletiva favorecem as práticas de criação, compartilhamento e recombinação de conteúdos dentro do ambiente digital.

Para a sociedade idealizada por Castells (1996), a rede de computadores se constitui com uma morfologia pró­pria, na qual a web torna-se símbolo do desenvolvimento comunicacional e espaço de liberdade comunicacional. “A internet é fundamentalmente um espaço social, cada vez mais amplo e diversificado a partir das tecnologias de acesso móvel a ela. Por isso a preservação da liberdade de expressão e comunicação na internet é a principal questão na liberdade de expressão em nosso mundo” (Castells, 1996, p. 227).

Esses processos possibilitados pelas novas tecnologias quebram de vez o modelo estratificado e unidirecio­nal de emissor-mensagem-receptor, que já se mostrava demasiadamente simples para responder ao complexo processo de comunicação. Os atuais consumidores podem se tornar produtores, assim como o caminho contrário também é válido, e a informação segue fluxos diversos, sofrendo modificações ao longo do percurso. Isso se jus­tifica, segundo Jenkins (2009), principalmente pela redefinição do papel e da posição do consumidor midiático:

Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os anti­gos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora baru­lhentos e públicos (Jenkins, 2009, p. 47).

Essa mudança na posição do consumidor midiático ocorre, principalmente, porque a internet permite a qual­quer pessoa criar conteúdos e formatos. Esses conceitos de Jenkins podem ser comparados às indicações de Benkler (2006), para quem a internet representa uma mudança radical nas antigas tendências de comunicação, justamente porque é o primeiro meio de comunicação que consegue expandir o seu alcance ao descentralizar a estrutura de produção e distribuição de informações, cultura e conhecimento. A maior parte das tecnologias que compõem a internet é baseada em recombinações e está aberta, ou seja, não está sob o controle de patentes ou outras formas que bloqueariam o seu acesso, o que facilita o compartilhamento e a recombinação de conteúdos.

Silveira (2008), em uma interpretação similar à de Benkler, coloca que há uma série de práticas socioculturais que reconfiguraram as redes informacionais, transformando-as em um espaço comum. “Uma série de práticas socioculturais reconfiguraram as redes informacionais como um terreno comum —commons, no sentido anglo-saxônico— e incentivaram a produção de processos, repositórios e interfaces a partir do ciberespaço ou em seu redor, tais como, a música tecno, a Wikipedia, as redes sociais, a blogosfera, o jornalismo open source, o desenvol­vimento de softwares livres, [...] as licenças Creative Commons e até o YouTube” (Silveira, 2008, p. 86).

Em resumo, o tipo de comunicação que prospera no ambiente digital está relacionado à livre expressão: “É a transmissão de fonte aberta, a livre divulgação, a transmissão descentralizada, a interação fortuita, a comunica­ção propositada e a criação compartilhada que encontram sua expressão na internet” (Castells, 1996, p. 165). O ambiente digital permite, portanto, uma nova cultura: a cultura participativa.

Cultura participativa

Por participação na rede deve-se considerar um processo mais complexo do que o simples retorno do consumidor a uma votação virtual, ou a seleção de um item em uma lista predefinida, por exemplo, uma vez que essas ações caracterizam simplesmente uma interatividade. Jenkins (2009) explica a diferença entre os termos: “A interativi­dade refere-se ao modo como as novas tecnologias foram planejadas para responder ao feedback do consumi­dor. [...] A participação, por outro lado, é moldada pelos protocolos culturais e sociais. [...] A participação é mais limitada, menos controlada pelos produtores de mídia e mais controlada pelos consumidores de mídia” (Jenkins, 2009, p. 189).

A participação, portanto, pressupõe maior poder ao consumidor midiático, porque não é tão controlada pelos produtores de mídia. Benkler (2006) defende que a participação através da rede desenvolve as capacidades prá­ticas dos indivíduos de três maneiras: 1) melhora a sua capacidade de fazer mais por si e pelos outros; 2) impede que os indivíduos organizem suas relações através de modelos hierárquicos tradicionais; e 3) aumenta sua capa­cidade de participação em organizações formais que operam fora da esfera do mercado.

Avançando em Benkler, à luz de Rossini (2010, p. 211) compreende-se a vantagem que a internet oferece para criar um ambiente que instiga a participação, pois a web confere aos cidadãos “novas oportunidades de parti­cipação locais, regionais e globais. Sua possibilidade de construção e apropriação de conhecimento, adequan­do-o para sua realidade local, são potencialmente infinitas”. Dessa forma, os cidadãos já não estão mais sujeitos somente à posição de leitores ou de observadores de conteúdo; a rede permite sua participação e redefine o lugar de criação de conteúdos. Criam-se, assim, novas oportunidades para que esses cidadãos possam construir e transmitir conhecimentos, criar e participar de canais de interação e de ativismo. Silveira (2010) compartilha desse pensamento ao indicar que os processos de comunicação criados pelas novas tecnologias reforçam o potencial comunicador das localidades e permite a conexão delas com quaisquer pontos e nós da rede, comprimindo e anulando as distâncias e sintetiza a importância da participação efetiva na internet, ao colocar que a participação nas redes digitais é um exercício criativo de cidadania digital.

Os novos canais de interação surgidos com as novas tecnologias permitem, enfim, o desenvolvimento de uma cultura participativa. O termo é utilizado por Jenkins (2009, p. 378) que o define como uma “cultura em que os fãs e outros consumidores são convidados a participar ativamente da criação e da circulação de novos conteúdos”. A cultura atual é mantida por meio da produção mútua e da troca recíproca de conhecimento que fluem pelos novos canais de interação criados pelas tecnologias atuais.

Conforme defende Jenkins (2009), o novo ambiente midiático promete um fluxo mais livre de ideias e conteú­dos: “Consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais complexo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente midiático provocam expectativas de um fluxo mais livre de ideias e conteúdos. Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura” (Jenkins, 2009, p. 44).

Em suma, a produção de informação, conhecimento e cultura através das relações sociais, ao invés de rela­ções de propriedade e de mercado, é o que cria as oportunidades para uma cultura mais crítica e uma república autônoma, engajada e melhor informada (Benkler, 2006). Na cultura da convergência todos são participantes em maior ou menor grau e a cultura participativa modifica as antigas noções de passividade dos consumidores midiá­ticos, colocando-os em papel similar ao dos produtores de informação.

Com esses novos fluxos e essa nova cultura surgidos a partir das novas tecnologias da informação e da comu­nicação, é preciso compreender como os agentes sociais alteram sua posição dentro do campo da comunicação. Para entender esse fenômeno, recorre-se aos conceitos propostos por Bourdieu (2004, 2008).

O campo da comunicação e a posição dos agentes locais

O campo, seja ele literário, artístico, político, jurídico ou científico, é o universo no qual se inserem os agentes sociais e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência (Bourdieu, 2004). Esse espaço é relativamente autônomo, regido por leis próprias e no qual os agentes lutam entre si, mostrando suas forças para manter ou transformar o campo. De acordo com Bourdieu (2004) são as relações entre os agentes e a posição que ocupam dentro do campo que determinam o que eles podem ou não fazer: “É a estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem e não podem fazer. É a posição que eles ocu­pam nessa estrutura que determina ou orienta suas tomadas de posição. Isso significa que só compreendemos, verdadeiramente, o que diz ou faz um agente engajado num campo se estamos em condições de nos referirmos à posição que ele ocupa nesse campo, se sabemos ‘de onde ele fala” (Bourdieu, 2004, p. 24).

Por essa razão, a posição dos agentes é um fator importante para se entender o campo. Os agentes podem ocupar uma das seguintes posições: 1) a posição de dominantes e 2) a posição de dominados, ou pretendentes. Os dominantes se utilizam de estratégia de conservação e defesa das convenções e, por esta razão, estão locali­zados no centro do campo, num espaço de tradição. Já os dominados, ou pretendentes, estão localizados fora do campo, num espaço de vanguarda e se utilizam de estratégias de subversão e transgressão das convenções para se inserir no campo.

De acordo com Bourdieu (2008) esses lugares são classificatórios e permitem que os agentes se situem no campo: As estruturas objetivas do campo da produção estão na origem das categorias de percepção e apreciação que estruturam a percepção e a apreciação de seus produtos. É, assim, que pares antiéticos de pessoas ou de instituições, jornais, teatros, galerias, editoras, revistas, costureiros, podem funcionar como esquemas classificatórios que só existem e são significativos em suas relações mútuas, além de permitirem a iden­tificação dos interlocutores e de se situarem com precisão. [...] Os produtores ou produtos que não estão no devido lugar, mas, como se diz, ‘descolados’, estão mais ou menos condenados ao fracasso: todas as homologias que garantem um público ajustado, críticos compreensivos, etc, àquele que encontrou seu lugar na estrutura funcionam, pelo contrário, contra aquele que se desviou de seu lugar natural (Bourdieu, 2008, pp. 56-57).

Quando há uma mudança na posição desses agentes, ou seja, ocorrem lutas para entrar no campo, são gera­dos movimentos de quebra no círculo da crença com o objetivo de fundar uma nova crença. Quando a crença ou o agente social alcança o centro do campo, ele se torna consagrado. A eficácia dos atos de consagração está no próprio campo, reproduzida com a ajuda dos agentes, as instituições e de suas lutas no campo.

No campo do jornalismo, as instituições consagradas, ou legitimadas, para a construção das notícias são as redações, e os agentes que ocupam o centro do campo são os jornalistas. Porém, com as alterações de fluxos de conteúdos permitidas pela internet, os consumidores se tornaram produtores de conteúdo e estão se inserindo no campo. Para entender como está ocorrendo a inserção desses agentes sociais no campo do jornalismo e verificar se a participação dos internautas é ainda uma vanguarda ou se já se tornou uma tradição no campo, serão anali­sadas a seguir duas editorias colaborativas de portais da internet.

Metodologia e análises

A metodologia escolhida para a aplicação da fundamentação teórica no objeto de estudo foi a Análise de Conteúdo (ac). Wilson Fonseca Junior (2009) acredita que a formação do campo comunicacional não pode ser compreendida sem se fazer referência à Análise de Conteúdo. “Desde sua presença nos primeiros trabalhos da communication research às recentes pesquisas sobre novas tecnologias, passando pelos estudos culturais e de recepção, esse método tem demonstrado grande capacidade de adaptação aos desafios emergentes da comunicação e de outros campos do conhecimento” (Fonseca Junior, 2009, p. 42).

Este item traz a análise do corpus, o processo de codificação e categorização, além da descrição quantitativa e qualitativa das análises.

A primeira etapa da análise é constituída pela descrição dos campos destinados a interação do leitor: “Você no G1”, do portal G1 e o “Repórter Cidadão”, inserido no A Tarde/ uol. Foram analisados a aparência, elementos, destaque da editoria na home do portal, os possíveis canais de interação e quais as formas que o cidadão pode participar pelos portais.

Em um segundo momento, observou-se os principais pontos em quatro matérias dos portais analisados, cate­gorizando a pessoa do discurso (jornalista ou internauta); créditos nas matérias, fontes utilizadas, fotos e vídeos.

Análise do corpus

Os objetos de estudo que se estabelecem como corpus deste trabalho são as editorias colaborativas do portal G1, chamada de “vc no G1”, e do portal A Tarde/ uol, chamada de “Cidadão Repórter”. Analisa-se, de forma geral, cada uma delas a seguir:

    “vc no G1”
  1. Aparência: não há um portal que compile as notícias, mas apenas uma aba para colaboração.

    Elementos: as reportagens são inseridas no portal em meio às demais notícias tendo a tag “vc no G1” como elemento diferenciador.

    Destaque da editoria na home do portal: não ocupa nenhum lugar de destaque na página principal, é colo­cada junto às outras editorias do portal.

    Canais de interação: os principais canais de interação são as redes sociais, como o perfil no Twitter <https://twitter.com/vcnog1>.

    O que o internauta pode enviar: o portal recebe textos, vídeos e fotos dos internautas.

    Como ele pode participar: o internauta deve preencher um cadastro no site da globo.com. Depois disso, ele faz o login no canal de interação do G1, com o usuário e senha criados no cadastro. Para enviar a notícia, o internauta deve dar um título, selecionar o arquivo que deseja enviar, descrever comentários e indicar o local do acontecimento do fato.

    Informações complementares: na página de envio de arquivos, há informações aos internautas sobre o processo de participação. Há indicações, por exemplo, sobre o tempo em que o conteúdo enviado ficará disponível: vídeos ficam publicados durante seis meses; fotos e textos ficam disponíveis na rede por tempo indeterminado. As informações também deixam claro quais os tipos de conteúdos que são proibi­dos no portal e ainda oferece algumas dicas para melhorar a qualidade e facilitar o envio dos conteúdos.

    Comentários nas matérias: há espaço para que outros internautas possam comentar as matérias ou com­partilhá-las através das redes sociais e e-mail.

    “Cidadão Repórter”
  1. Aparência: possui layout similar ao das outras editorias do portal.

    Elementos: as imagens e os vídeos são colocados no mesmo tamanho dentro da página. Apenas uma matéria ganha um destaque maior no início da tela. Todas as notícias possuem ícones que permitem compartilhá-las através das redes sociais.

    Destaque da editoria na home do portal: não ocupa nenhum lugar de destaque na página principal, é colocada junto às outras editorias do portal.

    Canais de interação: o principal canal de interação é o “Seja um Cidadão Repórter”, localizado no canto direito do meio da página. O texto incita a colaboração do internauta ao utilizar a expressão “Envie fotos e vídeos. Envie sugestão de pautas. E seja um cidadão repórter”.

    O que o internauta pode enviar: o portal recebe fotos, vídeos, áudios e sugestão de pauta dos internautas.

    Como ele pode participar: não é necessário criar um cadastro no portal; basta que o internauta preencha algumas informações, como nome, e-mail e telefone, selecione o arquivo que deseja enviar e escreva as informações referentes ao arquivo.

    Informações complementares: abaixo do campo de envio, há um termo de cessão de direitos autorais, que esclarece ao internauta que, ao enviar fotos, vídeos e áudios, ele cederá ao portal o direito de edição, comercialização, reprodução, impressão e publicação para todos os canais do grupo A Tarde.

    Comentários nas matérias: há espaço para que outros internautas possam comentar as matérias ou com­partilhá-las através das redes sociais e e-mail.

Para a codificação e categorização dos elementos textuais das editorias colaborativas, selecionou-se a aná­lise categorial, que trata do desmembramento do discurso em categorias, que serão posteriormente analisadas qualitativamente. Bardin (2003) define este método como espécie de gavetas ou rubricas significativas que per­mitem a classificação dos elementos de significação constitutivos da mensagem. Para identificar as principais características dos textos colaborativos publicados nesses portais, criou-se uma tabela com os principais pontos observados em quatro matérias, tendo sido escolhidas a partir da observação da contribuição do cidadão, sendo duas do “vc no G1” e duas do “Cidadão Repórter”. As matérias selecionadas são as seguintes:

    “vc no G1”
  1. Internauta registra neblina em região serrana do ap durante verão amazônico, publicada em 29 de julho de 2017.

    Ruas em loteamento da Zona Norte de Macapá são alvos de reclamação de internauta, publicada em 17 de agosto de 2017.

    “Cidadão Repórter”
  1. Moradores denunciam péssimo estado de trecho da BA-245, publicada em 2 de maio de 2017.

    Dona de cadela denuncia maus tratos durante tosa, publicada em 15 de janeiro de 2016.

    Os textos estão assim caracterizados:

Tabela 1
Categorias observadas nos textos do “vc no G1”
Categorias observadas nos textos do “vc
no G1”


Fonte: elaborada pelos autores.

Tabela 2
Categorias observadas nos textos do “Cidadão Repórter”
Categorias observadas nos textos do “Cidadão Repórter”


Fonte: elaborada pelos autores

Observou-se que, inicialmente, as novas tecnologias colaboram com as práticas de participação, alterando os fluxos de produção das notícias e as duas páginas, através de textos e imagens e ferramentas de interação, instigam a colaboração do internauta, convidando-o a ser um jornalista cidadão. Porém, o texto final, publicado nos portais, acaba sendo reescrito pelos agentes do centro do campo, os jornalistas. Aos internautas, que são chamados de ‘jornalista’ e ‘repórter’ nas editorias, resta ser apenas uma fonte da matéria. Mesmo que as matérias venham com créditos, fica bem claro neles a indicação de ‘internauta’. Em outras palavras, os agentes dominantes do campo, os jornalistas, lutam para manter a tradição no campo, impedindo que os agentes de vanguarda, os internautas, consigam chegar ao centro dele.

Outro ponto a ser observado é que apesar de as notícias estarem sendo geradas e disseminadas a partir de diversos locais, as redações ainda podem ser consideradas instituições legitimadas de disseminação de informa­ções dentro do campo da comunicação. Primeiro, porque é nela que trabalham os agentes de tradição do campo, os jornalistas. Segundo, as redações recebem e concentram todos os textos produzidos pelos internautas, alteran­do-os conforme suas necessidades. Isso fica claro, por exemplo, nos termos de cessão dos direitos autorais e nas políticas dos portais, que esclarecem que os textos enviados pelos internautas serão modificados, comercializa­dos e publicados e, portanto, os direitos sobre eles passam a ser desses portais.

Além disso, os jornalistas são considerados agentes com mais credibilidade dentro do campo da comunicação e é por essa razão que as notícias devem mostrar que passaram por suas mãos. Uma das formas que as editorias colaborativas utilizam-se para provar isso é o uso, em todas as matérias, de fontes, entrevistas e formatação de texto comumente utilizados e consagrados no jornalismo.

Em síntese, os resultados das análises mostram que embora os agentes pretendentes —os internautas parti­cipativos— tentem se inserir no campo do jornalismo, os agentes dominantes —os jornalistas— ainda se mantém como tradição no centro do campo. Esses agentes se utilizam de estratégias de conservação e defesa das conven­ções para se manterem no centro do campo. Entre essas estratégias, a principal que pode ser citada é a reescrita da matéria, deixando os internautas apenas como fonte.

Considerações

Analisar as editorias colaborativas dos portais G1 e A Tarde/ uol foi o objetivo deste estudo. Para isso, foram feitas breves reflexões a respeito de conceitos que envolviam o objeto de estudo, como convergência midiática, uso de dispositivos móveis, cultura participativa e o campo da comunicação.

Observa-se que a digitalização contribuiu para o fornecimento de notícias de uma forma geral. A disponibili­dade e a quantidade de notícias aumentaram, mas a maioria das fontes permanece a mesma. Os principais sites de notícias no Brasil são controlados pelos mesmos agentes que controlavam a mídia no período pré-internet e, apesar de haver uma produção de conteúdo relevante por parte de blogueiros independentes e ongs que possuem seus grupos e seguidores, os grandes grupos da mídia tradicional continuam a exercer forte controle sobre a forma como a opinião popular é moldada (Mizukami et al., 2014).

É importante salientar que o termo “audiência ativa” utilizado por Downing (2002) reflete a realidade de cultura participativa frente às novas tecnologias digitais, em especial o uso dos dispositivos móveis. O papel do público não se restringe mais ao papel passivo de recepção de conteúdos. Pelo contrário, este deseja participar ativamente e de modo colaborativo da rede, atuar em sua construção e também na ligação com o mundo técnico, profissional e conceitual do jornalismo e da mídia como um todo. A internet alterou —e continua alterando— gra­dativamente os hábitos coletivos de comunicação mediada, que antes ocorriam por processos mais físicos e a curta distância.

As possibilidades de se estabelecer relações remotas interpessoais e interculturais cresceram com o desenvol­vimento de tais tecnologias. Mesmo que elas ainda sejam distribuídas de forma desigual, são capazes de induzir mudanças e possibilidades comunicativas para movimentos e organizações. As redes trouxeram recursos de visi­bilidade e de empoderamento ao cidadão comum, organizações e coletivos.

De acordo com documento da United Nations (2014), há oportunidades claras para a melhor participação dos cidadãos, a partir, por exemplo, dos dispositivos móveis. Existem também alguns problemas a serem considera­dos, como a exclusão digital e as poucas iniciativas de incentivo à participação. Estas oportunidades e desafios exigem estratégias eficazes para criar um ambiente propício para a participação, incluindo quadros legais e insti­tucionais adequados, capacidade de desenvolvimento para a alfabetização de mídia digital para os cidadãos e a integração de recursos online e offline para a participação do público.

Com esses aspectos considerados, partiu-se para a análise de conteúdo do corpus, buscando-se fragmentar seu texto em categorias que facilitassem a apreensão dos resultados. O resultado das análises mostrou que os internautas, com o uso das novas tecnologias, deixam de ser simples consumidores de notícias para se transfor­marem em produtores de informação. Ocorre, dessa forma, uma mudança na posição desses agentes sociais no campo da comunicação, de consumidores a produtores, de passivos a ativos, de isolados a conectados. Entre­tanto, essa participação dos internautas ainda pode ser considerada de vanguarda, visto que suas notícias cos­tumam ser modificadas pelos jornalistas e ainda ficam em editorias separadas e específicas, não se misturando às outras produções dos repórteres, que se inserem no campo ainda como tradição. Sendo assim, os internautas ainda são dominados em um campo onde os jornalistas são os dominantes.

Vale ressaltar que os trabalhos que abordam o campo da comunicação são importantes para compreender com maior clareza os diferentes fluxos e funções dos agentes sociais participantes do processo comunicacional. As transformações sociais, culturais e econômicas advindas das novas tecnologias são um terreno fértil para o desenvolvimento de estudos e devem ser explorados.

Referências

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