As pesquisas fisiológicas sobre o sangue e as interpretações do Brasil na primeira metade do século XX

Las investigaciones fisiológicas sobre la sangre y las interpretaciones de Brasil en la primera mitad del siglo XX

Physiological Research on Blood and Interpretations of Brazil in the First Half of the Twentieth Century

Juliana Manzoni Cavalcanti 1
Casa de Oswaldo Cruz, Brasil

As pesquisas fisiológicas sobre o sangue e as interpretações do Brasil na primeira metade do século XX

Revista Ciencias de la Salud, vol. 13, 2015

Universidad del Rosario

Recepção: Dezembro 03, 2014

Aprovação: Abril 17, 2015

Financiamento

Fonte: PNPD/CAPES

Resumo: Objetivo: esclarece como as investigações sobre a fisiologia do sangue no Brasil contribuíram intensamente nas discussões sobre a formação histórica e cultural da sociedade brasileira. Desenvolvimento: Partindo da historiografia brasileira e do exame de trabalhos científicos desenvolvidos por Walter Oswaldo Cruz e na Seção de Hematologia do Instituto Oswaldo Cruz, analisam-se os conteúdos sociais dos enunciados científicos sobre o sangue em artigos sobre as causas das ditas anemias tropicais, a distribuição racial dos grupos sanguíneos e a quantificação da hemoglobina. Conclusões: Ao contrário da historiografia que limita a história da fisiologia a certos personagens, instituições e fatos, as histórias alternativas da fisiologia oferecem um cenário rico, no qual observamos a produção de conhecimentos sobre as funções orgânicas para além das ciências naturais.

Palavras-chave história, saúde, sangue, fisiologia, Brasil.

Resumen: Objetivo: aclarar cómo las investigaciones sobre la fisiología de la sangre en Brasil contribuyeron intensamente en las discusiones sobre la formación histórica y cultural de la sociedad brasilera. Desarrollo: partiendo de la historiografía brasilera y del examen de trabajos científicos desarrollados por Walter Oswaldo Cruz y en la Sección de Hematología del Instituto Oswaldo Cruz, se analizan las caras sociales contenidas en los enunciados científicos sobre la sangre en artículos sobre las causas de dichas anemias tropicales, la distribución racial de los grupos sanguíneos y la cuantificación de la hemoglobina. Conclusiones: al contrario de la historiografía, que limita la historia de la fisiología a ciertos personajes, instituciones y hechos, las historias alternativas de la fisiología ofrecen un escenario rico, en el cual observamos la producción de conocimientos sobre las funciones orgánicas más allá de las ciencias naturales.

Palabras clave: historia, salud, sangre, fisiología, Brasil.

Abstract: Objective: To analyze how research on blood physiology in Brazil informed the debates about historical and social development of the Brazilian society. Development: Throughout Brazilian historiography and the research of scientific works from Walter Oswaldo Cruz and the Hema­tology Department at the Instituto Oswaldo Cruz, this paper interprets the social content of scientific concepts on blood in medical works about the so called tropical anemias, racial distri­bution of blood groups and measurement of hemoglobin quantity. Conclusions: In opposite to the historiography that restricts physiology history to some personalities, institutions and facts, alternative histories of physiology offers a richer framework in which knowledge production goes beyond natural sciences.

Keywords: History, Health, Blood, Physiology, Brazil.

Introdução

O simbolismo do sangue atravessa séculos de história e esteve frequentemente associado a questões de saúde e doença. A própria definição hipocrática sobre a relação saúde/doença tem no sangue um dos principais alicerces do equilíbrio individual. Para além das definições médicas, o sangue era um elemento de distinção social a partir de meados do século XV no mundo Ibérico, que distinguia os cristões velhos dos novos (judeus, mouros e negros) (1). No Brasil deste período, o temor era com a “africanização” da colônia, mais do que a preocupação com a população judia; este temor estava ligado à “emergência de um contingente de negros livres e até ricos [...] cuja libertação foi produto da exploração do ouro em Minas Gerais e da consequente urbanização” (2, p. 134). A combinação da raça como entidade biológica e do sangue como origem da ascendência só foi, contudo, consolidada nas ciências ao longo do século XIX, com as teorias racistas e de hereditariedade (3, 4).

A partir do final do século XIX, iniciaram-se em vários países latino-americanos movimentos de reinterpretação relativos à nacionalidade que buscavam rechaçar os determinismos climático e racial (5, 6). Apesar dos movimentos em prol da saúde e educação serem apontados como soluções para o atraso sócio e econômico do Brasil, a entrada maciça de imigrantes no país neste período mostra que as ideias de ‘purificação da raça’ pelo “sangue branco” faziam muito sentido (7, 8). Esta incoerência pode ser interpretada como uma “subversão valorativa” das definições estrangeiras sobre o país. O termo, cunhado por Sérgio Carrara, procurou refletir como as elites brasileiras mantinham sua filiação às tendências intelectuais europeias, ao mesmo tempo em que reorganizam, em proveito próprio, a causa dos fenômenos analisados (9). Assim, embora a ideia de que a inviabilidade racial devido à miscigenação tenha sido questionada pelas elites brasileiras, elas fomentaram a chegada de europeus, enquanto esqueciam o grande contingente populacional formado por negros e mestiços e, com isso, apoiavam uma valoração hierárquica das “raças”.

Neste trabalho procuro mostrar que as investigações sobre a fisiologia do sangue no Brasil, na primeira metade do século XX, estiveram na base das discussões sobre a formação histórica, racial e cultural da sociedade brasileira, bem como sobre o papel da doença como entrave ao pleno desenvolvimento do país. Tais investigações abrangiam o tratamento de doenças endêmicas, a análise da mistura racial através da identificação de grupos sanguíneos e o mapeamento do nível de hemoglobina de diversos grupos populacionais.

Com essa abordagem, procuro seguir uma investida historiográfica que problematiza a ideia de que a fisiologia surgiu e se conservou como uma disciplina delimitada ao tentar compreendê-la como uma perspectiva de investigação (10, 11). Neste entendimento, é possível identificar a fisiologia nas mais variadas especialidades científicas que se propugnavam interpretar as funções orgânicas do corpo humano como, por exemplo, a bacteriologia, a medicina tropical e a antropologia física.

A história da fisiologia está intimamente ligada à história da clínica e das deduções etiológicas porque foi através das observações do que se interpretavam como desordens orgânicas funcionais que se formularam definições do que seria normal e patológico (11, p. 216). Nesse sentido, ao final do século XIX, os estudos sobre fisiologia sanguínea, que abarcavam as investigações sobre a função curativa do sangue e sobre as alterações que ele sofria durante uma infecção, foram fundamentais para o desenvolvimento da bacteriologia e da imunologia. Na primeira metade do século XX, a fisiologia do sangue continuou a originar outras especialidades como a endocrinologia e a hemoterapia que estavam na vanguarda da criação de terapêuticas para doenças infecciosas e crônicas. Além disso, a utilização das novas técnicas de análise do sangue atraíam antropólogos e criminalistas que buscaram compreender a variedade biológica humana e os comportamentos “desviantes”, uma vez que se acreditava que no sangue estavam guardadas todas as informações de um indivíduo (12, 13, 14, 15, 16).

As histórias alternativas da fisiologia buscam perceber, assim, como as práticas e os conhecimentos relativos à fisiologia do corpo foram sendo criadas e arrematadas em diferentes campos de saber. Ela procura se afastar da noção de homogeneidade criada pelas análises históricas sobre sua formação como disciplina independente no século XIX, que abarcam desde sua institucionalização, em associações nacionais e cadeiras em faculdades de medicina, ao seu desenvolvimento como primeira ciência experimental da vida. Esta historiografia mais tradicional utiliza o termo Fisiologia experimental para se referir a este campo disciplinar formado no século XIX, que se dedicou ao estudo das funções do organismo humano mediante a experimentação em animais vivos no laboratório, e as análises quantitativas e qualitativas baseadas na química e na física (10).

Embora não seja o caso de abandonar a perspectiva mais tradicional —mesmo porque é a partir dela que se amadureceu a nova, busca-se agora perceber uma “variedade de discursos fisiológicos” que não se enquadram nas histórias teleológicas de naturalização da independência da fisiologia como campo de saber científico. Com isso, procura-se identificar apropriações e reformulações de conceitos fisiológicos sem ter como fim a delimitação de um conjunto homogêneo de práticas, conceitos e instituições próprios da fisiologia. Para compreendermos melhor o objetivo de se fazer uma história alternativa, tomo como referência o estudo da historiadora Ana Carolina Gomes sobre a institucionalização da fisiologia experimental no Brasil, a partir da criação do Laboratório de Fisiologia Experimental (LFE) do Museu Nacional do Rio de Janeiro no último quartel do século XIX (17).

A estruturação material e intelectual do LFE contou com a participação ativa do Imperador D. Pedro II que, junto com a elite, ansiava enraizar no país um ideal de ciência, que acompanhava os discursos da modernidade e da civilização. Inaugurado em 1880, o laboratório teve vida curta, pois suas atribuições foram redirecionadas para a área bacteriológica no ano da proclamação da República, 1889 (17). Tema candente nos anos de 1890, em decorrência da eclosão de diversas epidemias nos principais centros políticos e econômicos do país (os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo), as doenças infecciosas passaram a receber atenção e recursos vultuosos, tanto do governo federal, quanto de empresas privadas (18, 19, 20).

Apesar deste recuo da fisiologia experimental, as análises sanguíneas sempre fizeram parte da rotina da microbiologia, o que tornava o estudo da fisiologia do sangue crucial para o entendimento dos processos infecciosos. O estabelecimento de quantidades e elementos padrões no sangue era necessário para fornecer uma base de pesquisas aos microbiologistas, mas, principalmente, refutar a ideia de que o sangue do brasileiro era corrompido e empobrecido devido ao clima tropical e à mistura racial.

As histórias alternativas da fisiologia também se filiam às iniciativas historiográficas realizadas desde os anos 1980 por historiadores latino-americanos que buscam interpretar o desenvolvimento das ciências e as concepções de saúde/doença na América Latina como um processo de absorção seletiva dos conhecimentos que se produziam na Europa e de sua tradução alinhada aos contextos sociais locais. A reunião das diferentes concepções latino-americanas sobre fisiologia é de extrema importância para o incremento da compressão acerca do papel das ciências biomédicas em criar ou reforçar interpretações socioculturais sobre os habitantes deste continente. Busca-se, portanto, “identificar problemas transversais e novos campos de investigação histórica sobre a fisiologia” com o intuito de viabilizar estudos comparativos e transnacionais que incrementem a compreensão da relação entre conceitos fisiológicos e ordem social no continente. 2

Inicio o primeiro tópico tratando, a partir da historiografia e de fontes documentais, dos debates em torno da questão das anemias supostamente características dos habitantes dos trópicos travados entre o final do século XIX até os anos 1920. Em seguida, abordo as controvérsias relativas à terapêutica das anemias através do ferro no meio médico brasileiro dos anos 1930, que antecedem a criação da Seção de Hematologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) no Rio de Janeiro, cujas pesquisas nos permitem vislumbrar a interdependência das faces social, política e cultural dos conceitos sobre o sangue definidos cientificamente. Nos últimostópicos, analisoo desenvolvimento dessas pesquisas nos anos 1940 no que foi a primeira seção exclusivamente dedicada às investigações hematológicas e o primeiro local de formação de hematologistas no Brasil. Nela, desenvolveram-se estudos sobre a composição e os processos de produção e regeneração do sangue (21, 22, 23, 24), a partir de temáticas variadas como, por exemplo: a anemia na ancilostomose, as anemias hereditárias, a distribuição racial dos grupos sanguíneos, e o índice dos valores da hemoglobina na população (25, 26, 27, 28, 29, 30).

Finalmente, comento sobre as investigações dos grupos sanguíneos com fins de determinação da distribuição racial da população brasileira para revelar que o interesse na quantificação da miscigenação ocorria em meio a um contexto político que buscava restringir a entrada de negros e das raças não brancas no país. Para além das implicações terapêuticas, este tipo de análise do sangue derivava do interesse mais amplo em mapear o corpo humano, advindo com a intensa industrialização e urbanização de inícios do século XIX, quando médicos, higienistas e reformadores sociais começam a perceber as modificações que o trabalho na indústria e a vida na cidade causavam no corpo humano (31).

As anemias do Brasil

A anemia como sintoma de um sangue de constituição pobre tornou-se tema de interesse médico no Brasil em meados do século XIX, quando o médico José Martins da Cruz Jobim, ao corroborar teorias europeias, defendeu que o clima era a causa da doença conhecida então como opilação e, por isso, sugeriu a mudança do nome para hipoemia intertropical. Nos anos 1860, seus trabalhos foram questionados pelo médico luso-germânico Otto E. H. Wucherer, radicado em Salvador desde 1847, que apontou o Ancylostoma duodenale como a causa primordial da doença, o que provocou um debate na Academia Imperial de Medicina (AIM) no Rio de Janeiro cuja conclusão esteve longe de ser unânime sobre as causas da opilação/hipoemia intertropical, mais tarde também chamada de anemia tropical (32, 33).

Em 1899, a polêmica foi reascendida com o trabalho de conclusão de curso do médico Miguel Pereira, “Hematologia Tropical”, elaborado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e no Laboratório Bacteriológico Federal na década de 1890, e que negava a existência da “anemia tropical” (34). Segundo o historiador Flávio Edler (35, p. 340), a querela se estendeu para o Jornal do Brasil ao longo de dois meses e terminou com a rejeição das ideias de Pereira e a ratificação da existência de uma “anemia constitucional” própria ao clima tropical e de que ela não seria degradante, conforme os manuais médicos europeus a defendiam. Podemos vislumbrar, assim, três opiniões distintas: a estrangeira que via o sangue dos habitantes dos trópicos como corrompido pelo clima; a da maioria dos médicos brasileiros que não interpretavam negativamente essa diferença sanguínea; e a de um grupo seleto de médicos brasileiros que não aceitava o clima como causador de qualquer alteração no sangue.

Na virada para o século XX, o debate sobre a constituição do sangue do brasileiro era nevrálgico em função das imigrações e da abolição da escravidão, que criaram novas formas de sociabilidade entre as diferentes “raças” do país. Da definição da natureza deste sangue dependiam as práticas higiênicas de aclimatação, cujo dispêndio seria eliminado caso fosse aceita a nova interpretação posta por Pereira. Em paralelo, acreditava-se em um melhoramento da constituição sanguínea do brasileiro mediante a injeção do “sangue branco”, vindo com as imigrações, e a defesa da viabilidade da formação de uma nacionalidade através de uma população mestiça.

Foi apenas ao longo das duas primeiras décadas do século XX, especialmente devido aos trabalhos hematológicos e de medicina tropical do grupo de Oswaldo Cruz, que se passou contundentemente a refutar o efeito do clima sobre a fisiologia do sangue dos habitantes dos trópicos. Em 1912, um dos membros deste grupo, o médico Ezequiel Campos Dias, relembrava a importância de sua tese de 1903, “Hematologia normal no Rio de Janeiro”, cujo objetivo teria sido “elucidar a velha questão da suposta anemia tropical” e determinar padrões de normalidade sanguínea que serviriam de base às pesquisas de hematologia patológica no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) 3 (37). Dias enfatizava o papel primordial das doenças como causadoras da composição empobrecida do sangue do brasileiro, ao afirmar que fora difícil “obter-se uma gota de sangue de um indivíduo que não est[ava] doente” (38, p. 1).

Dentre as pesquisas de hematologia patológica estava a tese de doutoramento de Carlos Chagas, “Estudos Hematológicos no Impaludismo”, na qual se utilizou da “fórmula hemo-leucocitária” para identificar a partir da proporção de leucócitos no sangue quem estaria infectado pela malária. A técnica era, segundo Chagas (39), de uso recente no país e, por isso, havia poucos estudos de hematologia sobre outras doenças como lepra, ancilostomose e beribéri. A historiadora Simone Kopf (40) já sinalizou que naquele momento era grande o interesse no estudo do sangue no IOC devido à atenção dedicada à qualidade dos equipamentos usados na pesquisa, além do próprio Oswaldo Cruz também ter feito trabalho de hematologia em 1900.

A partir de 1916, a repercussão política dos trabalhos realizados no IOC com a divulgação das notícias das expedições científicas aos recônditos do Brasil foi insuflada com a frase do autor de “Hematologia Tropical” em um discurso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: “O Brasil é um imenso hospital”. Estes eventos e outros importantes acontecimentos marcaram o que a historiografia brasileira definiu como o movimento sanitarista da Primeira República cujo lema principal era promover o desenvolvimento socioeconômico do país através da eliminação de doenças e de uma maior atenção do Estado para com as populações do interior (41, 42, 43).

O médico Belisário Penna, importante personalidade deste movimento, retomou a questão da qualidade do sangue do brasileiro em discurso promovido pela Associação de Comércio, Indústria e Lavoura da cidade de Barbacena (MG) no ano de 1928. A “anemia brasileira”, condição amplamente difundida no país, seria a viva expressão e resultado do alcoolismo, de uma alimentação pobre, da infestação de vermes e da presença de doenças endêmicas (44). A definição calcava-se na contraposição às teorias de cunho determinista racial e climático, como alguns pares antes dele já haviam formulado:

Se é uniforme e de composição normal o sangue humano em toda parte, se não varia a sua morfologia, e a natureza bio-chímica de seus elementos componentes [...] por que se discutir a questão de raças, e se querer, à força, contra a lógica da phisiologia, anatomia e histologia, estabelecer distinções irritantes e proclamar superioridades éthnicas? Protesto energicamente contra semelhante doutrina sem base. A espécie humana é uma só (44, p. 4-5).

A qualificação da anemia como ocorrência natural nos corpos dos indivíduos dos trópicos era uma concepção bastante lógica ao imaginário social da época, o qual apregoava que os povos desta região eram inferiores aos europeus em diversos aspectos como a cultura, a capacidade de produção de bens de consumo, a intelectualidade e os valores morais. No caso do Brasil, o sangue tornava-se ainda mais empobrecido em razão da ampla mistura racial, tomada como modelo de degeneração física e moral para os teóricos da raça a partir de meados do século XIX (4).

O conhecimento das causas possíveis de uma anemia era, portanto, crucial para os cientistas brasileiros desde o século XIX até pelo menos meados dos anos 1930. A partir desta década, o melhor entendimento da fisiologia de produção e regeneração do sangue, especialmente das hemácias, provocou um estímulo aos médicos preocupados em entender as funções do sangue. Foi neste período que se difundiu a ideia de que algumas anemias poderiam ser curadas através da administração de ferro e de extratos de fígado, após a repercussão do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1934, laureado a cientistas norte -americanos que mostraram a cura da anemia perniciosa por extratos de fígado. A generalização do uso desses terapêuticos avançou nos anos 1930 e, no Brasil, o assunto que suscitou maior polêmica foi a anemia na ancilostomose, doença definida em um passado recente como singular aos habitantes dos trópicos.

A controvérsia em torno da terapêutica com o ferro na anemia da ancilostomose no Brasil

No Brasil, as promessas de cura de algumas anemias pelo ferro ajudaram no rebate dos determinismos racial e climático que ainda se discutiam como, por exemplo, os estudos sobre a viabilidade da aclimatação dos europeus nos trópicos (45) e os que reiteravam a anemia, o raquitismo e outras perturbações fisiológicas como consequências do o clima tropical (46).

A aplicabilidade do ferro e derivados no tratamento das anemias dependia da elucidação da patogenia de cada doença que levava à sintomatologia anêmica. Em 1932, uma das primeiras publicações brasileiras a respeito foi o artigo do assistente do IOC, Walter Oswaldo Cruz (1910-1967), 4 no qual tratou da anemia na ancilostomose (48).

A literatura científica já havia mostrado que indivíduos com a doença tratados com vermífugos continuavam a apresentar a anemia, mas as explicações sobre sua origem se dividiam na teoria tóxica, que incriminava substâncias tóxicas liberadas pelos vermes, e na hemorrágica, que apontava o consumo de sangue pelo verme (48).

O estudo de Walter Cruz foi apresentado nos mês de junho de 1933, na Academia Nacional de Medicina pelo diretor do IOC, Carlos Chagas (49). Relembrando o episódio em que Oswaldo Cruz (então diretor do IOC) apresentou a “descoberta” da doença de Chagas em 1909 (47), 5 a iniciativa era uma estratégia de convencimento de novas teorias através do apoio de uma autoridade científica e em um fórum de validação específico. A memória da grande repercussão nacional e internacional da descoberta de Chagas ainda estava viva, apesar das críticas contundentes dos últimos anos (40).

No entanto, os objetivos de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas eram diferentes, pois o primeiro buscava mostrar o valor da investigação laboratorial ao longo das duas primeiras décadas do século XX, exemplificando com as campanhas profiláticas que conduzira nas capitais e no interior do país, e ressaltar a importância da instituição na resolução dos problemas do Brasil. O início dos anos 1930 era, por sua vez, bem distinto, com estruturas sanitárias desenvolvidas, muitos institutos de pesquisa e iniciativas para a criação de universidades. O objetivo de Carlos Chagas era resgatar o papel protagonista do IOC na direção das políticas sanitárias do Estado ou pelo menos alcançar maior importância, perdida após a crise institucional e financeira dos anos 1920 (36, 40).

Os trabalhos de Walter Cruz sobre a anemia na ancilostomose refletiam parte de todo um planejamento de soerguimento da instituição como percebemos pela fala de Carlos Chagas Filho: “meu pai disse ao Walter: ‘Você vai estudar anemia verminótica [ancilostomose], porque anemia verminótica é muito importante’. E deu as facilidades para ele estudar” (50). Walter estava no penúltimo ano do curso de medicina, quando foi trabalhar no laboratório de Carlos Chagas e publicou seu primeiro artigo sobre a anemia na ancilostomose, quando ainda frequentava o Curso de Aplicação do IOC, o que mostra o empenho em uma divulgação imediata. A ancilostomose, embora tema de investigação e campanhas sanitárias há décadas, ainda era uma endemia grave no Brasil, mas a recente elucidação sua patogenia teria trazido, nas palavras de Carlos Chagas (49, p. 636), “às letras médicas brasileiras esclarecimentos sobre um problema ainda tão obscuro da nosologia”.

Na apresentação na ANM, Chagas procurou, assim, ressaltar o caráter inovador dos estudos de Walter Cruz. Entretanto, logo foi contestado pelo diretor do Serviço de Higiene Escolar, o médico Oscar Clark:

Hoje é uma noite de coincidências. Nada combinamos, ou falamos entre nós sobre anemias e verminoses e, no entanto, ao ler o Dr. Carlos Chagas esse trabalho do Dr. Walter Oswaldo Cruz, por pura coincidência encontrei entre os papéis que trouxe justamente um trabalho que estamos fazendo na segunda enfermaria com a mesmíssima orientação do tratamento da anemia grave dos opilados pelo ferro, quer os vermes sejam ou não expulsos (51, p. 633).

A intervenção de Clark subestimar a importância e originalidade que Chagas conferia à pesquisa realizada no IOC ao revelar que já vinha, há alguns anos, aplicando tal tratamento para a anemia na ancilostomose. Ademais, ao se firmar como referência nas discussões sobre os problemas sanitários do país, dizendo que “há certas épocas em que as enfermarias de clinica médica no Brasil são verdadeiras enfermarias de anêmicos e nada mais” (51), reduzia o protagonismo desejado por Chagas.

A polêmica provocou um debate imediato nas páginas de importantes periódicos médicos como o Boletim da Academia Nacional de Medicina, O Brazil Médico (51, 52) e A Folha Médica, na qual Clark organizou uma coletânea dedicada à “renascença da hematologia” em 1933. De acordo com Clark (53), o objetivo da coletânea era chamar atenção para avanço médico em relação à terapêutica das anemias através da administração do ferro, insistindo que isto não era oriundo dos estudos de Walter Cruz (54).

No entanto, após a publicação de artigos no Memórias do Instituto Oswaldo Cruz ao longo de 1933 e 1934, percebe-se, o que o próprio Walter Cruz havia mencionado, que a originalidade estava em decifrar a patogenia da ancilostomose e o papel do ferro no restabelecimento do quadro sanguíneo normal nesta doença (55, 56, 57, 58). Tanto é que já no ano de 1934 a “doutrina brasileira da patogenia da anemia ancilostomótica” de Walter Cruz aparece no livro Hematologia. Temas Modernos, do conhecido professor da Faculdade Nacional de Medicina, Helion Povoa (59). As falas de Oscar Clark nestas publicações nos mostram que o cenário nosológico do Brasil continuava balizado pelo sintoma da anemia:

[...] nenhum assunto médico tem maior importância nos países tropicais, nem mesmo a sífilis ou o impaludismo. Os habitantes dos países quentes sofrem, na sua enorme maioria, de pobreza sanguínea, já por causa das sangrias repetidas e prolongadas entretidas pelos ancilostomas, já pela destruição das hemácias pelos hematozoários, já pela nutrição muito pobre de ferro e deficiente em quantidade (sem grifo no original) (53, p. 386).

As anemias eram o sinal da disseminação de doenças infecciosas e das más condições de vida da população, principalmente, no que se refere à alimentação. A citação retrata como o tratamento da anemia era visto como uma medida tão necessária ou até mais importante do que a eliminação das doenças. Clark centralizou, deste modo, os problemas sanitários do país à questão da qualidade do sangue da população ao qualificar a anemia como condição difundida em grande parte dos brasileiros. A reflexão sobre o sangue do brasileiro permeava a ideologia do governo de Getúlio Vargas relativa à formação de um novo homem e à valorização do trabalho (60). As crianças representavam um dos papéis mais importantes nesta ideologia, pois seria a partir delas que se formaria o futuro homem brasileiro que, por conseguinte, trabalharia em prol da construção de um novo país (61).

Durante os anos 30, Clark atuou em instituições públicas com o apoio do Estado preconizando a assistência à saúde das crianças como uma iniciativa que deveria aliar as escolas aos hospitais, com o intuito de prevenir as doenças e assegurar o bom desempenho escolar (61). Clark mostrava-se, desta forma, diretamente envolvido com um grave problema sanitário que tinha grandes repercussões políticas em um momento de crescente preocupação com a organização científica do trabalho (60).

Walter Oswaldo Cruz, publicando sobre a ancilostomose na década de 1930, destacou a alimentação do brasileiro como uma das principais causas da presença da anemia na doença, mas ainda precisava engajar-se mais na resolução dos problemas sanitários do país, como Clark já o vinha fazendo. Isto ocorrerá com a continuação dessas pesquisas e com o desabrochar de novas frentes de investigação na Seção de Hematologia do IOC, após Walter frequentar laboratórios de hematologia na Alemanha e nos Estados Unidos em 1936 e 1940, respectivamente (47).

A criação da Seção de Hematologia do Instituto Oswaldo Cruz em 1940

A criação Seção de Hematologia no IOC possivelmente já era vislumbrada por Carlos Chagas, conhecedor da importância crucial da hematologia para as pesquisas microbiológicas. A área era muito promissora à época também em razão do desenvolvimento dos Bancos de Sangue e da utilização dos caracteres sanguíneos como meios de identificação racial e populacional.

O IOC havia atravessado, entretanto, uma década de obstáculos em razão da instabilidade econômica brasileira e da interferência do governo central em sua autonomia financeira. Se antes a instituição exercia papel de intermediário entre os interesses dos investidores do modelo agroexportador e o Estado, viabilizando a construção de grandes empreendimentos como ferrovias e represas através de campanhas sanitárias, depois de 1930 o Estado é o protagonista e mediador do projeto de desenvolvimento do país, formulado pelo governo de Getúlio Vargas. Os debates sobre as atribuições do IOC culminaram na aprovação da Reforma Capanema em 1937, a qual limitou a instituição às esferas da educação e pesquisa e destituiu sua autonomia financeira. A desvinculação com a saúde pública não foi, contudo, concretizada porque o governo desistiu de fundar um instituto responsável pela área, já que Evandro Chagas criara o Serviço de Estudo das Grandes Endemias (Sege) em 1937, quando já vinha empreendendo viagens pelo Brasil com o intuito de pesquisar e interferir sobre as endemias locais (40). Apesar de contar com verba do governo, as atividades do Sege foram financiadas, sobretudo, pelo maior investidor científico brasileiro da época, o empresário Guilherme Guinle, que mantinha estreita relação com as famílias Chagas e Cruz há décadas (62).

Em 1938, a convite de Evandro Chagas, Walter Cruz percorreu quatro estados do Nordeste e um do Norte do Brasil realizando análises de sangue em milhares de pessoas para avaliar o nível da hemoglobina no sangue de populações brasileiras (63). Sabia-se então que a hemoglobina é uma proteína formada por átomos de ferro, responsável pelo transporte de oxigênio e gás carbônico no organismo e que existia em maior quantidade nas hemácias. Daí a importância das dietas ricas em ferro para evitar o aparecimento de certas anemias.

A análise in loco da relação da anemia na ancilostomose com a alimentação dos indivíduos afetados foi a justificativa da viagem, mas se tornou secundária ao objetivo principal, que foi o exame da “relação existente entre a condição de vida de uma população e a sua riqueza hemoglobínica” (63, p. 280). Buscava-se, portanto, analisar por uma ótica mais ampla o problema das anemias de carência interpretando-as como a interferência de fatores culturais e econômicos na composição do sangue. 6 O mapeamento do corpo humano, conforme mencionado, constituía a nova cultura da sociedade urbano-industrial e é nesse sentido e, tendo em vista o contexto que valorizava otimização da produção laboral na Era Vargas, que Walter Cruz afirmou querer “levantar um mapa hemático do Brasil, segundo regiões geográficas e condições econômicas” (63, p. 280).

O financiamento de Guinle foi crucial para o deslanche da seção de hematologia (62), onde a partir da década de 1940, Walter O. Cruz se dedicou às pesquisas sobre regeneração do sangue, tendo como base de investigação os estudos da anemia na ancilostomose (21, 64, 65, 66). Uma ramificação destes estudos foram as “hemoglobinometrias”, iniciadas com a viagem de 1938 e desenvolvidas nos anos 1940 apenas em populações urbanas (30, 67, 68).

As viagens e as atividades de pesquisa empreendidas fora da seção, associadas às análises laboratoriais dos processos fisiológicos do sangue, tornaram-se a principal fonte de materiais para os membros da Seção de Hematologia. As regiões interioranas do Brasil e as populações indígenas entraram no “mapa hemático do país” através das pesquisas de determinação dos grupos sanguíneos e da identificação das hemácias falciformes do assistente Ernani Martins da Silva (69).

Nessa linha de investigação, o estudo da anemia falciforme contribuía para o entendimento da composição do sangue nas anemias hereditárias, pois o interesse pelo fenômeno de falciamento, ou seja, a transformação da hemácia da forma normal à forma de foice, residia na compreensão das etapas de formação da hemácia e de sua correlação com os caracteres hereditários. O interesse no fenômenorefletia também o empenho em formular interpretações relativas à formação racial do país, em razão de sua correlação com os descendentes de africanos que compõe grande parte de nossa população.

A partir de 1942, quando o Brasil entra na Segunda Guerra Mundial, há um grande incremento no estudo das propriedades do sangue, devido principalmente à fundação dos primeiros Bancos de Sangue do país (70). A participação no conflito também acarretou no aumento da produção de materiais biológicos como o plasma, as vacinas e os quimioterápicos pelo IOC (40). A preocupação com a qualidade do sangue das transfusões despontava nos debates em razão da duvidosa saúde do doador brasileiro como vemos pela fala do pediatra Vicente Lara em 1945:

Não padece a menor dúvida tanto por [...] seu baixo nível alimentar e de seu intenso grau de infestação verminótica, ou ainda pela mancomunação de ambas, tem a nossa meninada frequentemente o seu sangue espoliado [...] Aliás este problema é geral a todo Brasil; São Paulo não é o único Estado a sofrer estas conseqüências [...] Oscar Clark no Rio [...] muito se tem debatido em prol desta magna questão [...] em mais de um dos seus trabalhos deparam-se frases deste teor: “O sangue do brasileiro é mais pobre do que o tesouro nacional”. “O uso do ferro é um dos maiores fatores de civilização do Brasil” (sem grifo no original) (71, p. 122).

A esta altura, a nutrição já se firmava como disciplina no país com a fundação da Sociedade Brasileira de Nutrição em 1942, e a criação dos Arquivos Brasileiros de Nutrição e do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil em 1944 (72). Em 1946, mais uma vez se reiterava que a condição insalubre de muitos grupos populacionais do Brasil se explicava pela fome e não pela raça, através da célebre obra de Josué de Castro “Geografia da Fome” (73). Os trabalhos desenvolvidos na seção chefiada por Walter Cruz refletiam, portanto, preocupações antigas das elites brasileiras em relação à constituição do corpo do brasileiro e que nas décadas de 1930 e 1940 se revestiram com as ideologias de valorização do trabalho e de formação da nacionalidade do governo Vargas (74). Com as hemoglobinometrias apontava-se a relação dependente entre condição socioeconômica, alimentação e anemia, o que justficava o investimento industrial aliado ao combate às doenças como meios para progresso material e social. No que tange ao planejamento da construção de uma nacionalidade, as pesquisas de identificação pelo sangue da composição racial da população iriam auxiliar na estimativa das proporções das raças do país e, assim, poderiam guiar as restrições à imigração de populações vistas como empobrecedoras da “raça brasileira”.

O simbolismo do sangue permeava as discussões sobre imigração e miscigenação, uma vez que o conceito de hereditariedade ainda se baseava na “teoria da mistura dos sangues”, que dizia ser a constituição de um indivíduo o resultado da mistura do sangue de seus pais (16). Com base nesta acepção, buscou-se determinar no Brasil, entre as décadas de 1920 e 1940, o grau de miscigenação e pureza de grupos populacionais, através da determinação dos grupos sanguíneos.

As pesquisas hematológicas interpretam a formação racial do Brasil

As teorias racistas do século XIX já defendiam uma valoração hierárquica dos sangues das “raças humanas”, possivelmente pautadas por concepções discriminatórias de ancestralidade como os Estatutos de Limpeza do Sangue do século XV. Foi, contudo, apenas em 1919, com a criação de um “índice bioquímico de raça”, que esta diferenciação passou a ser referendada cientificamente. Sem defender diferenças hierárquicas, os médicos poloneses Ludwik Hirszfeld e Hanna Hirszfeld sugeriram este índice com base na pesquisa dos grupos sanguíneos A e B em soldados de nacionalidades europeias, africanas e asiáticas cujo resultado indicou uma frequência variável conforme a origem dos soldados (75).

A utilização dos grupos sanguíneos como indicadores raciais ou na determinação da paternidade ocorreu de maneira diferenciada em determinados países, pois sua maior adesão dependia do maior ou menor interesse em diferenciar racialmente suas populações. Nos Estados Unidos, por exemplo, desdobrou-se uma polêmica acerca da validade de sua utilização como marcadores raciais nos anos 1930; e sua inserção como evidência para os processos jurídicos de determinação da paternidade só foi aceita a partir de 1936 (12). Enquanto isso, no mundo germânico, o interesse no estudo dos grupos sanguíneos foi amplo desde os anos 1920 até meados dos anos 1940, com o crescente fortalecimento da ideologia de superioridade racial, adotadas oficialmente pelo Nacional Socialismo alemão em 1933. Em Viena, essa adesão resultou na criação da Deutsche Gesellschaft für Blutgruppenforschung (Sociedade Alemã para a Pesquisa dos Grupos Sanguíneos) em 1926, cuja meta principal era elaborar um mapa mundial que associaria a frequência dos grupos sanguíneos aos dados tradicionais da antropologia física para classificar os grupos humanos (13).

No Brasil, tais pesquisas começaram já na década de 1920 (76), quando os debates sobre a composição racial do povo brasileiro predominavam nas negociações políticas sobre a imigração (77). Nesse momento, mudanças conceituais importantes são realizadas pelos especialistas em Antropologia Física do Museu Nacional do Rio de Janeiro que se afastam da visão de que a causa da degeneração física do povo brasileiro era miscigenação, para abraçarem a ideologia sanitarista, que indicava a falta de saúde e educação como as causas explicativas (78). Em paralelo ao debate sobre a origem da degeneração, os grupos sanguíneos foram extensamente aplicados às pesquisas de distribuição racial conduzidas por vários rincões do Brasil (77, 79, 80).

Ao longo da década de 1940, a seção de hematologia do IOC foi palco do desenvolvimento de pesquisas sobre a distribuição racial dos grupos sanguíneos e das hemácias falciformes no Brasil (81, 82, 83, 84, 85, 86, 87). As hemácias falciformes eram reconhecidas como característica distinta de uma doença crônica e hereditária que se convencionou chamar de anemia falciforme. Apesar de muitas vezes ser observada em indivíduos brancos, desde o início foi vinculada às pessoas com ascendência africana, o que a tornou um marcador racial.

Os grupos sanguíneos e as hemácias falciformes foram usados como critérios de demarcação racial que demonstravam, por um lado, a miscigenação entre as raças e, por outro, os grupos que haviam se mantido “puros” (88). Deste modo, os indivíduos que mais interessavam a Ernani Silva eram os indígenas, que serviam à confirmação da origem africana da anemia falciforme, e os grupos miscigenados, nos quais identificaria o grau de mistura, através de uma fórmula matemática baseada nos grupos sanguíneos (89, 90, 91).

A fórmula para o cálculo da mistura racial foi elaborada em meados dos anos 1940 pelo cientista alemão radicado em São Paulo, Fritz Ottensooser 7 com a qual se determinava a quantidade de branco, índio ou negro que cada indivíduo mestiço possuía, além da determinação da quantidade dos chamados brancos, índios e negros “puros” (89). No mesmo ano, Ottensooser e o antropólogo italiano Ettore Biocca defenderam que os exames de características do sangue eram mais exatos do que os exames utilizados pela antropologia física para a classificação racial dos indivíduos, pois, ainda que os quatro grupos sanguíneos (A, B, AB e O) fossem encontrados na maioria dos povos com diferenças apenas em suas frequências, os fatores Rh, M e N afastariam quaisquer dúvidas relativas à classificação racial (90).

Seguindo a meta de seu chefe em “fazer um mapa hemático” do Brasil, Ernani Silva produziu vários trabalhos sobre a fisiologia do sangue sob o respaldo de suas investigações de campo. O estudo das anemias hereditárias ajudava na compreensão da produção e regeneração sanguínea, além de contribuir para o entendimento da relação entre hereditariedade, raça e constituintes sanguíneos, o que também era estudado com os grupos sanguíneos. Tais análises atendiam, portanto, às expectativas do período no tocante à compreensão da formação da nacionalidade.

Conclusões

Desde o final do século XIX até meados do XX, os estudos sobre o sangue são conduzidos por cientistas e médicos com interesses que variavam entre: a identificação das causas das anemias, as diferenças de composição do sangue durante o curso de infecções microbianas, e a determinação de substâncias sanguíneas que permitissem estabelecer diferenças entre os grupos humanos. Não se pode enquadrá-los como fisiologistas, pois não atuavam em laboratórios de fisiologia nem se identificavam como tais. No entanto, produziram conhecimentos que são próprios à fisiologia do sangue como as fases da regeneração sanguínea, o papel do ferro na produção de hemoglobina, e a relação entre hereditariedade e componentes sanguíneos. A iniciativa de empreender histórias alternativas da fisiologia é, portanto, um esforço para problematizar a demarcação estrita de campos de saber nas ciências naturais (10). A fisiologia, enquanto área de conhecimento das funções orgânicas do corpo humano e animal, abarca uma série de empreendimentos cognitivos que mobilizam saberes não apenas das ciências naturais.

O conhecimento relativo ao corpo dos indivíduos era crucial para esta tarefa e o sangue era o elemento que mais revelava suas características. Neste sentido, as análises sanguíneas eram tecnologias que não apenas definiam doenças, mas também novas identidades, especialmente, para mulheres, negros e trabalhadores industriais (92). Percebemos o interesse para além das compreensões estritamente orgânicas com participação de instituições fora do âmbito das ciências naturais como, por exemplo, a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários da Central do Brasil no I Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia aberto por em 1950, por Walter Oswaldo Cruz (93).

Foram a partir das análises de sangue que os cientistas da Seção de Hematologia do IOC contribuíram para a compreensão da fisiologia sanguínea e para as questões políticas e socioculturais caras àquele momento, quais sejam: a formação da nacionalidade, a composição racial do povo brasileiro e os meios de subsidiar a entrada do país no concerto das nações civilizadas através da industrialização. A um só tempo, as pesquisas desta seção abarcaram as discussões brasileiras sobre doença, saúde, trabalho, raça e nacionalidade, ocorridas ao longo da primeira metade do século XX que refletiam os anseios de vários intérpretes do Brasil.

Agradecimentos

Trabalho realizado com auxílio do PNPD/CAPES

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Notas

2 Para mais informações, ver em: http://www.gesctp.com/relahifi/

3 O Instituto Oswaldo Cruz foi inaugurado em 1900, com o nome de Instituto Soroterápico Federal, para a produção de soro e vacina contra a peste bubônica, que havia provocado um surto epidêmico em Santos, cidade portuária mais importante do Brasil. Ao longo dos primeiros vinte anos de sua história, a instituição se destacou nacional e internacionalmente, devido às campanhas de profilaxia conduzidas pelo interior e, principalmente, na capital do país (Rio de Janeiro) e pela descoberta da doença de Chagas em 1909. Depois de Instituto Soroterápico Federal, a instituição foi nomeada “Instituto de Patologia Experimental” e, logo em seguida, Instituto Oswaldo Cruz (36).

4 Filho de Oswaldo Gonçalves Cruz e Emilia Fonseca da Cruz, Walter Oswaldo Cruz formou-se na antiga Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (atual Universidade Fedaral do Rio de Janeiro) em 1930. No penúltimo ano do curso foi trabalhar no laboratório de Carlos Chagas no IOC, onde se familiarizou com os estudos hematológicos abordando particularmente as causas da anemia na ancilostomose; entre os anos de 1931 e 1932 fez o Curso de Aplicação dessa instituição. A partir de 1936, Waltr Cruz realizou diversas viagens à Alemanha e Estados Unidos para estagiar em laboratórios de pesquisa hematológica (47).

5 Quando Carlos Chagas ainda estava no interior do Brasil pesquisando sobre a nova entidade mórbida, Oswaldo Cruz apresentou à ANM a pesquisa de seu discípulo, o qual identificou o parasito, o vetor e os sintomas clínicos de uma enfermidade ainda desconhecida, mas que provavelmente era disseminada pelo país (40).

6 Segundo Cruz (63), a relação entre nível econômico e a quantidade de hemoglobina foi quase sempre a mesma: quanto melhor a situação financeira, maior era o valor da hemoglobina no sangue. No entanto, uma comunidade de pescadores de Fortaleza, embora bastante carente de recursos financeiros, apresentou uma das melhores taxas de hemoglobina que foram explicadas por Cruz pelo hábito alimentar dos pescadores de comer fígado de peixe da região.

7 Fritz Ottensooser nasceu em Nuremberg na Alemanha em 1891. Formou-se médico doutor no ano de 1915 pela na Universidade de Heidelberg e, em 1924, doutorou-se em química pelo trabalho sobre proteínas do soro. De 1926 a 1930 trabalhou no Instituto de Terapia Experimental em Frankfurt am Main e de 1930 até 1941 no Instituto de Higiene de Berna, na Suíça, onde realizou estudos sobre a utilização dos grupos sanguíneos na determinação da paternidade e defendeu a tese de livre docência sobre o aglutinogênio A. Em 1942, veio trabalhar no Laboratório Paulista de Biologia em São Paulo, onde permaneceu ativo até sua morte aos 24 de dezembro de 1974 (90).

Autor notes

1 PhD

Informação adicional

Para citar este artigo: Manzoni Cavalcanti J. As pesquisas fisiológicas sobre o sangue e as interpretações do Brasil na primeira metade do século XX. Rev Cienc Salud 2015; 13 (esp): 47-64. Doi: dx.doi.org/10.12804/revsalud13.especial.2015.04