DISPOSITIVO PEDAGÓGICO DA MÍDIA E REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE EM: SHE-RA AND THE PRINCESSES OF POWER

The Pedagogical Instrument of the Media and Gender and Sexuality Representations in She-Ra and the Princesses of Power

Dispositivo pedagógico de los medios y representaciones de género y sexualidad en She-ra and the Princesses of Power

Cecília Almeida Rodrigues Lima
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Marcela Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Soraya Maria Bernardino Barreto Januário
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Gêsa Karla Maia Cavalcanti
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Diego Moreira Gouveia
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Talitta Oliveira Cancio dos Santos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

DISPOSITIVO PEDAGÓGICO DA MÍDIA E REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE EM: SHE-RA AND THE PRINCESSES OF POWER

Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones", vol. 15, núm. 1, 2022

Universidad del Rosario

Recepção: 14 Janeiro 2021

Aprovação: 11 Fevereiro 2021

Publicação: 11 Junho 2021

Informação adicional

Para citar este artigo: Rodrigues Lima, C. A., Costa, M., Bernardino Barreto Januário, S. M., Maia Caval- canti, G. K., Moreira Gouveia, D., & Cancio dos Santos, T. O. (2022). Dispositivo pedagógico da mídia e representações de gênero e sexualidade em: She-Ra and the Princesses of Power. Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social “Disertaciones”, 15(1), 1-21. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.10119

Resumo: O presente artigo discute as representações de gênero e sexualidade na série animada She-ra and The Princesses of Power (2018-2020). Para tanto, foi realizada uma pesquisa descritiva e exploratória com fãs do desenho de todo o mundo. A partir de conceitos como dispositivo pedagógico da mídia, gênero, sexualidade e representação, além dos pressupostos metodológicos da Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), foi possível compreender o papel da série como instrumento pedagógico capaz de desencadear processos de subjetivação em sua audiência. A análise chegou a três categorias de comentários: conhecimento de si; afirmação de si; legitimação do outro. Narrativas audiovisuais podem legitimar, reiterar e naturalizar comportamentos, práticas e identidades, na maioria das vezes, invisibilizando minorias. She-Ra propõe representações de gênero e sexualidade que sub- vertem as lógicas heteronormativas e, para os fãs, é isso que faz do desenho tão importante, contribuindo para o entendimento e a legitimação de quem são, além de ensinar novas pedagogias, na contramão do discurso hegemônico ainda disseminado pela mídia.

Palavras-chave: gênero, sexualidade, dispositivo pedagógico de mídia, She-Ra e as princesas do poder, representação.

Abstract: This article assesses the gender and sexuality representations in the cartoon, She-Ra and the Princesses of Power (2018–2020). A descriptive and exploratory study was conducted with the fans of the series worldwide. Based on concepts such as the media as a pedagogical instrument, gender, sexuality, and representation, in addition to the methodological assumptions of content analysis (Bardin, 2011), it was possible to understand the role of the series as a pedagogical instrument that can trigger processes of subjectivation among the audience. The analysis suggested three comment categories: self-awareness, self-affirmation, and legitimization of others. Audiovisual narratives may legitimize, reaffirm, and normalize behaviors, practices, and identities by keeping minorities hidden in most cases.

She-Ra puts gender and sexuality representations forward, thereby subverting heteronormative rationalities. The fans consider these aspects as the most important part of the series. These aspects contribute to understanding and legitimizing their identities, besides teaching new pedagogies that are not parallel with the hegemonic discourse being portrayed by the media.

Keywords: Gender, sexuality, media pedagogical instrument, She-ra and the princesses of power, representation.

Resumen: Este artículo analiza las representaciones de género y sexualidad en la serie animada She-ra and The Princesses of Power (2018-2020). Para ello se llevó a cabo una investigación descriptiva y exploratoria con aficionados a la serie de todo el mundo. A partir de conceptos como el dispositivo pedagógico de los medios, el género, la sexualidad y la representación, además de los supuestos metodológicos del Análisis de Contenidos (Bardin, 2011), fue posible comprender el papel de la serie como instrumento pedagógico capaz de desencadenar procesos de subjetivación en su audiencia. El análisis alcanzó tres categorías de comentarios: autoconocimiento; autoafirmación; legitima- ción del otro. Las narrativas audiovisuales pueden legitimar, reiterar y naturalizar comportamientos, prácticas e identidades, en la mayoría de los casos, invisibilizando a las minorías. She-Ra propone representaciones de género y sexualidad que subvierten lógicas heteronormativas y, para los seguidores, esto es lo que hace que la serie sea tan importante, contribuyendo a la comprensión y legitimación de quiénes son, además de enseñar nuevas pedagogías, frente al discurso hegemónico aún difundido por los medios.

Palabras clave: género, sexualidad, dispositivo pedagógico mediático, She-Ra and the princesses of power, representación.

Na última década, experienciamos a potencialização de movimentos político-sociais que se articularam, princi- palmente, por meio das novas formas de militância possibilitadas pela cultura da conectividade. Tais movimentos (re)colocaram em pauta o aspecto representacional relacionado a raça, gênero e sexualidade na grande mídia, principalmente em produtos audiovisuais. A articulação desses fatores abriu espaço num cenário que —embora continue sendo majoritariamente branco, heterossexual e masculino— apresenta sinais de mudança com um aumento de representações que não estão ancoradas nos padrões dominantes.

Essa abertura se dá em diferentes ritmos e na mídia como um todo, mas é no consumo sob demanda, em plataformas como Netflix e Hulu, que o entretenimento televisual encontra maior liberdade para abordar ques- tões consideradas socialmente controversas e reimaginar configurações de mundo em que a supremacia branca, a heteronorma ou o patriarcado não sejam as formas hegemônicas. Considerando que as referências repre- sentacionais oferecidas pela mídia mantêm relação estreita e complexa com o modo como fazemos sentido do mundo, focamos neste trabalho nas pedagogias representacionais relacionadas à noção de gênero e sexualidade na série infantil She-ra and The Princesses of Power (SPOP).

Teresa de Lauretis (1994) afirma que diferentes tecnologias sociais produzem o que se entende por gênero. De acordo com ela, a construção do gênero acontece na mídia, nas escolas, nos tribunais, na família: “[...] a cons- trução do gênero ocorre hoje através das várias tecnologias do gênero (p. ex., o cinema) e discursos institucionais (p. ex., a teoria) com poder de controlar o campo do significado social e assim produzir, promover e ‘implantar’ representações de gênero” (p. 228).

O tratamento da hetorossexualidade como autoevidente significa, para a pessoa que não se enquadra nos padrões de gênero de matriz heterossexual, uma ausência de referencial que determina um processo que Junot Diaz (Rae, 2015) define como “monstrualização”, um processo de negação do direito ao reflexo. Na grande mídia, universos ficcionais inteiros são imaginados excluindo qualquer corpo que não se enquadre na heteronorma, o que faz com que as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Questionando, Intersex, Assexuais, Arromânticas, Agêneras, Pansexuais, Polissexuais e mais (LGBTQIAP+) precisem viver no subtexto representacional.

Esse contexto reforça a necessidade de examinar as representações que escapam da abordagem da heterossexualidade como norma e que permitem algum nível de representação. É isso que acontece com produções como SPOP, objeto de estudo deste artigo. Para compreender como as representações de gênero e sexualidade na série foram percebidas pela audiência, utilizamos um levantamento via questionário, com metodologia de base descritiva e qualitativa, que nos permitiu compreender o potencial da série como um dispositivo pedagógico de mídia, possibilitando outras leituras sobre gênero e sexualidade.

Partimos da noção de dispositivo (Foucault, 1995; Agamben, 2009) para pensar o papel da mídia e seus processos de subjetivação na construção de tecnologias de gênero e sexualidade que suportam práticas de rupturas, como, por exemplo, a pedagogia da diversidade e a da diferença (Cavalcanti & Ferreira, 2020). Além disso, discutimos o modo como a representação de personagens LGBTQIAP+ tem passado por mudanças.

A mídia como dispositivo pedagógico

As vivências sociais contemporâneas têm experimentado, especialmente na égide das consequências da globalização, novos modos de subjetivação, (re)construções identitárias e culturais. Especialmente quando observamos o processo de midiatização impulsionado pelas novas tecnologias da comunicação (Sodré, 2002). A mídia possui um papel mediador de conhecimento, bem como legitima, naturaliza e reforça comportamentos sociais incidindo no processo de ensino e aprendizagem, nas interações sociais e na formação de subjetividades.

Fazse pertinente iniciar essa discussão compreendendo o conceito de subjetivação e, por conseguinte, o de objetivação. Para explicitar tal conceito, recorremos às teorias de Foucault (1995) sobre os modos de subjetivação. O filósofo centrou suas pesquisas na construção de uma teoria do sujeito, sob perspectivas distintas da tradição

filosófica hegemônica, no qual não havia uma indagação ontológica que buscaria construir uma teoria geral dos sujeitos, mas sim uma analítica dos diferentes modos de subjetivação. O autor defendeu o sujeito como uma forma diversa, não como uma substância. Para Foucault (1995), o sujeito é o ser constituído em uma trama histórica, que considera a constituição dos saberes.

Foucault (1995) refletiu sobre os “diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos se tornaram sujeitos” (p. 231). Podemos dizer que a subjetivação é o processo de tornarse sujeito. É “a maneira pela qual o sujeito faz a experiência de si mesmo em um jogo de verdade, no qual se relaciona consigo mesmo” (Foucault, 2004, p. 236). Nesse processo, criamos relações com o que nos rodeia e compreendemos que há maneiras diversas de se subjetivar, no qual o sujeito pode manter ou transformar sua identidade, agindo de maneira diferenciada no seu percurso histórico (Foucault, 1999). Processos de subjetivação envolvem agenciamentos entre os sujeitos, instituições e corpos, e referemse ao modo como o próprio ser irá se compreender como sujeito legítimo. Já os processos de objetivação dizem respeito ao modo como o sujeito se torna um objeto para o conhecimento. A objetivação e a subjetivação são complementares e se relacionam por meio de ‘jogos de verdade’. Com efeito, influenciam na construção de crenças e valores que vão constituir a experiência coletiva e podem atuar como dispositivo disciplinador (Foucault, 1979).

Deleuze et al. (1999) argumenta o conceito de dispositivo como multilinear, embasado em três eixos que se referem às dimensões observadas por Foucault: saber, poder e (produção ou modos de) subjetivação. O dispositivo se inscreve sempre em relações de poder que se cruzam com relações de saber. O dispositivo atua nas subjetividades individuais, docilizando o indivíduo que é controlado pelo poder exercido em várias esferas sociais, especialmente em instituições disciplinares como escola, igreja, Estado etc. O conceito de dispositivo foi estudado também por Agamben (2009), a partir de Foucault, que relata:

Chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes. Não somente, portanto, as prisões, os manicômios, o Panóptico, as escolas, a confissão, as fábricas, as disciplinas, as medidas jurídicas etc., cuja conexão com o poder é num certo sentido evidente, mas também a caneta, a escritura, a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, os telefones celulares e – por que não – a própria linguagem, que talvez é o mais antigo dos dispositivos, em que há milhares de anos um primata – provavelmente sem se dar conta das consequências que seguiriam – teve a inconsciência de se deixar capturar. (Agamben, 2009, pp. 40-41)

Os comportamentos reiterados socialmente funcionam também sob forma de “dispositivos pedagógicos” (Schérer, 2006). Schérer defende que o conceito trata de “um conjunto heterogêneo, disposto na forma de uma rede, que engloba discursos e pensamentos, mas também instituições e arquiteturas, leis e ações de administração, proposições filosóficas e verdades científicas, máximas morais e religiosas” (De Carvalho & Gallo, 2017, p. 627). Um desses dispositivos pedagógicos é a mídia. Fischer (2002) argumenta ser indispensável perceber a mídia como instituição disciplinar e um lugar de formação juntamente à escola, à família e à religião. A partir daí, deu gênese ao conceito de “dispositivo pedagógico da mídia”. Para a autora:

[...] significa tratar de um processo concreto de comunicação (de produção, veiculação e recepção de produtos midiáticos), em que a análise contempla não só questões de linguagem, de estratégias de construção de produtos culturais (no caso aqui referido, de programas televisivos), apoiada em teorias mais diretamente dirigidas à compreensão dos processos de comunicação e informação, mas sobretudo questões que se relacionam ao poder e a formas de subjetivação. (p. 155)

Na sociedade e, consequentemente, na mídia, ocorreu um deslocamento do interesse social e dos blocos de poder centralizados nas instituições disciplinares (Foucault, 1979) e conservadoras, para espaços e representações mais diversas e plurais. A flexibilização de modos de produção e representação, responsáveis por gerar o consumo midiático, produziu novas formas de perceber valores e interpretar a cultura. Através de prerrogativas mais plurais, a demarcação dos significados sociais fragmentados, fluidos e diversos começou a desenhar um novo cenário de encenações midiatizadas. Nesse sentido, vale discutir como esses dispositivos pedagógicos de mídia têm atuado para produzir tecnologias de gênero.

Mídia e padrões de tecnologias de gênero e sexualidade

A televisão (e, nesse sentido, incluímos também a oferta de conteúdos audiovisuais sob demanda) faz parte do processo de como concedemos sentido às coisas, ajudando a “urdir o tecido da vida cotidiana [...] modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, bem como fornecendo material com que as pessoas forjam sua identidade” (Kellner, 2001, p. 9).

Narrativas midiáticas são permeadas por representações que contribuem na formação do imaginário social (Baczko, 1985), estabelecendo debates sobre questões político-sociais. Para analisar representações sociais como as de pessoas LGBTQIAP+, é fundamental considerar “como o conhecimento elaborado por determinado discurso se relaciona com o poder, regula condutas, inventa ou constrói identidades e subjetividades e define o modo pelo qual certos objetos são representados” (Hall, 2016, p. 27).

As representações apresentadas pela mídia contribuem no processo de formação da identidade e da diferença. Para Silva (2012), a existência de identidades se dá pela multiplicidade. O processo de criação de uma identidade é baseado naquilo que não somos, que vemos como o outro, para então enxergarmos o que somos. Esta é uma relação de poder: identidade e diferença “não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas” (Silva, 2012, p. 81). Nesse processo, definese o que é bom ou mau, quem pertence ou não pertence, entre outras classificações que incluem ou silenciam determinados grupos. O que é considerado ‘normal’, ‘natural’ ou ‘desejável’ depende da existência do que é considerado ‘anormal’ ou ‘abjeto’,1 porque as definições das identidades hegemônicas só fazem sentido quando há a marcação da sua diferença (Silva, 2012).

Segundo Jenkins e Campbell (2006), a heterossexualidade é vista como universal, enquanto outras manifestações de desejo seriam demasiadamente particulares para suportar o peso de uma questão tão global como “a natureza do amor”. Assim, personagens heterossexuais e cisgêneros por muito tempo representaram todos aqueles que amam nas narrativas audiovisuais, reforçando aquilo que Rich (1980) nomeou de “heterossexualidade compulsória”. Segundo Schwade (2010), o conceito “diz respeito à imposição de um modelo e conteúdo de relacionamento, entre homens e mulheres e entre mulheres, enfim, como definidor de relações sociais que são marcadas pela diferença naturalizada dos sexos” (p. 60).

O dispositivo midiático televisivo como tecnologia de gênero por muito tempo silenciou, apagou ou confinou pessoas LGBTQIAP+ em papéis temáticos específicos. A forma mais comum de vermos essas pessoas na ficção audiovisual era por meio de personagens secundários, sem desenvolvimento narrativo, presos a lugares e performances recorrentes como o homem gay afeminado que oferece alívio cômico. Além disso, ainda hoje, o homem branco homossexual ocupa a maior parte dessas representações, apesar de toda a diversidade de identidades da sigla.

Muitas vezes, esses personagens são retratados de forma unidimensional o próprio enredo se refere a apenas um aspecto de sua personalidade. É comum, por exemplo, relacionar a descoberta da sexualidade a um processo doloroso e de muito sofrimento. Essa abordagem vai de encontro com a panóplia de opções oferecida aos persona- gens héteros, cujos conflitos e motivações não estão centrados em sua orientação sexual (Lima & Cavalcanti, 2018). Além de aparecerem em menor quantidade, personagens LGBTQIAP+ costumam receber um tratamento qualitativamente diferente dos heterossexuais, principalmente no que diz respeito à demonstração de afeto e atividade sexual. Jenkins e Campbell (2006) pontuam que a atração entre pessoas de mesmo gênero sobrevive nas telinhas por meio de sorrisos, trocas de olhares sugestivos ou toques nas mãos. Em muitos casos, personagens gays, lésbicas ou bissexuais podem ser lidos como amigos íntimos, e não como casais de fato, na negacão do direito ao reflexo.

A representação de personagens LGBTQIAP+ é também profundamente influenciada por padrões binários e heteronormativos – um casal quase que obrigatoriamente é representado por alguém que performa feminilidade e por outro que performe masculinidade, mesmo que sejam do mesmo gênero. Sujeitos pertencentes à sigla costumam ser tratados como se sua sexualidade estivesse subordinada à hegemonia da heteronormatividade (Dhaenens, 2011), pelo viés da diferença. Aquele que não é hétero ou cisgênero é situado como o outro, a exceção que confirma a regra da heterossexualidade compulsória.

A heterossexualização do desejo requer e institui a produção de oposições discriminadas e assimétricas entre “feminino” e “masculino”, em que estes são compreendidos como atributos expressivos de “macho” e “fêmea”. A matriz cultural por intermédio do qual a identidade de gênero se torna inteligível exige que certos tipos de “identidade” não possam “existir” isto é, aquelas em que o gênero não decorre do sexo e aquela em que as práticas do desejo não “decorrem” nem do “sexo” nem do “gênero”. [...] Ora, do ponto de vista desse campo, certos tipos de “identidades de gênero” parecem ser meras falhas do desenvolvimento ou impossibilidades lógicas, precisamente por não se conformarem às normas da inteligibilidade cultural. (Butler, 2003, pp. 38-39)

Em narrativas audiovisuais ocidentais voltadas para o público infantil, essas representações são ainda mais escassas. Se considerarmos os principais estúdios de produção em larga escala para este público, como a Disney, identificamos quase imediatamente que as noções de amor apresentadas em suas histórias estão alinhadas a padrões heteronormativos, com pouca ou nenhuma presença de outros modelos de relacionamento. Assim considerado o papel da mídia em promover pedagogias e modelos de comportamento, bem como contribuir em processos de subjetivação e construção identitária, há ainda uma grande lacuna a ser preenchida no que diz respeito à diversidade de representações.

Para Butler (2003), é importante contestar o status quo que consiste em deslocar categorias tais como “homem”, “mulher”, “macho” e “fêmea”, revelando como elas são discursivamente construídas no interior de uma matriz heterossexual de poder. Nascer com pênis ou vagina determinava o gênero masculino ou feminino com o qual os sujeitos eram identificados, respectivamente. As ideias de Butler, nos anos 90, seguem a linha de Michel Foucault, rompendo com a ideia da naturalidade do sexo e do gênero. Butler propõe pensar o gênero como algo fluido, socialmente construído, performado.

Para a autora, sexo/gênero precisam ser entendidos a partir de uma perspectiva não natural, mas cultural. Ela aponta como a heterossexualidade compulsória materializou nos corpos, modos de ser masculinos e femininos. Com isso, não se quer dizer que as pessoas com identidades binárias estejam erradas – elas são fruto dessas tecnologias de gênero que engendraram seus modos de ser. Há, entretanto, possibilidades de subversão a esse modelo, que produzem descontinuidades e dissonâncias em relação a sexo, gênero e desejo, mas que seguem sendo subrepresentadas pelos dispositivos midiáticos.

Nas representações midiáticas, é possível observar mudanças e tentativas de ruptura, influenciadas por conquistas sociais e políticas que afetam diretamente as vidas das populações LGBTQIAP+ em vários países como o direito de ter sua união reconhecida e legitimada pelo Estado. Personagens que desafiam padrões binários de sexualidade e de gênero têm sido apresentados em maior quantidade e, também, em múltiplas dimensões. Isto ocorre de modo explícito em SPOP, como veremos na seção a seguir.

Representações de gênero e sexualidade em spop

SPOP foi uma série de animação produzida pela Dreamworks Animation e distribuída pela Netflix, um remake de She-Ra: Princess of Power, produzida pela Filmation em 1985 como complemento para o popular desenho He-Man and the Masters of the Universe, criado para promover a linha de brinquedos Masters of the Universe, da Mattel. Conta a história de Adora, uma adolescente que foi criada para ser um soldado da Horda, um grupo de guerreiros liderados pelo maligno Hordak para dominar o planeta mágico Etheria e destronar as princesas que governam seus diferentes reinos. A jovem descobre que está lutando pelo lado dos opressores quando encontra uma espada que permite que ela se transforme em She-Ra, uma heroína superpoderosa destinada a equilibrar o planeta. A partir daí, Adora abandona a Horda e passa a liderar um grupo de princesas poderosas numa rebelião contra Hordak, deixando para trás seus antigos amigos.

Apesar de partir da mesma premissa e do mesmo universo de personagens, a nova versão, desenvolvida por Noelle Stevenson, Transforma uma série de elementos, além de incluir vários novos. O traco difere consideravelmente daquele dos anos 80, inserindo a obra dentro de uma proposta estética mais próxima daquela adotada em produções ocidentais realizadas a partir dos anos 2000, com forte influência de animações japonesas. Essa estética pode ser vista em obras como Avatar A Lenda de Aang (2005), Hora da Aventura (2010) e Gravity Falls (2012). No caso de She-Ra, homens de corpos musculosos e mulheres magras, de pouca cintura, quadris e bustoprotuberantes da antiga versão são reapresentados com corpos adolescentes de fisionomias diversas e sem tantos marcadores de gênero em evidência (mulheres com seios menores, por exemplo).

O desenho original tinha seu conjunto de protagonistas representados como caucasianos, com poucos ou nenhum personagem que poderia ser associado a outras etnias à exceção de Netossa, mulher negra em ambas as versões. No remake, dos quatro personagens principais, apenas Adora foi mantida como uma mulher estritamente caucasiana a amiga Cintilante recebeu traços orientais; o amigo Arqueiro passou a ser negro; e Felina, com quem a protagonista mantém uma relação de amor e ódio desenvolvida ao longo das cinco temporadas da série, ganhou tom de pele mais escuro em relação à sua versão original (figura 1). Vários outros coadjuvantes também tiveram características étnicas acrescentadas na releitura.

She-Ra, Cintilante, Arqueiro e Felina, respectivamente, em suas versões anos 80 (esquerda) e 2018 (direita)
Figura 1
She-Ra, Cintilante, Arqueiro e Felina, respectivamente, em suas versões anos 80 (esquerda) e 2018 (direita)


Fonte: Filmation / Dreamworks Animation.

A série nota-bilizouse pela inclusão de diversos tipos de relacionamentos afetivos e identidades de gênero (figura 2). Desde a primeira temporada, Netossa e Spinerella, membros da aliança de princesas, são apresentadas como um casal. Ao longo da série, elas se casam - também se beijam em mais de uma ocasião. Na segunda temporada, os pais de Arqueiro, dois homens negros, aparecem pela primeira vez. Na quarta temporada, Encrenca Dupla, antagonista capaz de assumir qualquer aparência, tem identidade não-binária - nem é do gênero masculino, nem feminino. Isso se confirma pelo uso do pronome neutro they, acionado por outros personagens para referir-se a Encrenca Dupla.

Na série, a não-binariedade de Encrenca Dupla não é motivo de estranhamento para os demais personagens aliás, nenhuma das relações mencionadas é vista como excêntrica. Ao contrário, todas são enxergadas como naturais, sugerindo que Etheria é um planeta onde noções de gênero a partir de uma matriz heterossexual simplesmente não existem.

Os conflitos entre Adora e Felina, a amiga que ela deixou para trás e que acaba se convertendo em sua arqui-ini- miga, são produto de sentimentos amorosos complexos e mal resolvidos que, ao final, acabam sendo revelados. O principal arco narrativo da heroína protagonista da série, portanto, está diretamente relacionado à expressão de seus afetos e ao reconhecimento de sua sexualidade - a personagem deixa um ambiente repressivo, competitivo e repleto de regras rígidas, a Horda; descobre um aspecto de sua identidade até então reprimido (seu destino como a heroína She-Ra); é acolhida por um grupo de rebeldes que mostram o valor positivo dos laços afetivos; e vence as forças opressoras da Horda ao assumir que ama Felina. A união das personagens é selada com um beijo que, literalmente, salva Etheria da destruição, num desfecho que valoriza as várias manifestações de amor e a possibilidade de redenção.

A conclusão da série escapa de clichês já muitas vezes repetidos em que personagens lésbicas têm sua experiência afetiva retratada como causadora de sofrimento. Em séries para o público adolescente ou adulto, é recorrente encontrar exemplos de representação em que lésbicas têm desfechos trágicos. Aqui, a descoberta da identidade sexual é associada a modos positivos, e não negativos, de existência.

 Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Spinerella e Netossa, George e Lance (pais de Arqueiro), Encrenca Dupla, Adora e Felina
Figura 2
Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Spinerella e Netossa, George e Lance (pais de Arqueiro), Encrenca Dupla, Adora e Felina


Fonte: Dreamworks Animation

Antes de seu final feliz junto a Adora, Felina aproxima-se de Scorpia, outra integrante da Horda que se interessa por ela de maneira platônica. Embora não esteja nomeado como tal, esse afeto pode ser interpretado como romântico. Outras uniões afetivas de menor destaque - como Scorpia e Perfuma; Mara e Esperança da Luz; ou Lonnie, Kyle e Rogelio - também são insinuadas (figura 3).

 Scorpia e Perfuma / Lonnie, Kyle e Rogelio
Figura 3.
Scorpia e Perfuma / Lonnie, Kyle e Rogelio


Fonte: Dreamworks Animation.

Mesmo nos pares formados entre homens e mulheres, identifica-se que essas relações não são apresentadas em padrões exclusivamente heteronormativos, por exemplo, Cintilante e Arqueiro formam um casal, mas, em momentos pontuais da série, ambos demonstram sutil atração por personagens do mesmo gênero (no caso de Cintilante, Felina; e no caso de Arqueiro, o Falcão do Mar). Dessa forma, a produção busca realizar uma representação de sexualidades mais fluidas numa perspectiva de fato, inovadora para produtos historicamente produzidos no Ocidente para o público infanto-juvenil.

Nota-se ainda que, ao longo da série, demonstrações físicas de afeto entre pessoas do mesmo sexo —como beijos, abraços, toques— são recorrentes, subvertendo um padrão cristalizado na representação de personagens LGBTQIAP+ no audiovisual em países ocidentais. Aliás, em SPOP, apenas casais formados por duas mulheres (Netossa/Spinerella, Felina/Adora) aparecem beijando-se na boca, enquanto os demais demonstram seu afeto de outras maneiras.

Vale destacar ainda a inclusão de personagens com deficiência —seja ela física ou de outra natureza—. A prin- cesa super-inteligente Entrapta foi escrita para representar pessoas no espectro autista e seus conflitos típicos, como a dificuldade de criar vínculos ou demonstrar empatia; já Hordak precisa de uma armadura para compensar as fragilidades do seu corpo.

Sobre a produção, importante salientar que Noelle Stevenson identifica-se publicamente como lésbica não-binária, tendo sob sua supervisão uma equipe majoritariamente formada por pessoas LGBTQIAP+. Praticamente todos dubladores também tinham a mesma etnia do personagem representado e, no caso de Encrenca Dupla, a mesma identidade de gênero.

Com 52 episódios de cerca de 20 minutos distribuídos em cinco temporadas, She-Ra e as Princesas do Poderfoi concluída em 15 de maio de 2020. O desenho foi bem recebido pela crítica e público, atingindo principalmente

jovens da comunidade LGBTQIAP+, como veremos a seguir. Entre os principais elogios à série está sua forma de representar relações de gênero sem hierarquia, com grande protagonismo de mulheres, e a inclusão de tipos diversos de personagens e relacionamentos, sem associar diretamente questões de gênero ou sexualidade ao sofrimento e sem limitar a existência desses personagens às suas identidades sexuais. Assim, as personagens são multidimensionais e fogem a padrões de heteronormatividade compulsória, sem que seus afetos ou performatividades de gênero sejam questionados ou colocados como um problema —desse modo—, deixam de ser o outro e passam a ser sujeitos possíveis.

Metodologia

A análise que se segue busca compreender a importância da representação em SPOP para os próprios sujeitos que consomem e apreciam a série, verificando o seu papel como dispositivo pedagógico e sua relação com processos de subjetivação. Esta é uma pesquisa descritiva de natureza qualitativa, que combinou diversas técnicas para refletir sobre como o papel da representação em SPOP foi importante para estabelecer vínculos entre a série e seu público.

Para tanto, foi elaborado um questionário electrôrnico em que fãs de tod o mondo foram convinados a responder de forma livre "por que She-Ra é importante para você". O instrumento foi formulado em dois idiomas ᅳportuguês e inglês— a fim de garantir maior alcance e participação.

O questionário foi distribuído no Twitter, contando com o apoio de perfis especializados na série com grande número de seguidores (@spopsite, @dontgoproject, entre outros); grupos temáticos do Facebook; servidores temáticos do aplicativo Discord; fóruns temáticos do Reddit; perfis temáticos do Instagram; e sites repositórios de fan fiction como Wattpad, Spirit Fanfics e Archive of Our Own. Assim, o formulário circulou em ambientes em que teria grande probabilidade de alcançar fãs do desenho, numa amostra não probabilística por conveniência que contou com o suporte da técnica metodológica snowball, onde os participantes iniciais de um estudo são convidados a indicar novos participantes e assim sucessivamente.

O formulário recebeu 601 respostas entre 05 de outubro de 2020 e 06 de janeiro de 2021, de 51 países distin- tos. Dessas, 46 foram descartadas por não apresentarem conteúdo (os respondentes deixaram em branco ou não atenderam ao que foi solicitado pela pergunta), restando uma base de 555 respostas válidas. No todo, verificase que mais da metade dos respondentes (55 %) tinham entre 19 e 29 anos, enquanto 31 % afirmaram ter até 18 anos, 11 % responderam ter entre 30-39 anos e 3 % declararam ter 40-59 anos. Apenas 9 % dos respondentes se auto identificaram como heterossexuais e um percentual considerável da amostra (32 %) declarou identidades de gênero que não estão em conformidade com o sexo que lhes foi atribuído no nascimento - ou seja, pessoas trans, não-binárias, bigênero, gênero fluido, queer e, ainda, pessoas que se revelaram indefinidas ou em processo de descoberta no que diz respeito ao gênero (figura 4).

Relação entre faixa etária e orientação sexual (total de respondentes: 555)
Figura 4
Relação entre faixa etária e orientação sexual (total de respondentes: 555)


Fonte: elaboração própria

Do total de respondentes, 68 % (377) citaram aspectos diretamente relacionados à presença de personagens LGBTQIAP+ e a forma como foram representados como sendo responsáveis pela importância da série. Como exemplo, destacamos o depoimento abaixo:

Comentário 1: She-ra para mim é um modelo a ser seguido, [...] demonstra a valorização da família, das amizades, tem vilões com histórias profundas, traumas e justificativas (o arco de redenção da Catra é um dos melhores que já vi). Mas o principal para mim é que a Noelle Stevenson criou um mundo e um cenário de igualdade perante gêneros, etnias, sexualidades e identidades de gênero; a sociedade hoje ainda é muito transfóbica, homofóbica e racista e isso reflete nos desenhos. É preciso que representemos as diversidades pois desta forma muitas crianças (e não apenas crianças, porque sinceramente este show deveria ser visto indiferente da idade) poderão se ver representadas e não terem medo de ser quem real- mente são, em shows com propostas parecidas temos pouquíssimos personagens negros ou de qualquer outra etnia, e menor ainda (ou inexistente) a presença de personagens que fujam da cisnormatividade e da heteronormatividade (mlher cisgênera, até 18 años, lésbica).

Nota-se pelo texto que esta fã tem consciência do papel da série como dispositivo pedagógico e passível de desencadear processos de subjetivação que facilitam a relação dos sujeitos consigo mesmos. Essa impressão se confirma nos demais comentários e é a partir deles que esta análise se concentra. A escolha se dá por dois motivos principais: primeiro porque nosso objetivo visa refletir sobre a relação dos fãs com SPOP, compreendendo que é uma série que procura romper com o discurso de gênero binário e de heterossexualidade compulsória; segundo porque, uma vez que temos uma amostra majoritariamente formada por fãs que não se sentem confortáveis com padrões heteronormativos, seus comentários sobre a perspectiva queer e as pedagogias de gênero assumidas pelo desenho tornam-se ainda mais relevantes.

A análise baseou-se nos princípios da Análise de Conteúdo (Bardin, 2011) para identificar as recorrências temáticas que emergiram da amostra, privilegiando aspectos qualitativos e que refletem posicionamentos, sentimentos e questões identitárias dos participantes da pesquisa. Os comentários que foram originalmente escritos em inglês foram traduzidos pelos autores deste artigo, preservando seu sentido original. Ao lado de cada comentário, foram identificados gênero, faixa etária e sexualidade declaradas

Resultados

Comentário 2: She-Ra foi uma das séries que me impressionou por mostrar muita representação LGBTQ+. A maior parte das séries que eu assisti não tinha tanta representação assim. Foi mais impressionante como no final da série as principais protagonistas, Felina e Adora, confessam seu amor uma para a outra e se beijam em cena. Quando isso aconteceu, foi uma grande emoção porque eu nunca tinha visto isso antes, protagonistas do mesmo gênero se beijarem em cena, foi muito lindo [...]. eu entendi mais sobre relacio- namentos entre amigos e pude reconhecer qual era minha orientação sexual. [...] She-Ra mudou minha vida totalmente e estou muito feliz por ter conhecido a série, graças a Noelle e equipe outras séries estão começando a sair, também com representação LGBTQ+ e isso me deixa muito feliz [...] (mulher cisgênera, até 18 anos, bissexual).

Ao analisar os comentários de fãs que destacaram como uma de suas principais qualidades a representação de pessoas LGBTQIAP+ e o final feliz das personagens Adora e Felina, identificamos tendências que descortinam os processos de subjetivação e as relações entre sujeito, série e mundo. Ao falar sobre personagens LGBTQIAP+ de She-Ra, fãs descrevem o potencial do desenho como dispositivo pedagógico que incide sobre práticas de cons- trução identitária, reconhecimento e modos de relacionar-se com a diferença. Pudemos classificar essas práticas em três modos distintos e complementares: conhecimento de si; afirmação de si; e legitimação do outro.

Para explicar essas categorias, retomamos conceitos anteriormente discutidos neste artigo, como subjetivação e dispositivos disciplinadores pedagógicos, refletindo sobre o papel da mídia como um ambiente que tanto pode reincidir em velhas práticas disciplinares como dar lugar para discursos antes silenciados. Nas três categorias, enxergamos o êxito de She-Ra em conectar-se com sua audiência por promover rupturas em noções pré-concebi- das de gênero, propor formas de representação midiática que fogem aos padrões heteronormativos e naturalizar diferentes modos de existência. As categorias não são autoexcludentes ou estanques, e aparecem aqui divididas como instrumentos que nos mostram como indivíduos relacionam-se com a série de modo distinto por estarem em diferentes momentos de suas vidas, seja ainda no processo de construção identitária e nos seus modos de compreensão de si, seja na sua percepção enquanto sujeitos sociais e de validação de quem são, seja no que a série ensina para eles e para os demais.

Conhecimento de si

Esta categoria mostra o papel dos dispositivos midiáticos como ambientes mediadores de processos de subjeti- vação. Como vimos, a subjetivação relaciona-se diretamente aos movimentos de se tornar e de se compreender enquanto sujeito.

Comentário 3: Me ajudou bastante a me sentir mais confortável em relação à minha sexualidade (pessoa não-binária, até 18 anos)

Comentário 4: A série veio quando eu estava me descobrindo, e me ajudou no processo. Eu amo demais, sem- pre vai ser uma das minhas preferidas e sempre vou chorar no final (mulher cisgênera, até 18 anos, lésbica)

Comentário 5: Mudou a minha vida e me fez me conhecer melhor (mulher cisgênera, 19-29 anos, lésbica).

Comentário 6: She-ra me ajudou a perceber que posso amar os dois gêneros e também é uma série que me fez sentir muito amor e agora posso espalhar esse amor aos meus entes queridos (mulher cisgênera, até 18 anos, bissexual).

Os comentários demonstram que esses fãs ainda estão no processo de conhecer e compreender sua própria sexualidade. Embora não seja regra, mostrou-se recorrente neste grupo a presença da faixa etária mais jovem (adolescentes com até 18 anos). A série atuou como dispositivo facilitador desse conhecimento de si, oferecendo a percepção de que é possível e legítimo existir fora de padrões heteronormativos.

São fãs que relatam algum tipo de conflito no processo de descoberta de suas identidades de gênero ou orientação sexual, e que enxergaram em She-Ra elementos que lhes auxiliaram a organizar afetos e percepções de mundo, numa interface entre sujeito e aspectos identitários que antes causavam desconforto. Destaca-se o discurso de diversidade, acolhimento, aceitação e redenção endossado pela série, em sua opção de representar um mundo onde as diferenças de gênero, etnia e sexualidade não são causa de sofrimento, não existem dentro de uma hierarquia política e não geram desigualdade social.

Comentário 7: A série se tornou tudo para mim porque me ajudou a me descobrir, descobrir minha perso- nalidade e minha orientação sexual, além de me ensinar a perdoar e a entender que sempre vai existir um outro ponto de vista e que não importa se você errou, você pode ter perdão desde que você lute por sua redenção (mulher cisgênera, menos de 18 anos, lésbica).

Comentário 8: Como uma lésbica com ansiedade devido a um abuso emocional no passado, eu imediata- mente e realmente me conectei com Adora. Eu amo que a sua história não gira em torno da sua angústia por causa dos seus problemas. Ela ainda pode ser boba e divertida, e isso não diminui suas outras características. Foi realmente uma validação para mim, me conectar com Adora na tela, especialmente porque eu estava me sentindo muito perdida sobre a minha identidade quando eu descobri She-Ra. Eu acho que minha conexão com Adora me ajudou a ter uma melhor compreensão de quem sou (questionando, 19-29 anos, lésbica).

Comentário 9: Me ajudou a aceitar minha identidade como lésbica. Eu acho que eu ainda estaria afun- dada em negação se não fosse por She-Ra (mulher cisgênera, 19-29 anos, lésbica).

Ainda nesta categoria, verificamos que fãs apontaram que a série influenciou não apenas no processo de construção identitária, mas também na desconstrução de discursos estabilizadores sobre o gênero. Muitos depoimentos descrevem como os sujeitos passaram a questionar discursos, comportamentos, opiniões, modos de ser hegemôni- cos. Ao mesmo tempo, como os dispositivos disciplinadores interferem diretamente na subjetivação do sujeito, fãs sinalizam que, por meio da série, conseguiram repensar os modos pelos quais se entendiam e se percebiam.

Comentário 10: Como uma série, She-Ra me ajudou a entrar essencialmente em quem eu sou no que se refere a gênero e sexualidade. Ver representação não-binária me impulsionou a pesquisar e a final- mente encontrar palavras para descrever como eu sempre me senti sobre mim. Além disso, me ajudou a ser e estar mais à vontade com a minha bissexualidade (pessoa não-binária, 19-29 anos, bissexual).

Comentário 11: Essa série é muito importante pra mim, pois nela eu finalmente me identifiquei com os personagens, ela me mostrou que o “diferente” da sociedade é totalmente normal e que podemos ser quem quisermos (mulher cisgênera, menos de 18 anos, bissexual).

Destacamos nestes comentários o potencial de She-Ra como dispositivo pedagógico capaz de intermediar processos reflexivos e de autoconhecimento, ao oferecer leituras de gênero e sexualidade que não eram plenamente percebidas como possíveis ou legítimas.

Afirmação de si

A segunda categoria refere-se aos discursos de fãs e consumidores de She-Ra que já estavam confortáveis com sua própria identidade de gênero, ao contrário daqueles que identificamos na primeira categoria de depoimentos. Esses fãs atribuem importância à série por considerar que ela pode ser tida como uma afirmação de suas existências enquanto sujeitos. Ou seja, enxergar um aspecto de sua sexualidade representado nas telas pode ser compreendido como um instrumento de validação individual e social.

Comentário 12: Fez com que me sentisse visível e com validade pela primeira vez. É muito mais profundo do que se imagina (pessoa não-binária, 30-39, homossexual).

Comentário 13: [...] Também descobri que não detesto clichês românticos – eu só precisava que eles fossem gays! Eu não consigo me envolver em algo se não consigo me enxergar ali. Representação importa! (mulher demi, 19-29 anos, lésbica).

Comentário 14: A primeira coisa que assisti com representação lésbica positiva e um final feliz. Genui- namente fez com que eu sentisse mais confiança na minha identidade como lésbica e… Mara e Adora me fizeram acreditar que eu mereço amor (sou romântica, tá?). Os impactos positivos desse tipo de representação em crianças e adultos na nossa sociedade não pode ser minimizado. Vivendo numa sociedade em que o amor que não é heterossexual tem tantas conotações negativas e é difícil para muitos aceitarem que seu amor existe fora das normas sociais do que é e não é “normal” [...] (mulher cisgênera, 19-29 anos, lésbica).

Comentário 15: Fez com que eu me sentisse normal pela primeira vez na vida como nenhuma outra série; mesmo outros desenhos como Steven Universo e a Lenda de Korra superaram o que senti aqui como lésbica não-binária. Tive depressão depois que terminei e mesmo agora tenho problemas em deixar a obsessão de lado porque nunca me senti assim antes; nunca vi uma série com tanta representação explícita, beijos, demonstrações de afeto etc, entre casais gays, nem uma série que não faz perguntas a um personagem não binário. Em She-Ra é mais comum ter personagens queer do que héteros e os poucos romances héteros fica- ram implícitos, não explícitos, e os beijos nem foram na boca. Essa foi a coisa mais renovadora e chocante que já vi na vida; um mundo em que relacionamentos héteros são quase imperceptíveis enquanto rela- cionamentos queer finalmente estão em todo lugar e muito explicitamente visíveis (pessoa não-binária, 19-29 anos, lésbica).

Verifica-se neste grupo de comentários como a série preencheu uma lacuna emocional sentida por esses jovens adultos enquanto eram crianças. Ou seja, She-Ra ocupa o espaço de uma narrativa infantil que essas pessoas LGBTQIAP+ gostariam de ter assistido enquanto cresciam, considerando que os teria ajudado em seus processos de construção identitária e de subjetivação. Isso ajuda a justificar, também, por que localizamos uma presença contundente de adultos na amostra.

Comentário 16: She-ra e As Princesas do Poder foi importante para mim devido à representatividade. Desde criança, eu gostava de assistir desenhos animados com garotas como protagonistas ou personagens de destaque sempre que passava um na TV, e desde que me assumi como lésbica eu procurei por desenhos que tivessem representatividade LGBT abertamente, mas eles eram quase que inexistentes (exceto por alguns animes), até aparecer A Lenda de Korra, Steven Universo ou Hora de Aventura. She-ra me deu tudo o que eu sempre quis ver em um desenho animado. Pela representatividade, pela história cativante e também por eu ter me identificado com alguns personagens [...] (mulher cis, 19-29 anos, lésbica).

Comentário 17: Antes de me assumir trans eu achava que era uma garota lésbica e, ao crescer, não via nenhum tipo de representação em programas de TV, especialmente em desenhos animados que eu gostasse. Eu acho que a história é fofa e tem muita diversidade e espero que permita que pessoas da comunidade enxerguem que existe representação e que elas não estão sozinhas (homem transgénero, 19-29, heterossexual).

Comentário 18: She-Ra é uma série com a representatividade que eu sempre procurei quando era criança e nunca achei. Mesmo que exista outras séries com personagens LGBT, nenhuma tratou do assunto de forma tão bem naturalizada dentro da história da série como essa. [...] (mulher cisgênera, 19-29 anos, pansexual).

Comentário 19: She-Ra é uma série que representa o que busquei por muito tempo, crescer sem nenhum tipo de representação sobre mulheres amando mulheres é e sempre foi algo que me marcou e me moldou em partes, então poder chegar aos vinte e um acompanhando pela primeira vez personagens empoderada, forte e apaixonadas sem medo de mostrarem esse amor foi algo que me marcou de maneira inexplicável, She-Ra representa mais para mim do que eu poderia explicar (mulher cisgênera, 19-29 anos, pansexual).

Os comentários demonstram o valor intrínseco da representação, notadamente por haver uma percepção de que esse tipo de representação ainda é raro em narrativas audiovisuais de amplo alcance. Também foi destacado pelos fãs a importância de propor possibilidades de mundo em que misoginia, LGBTfobia, racismo, entre outras formas de discriminação, não são um problema a ser enfrentado.

Legitimação do outro

A terceira categoria nos mostra que SPOP propõe discursos e formas de representação a partir de uma prática pedagógica que naturaliza a diversidade, torna minorias visíveis e tem inclusive o potencial de influenciar a mudança de comportamento de pessoas.

Comentário 20: She-ra foi a culminância de uma longa década de renascimiento em minha vida, em torno de um maior senso de empatia e compaixão por outras pessoas. Crescendo em uma família religiosa e rígida, a nocâo de simpatizar ou identificar-se com pessoas alternativas ou marginalizadas (sejam LGTB+, minorias étnicas ou mesmo outros gêneros) nunca foi enfatizada ou incentivada. Na minha juventude, fui membro de um grupo de ódio violento porque era um reflexo sombrio que se apresentava como "acoisa certa a fazer”. Tenho vergonha disso, mas nunca poderei desfazê-lo e não procurarei escondê-lo. Mas começando com minha educação universitária e coincidindo com a criação de programas como My Little Pony e Steven Universo, que desafiavam pressupostos fundamentais da mídia, meus valores começaram a mudar da mesma forma que a consciência social. She-ra tornou-se o último bastião, o argumento interno juvenil do tipo ‘Não posso assistir a isso, não foi feito para mim, não pode ser bom’. Mas eu estava ente- diado [...] então decidi assistir alguns dias depois do lançamento da 5ª temporada, apesar de não gostar de desenhos em geral. Eu maratonei. Tive de fazê-lo e não consegui deixar de lado e desabei em várias ocasiões. Por quê? Resumindo, Felina: tudo nela ressoou em ações que eu sei que fiz no passado e em conflitos pessoais dos quais fiz parte. Pessoas podem mudar, mesmo pessoas horríveis. Mas enquanto ela era o eixo, descobri que não precisava ser igual aos personagens para ter empatia por eles ou me conec- tar com eles. A separação de querer algo para mim mesmo, versus realmente querer algo para os outros foi o último grau de separação que não tinha se cristalizado totalmente como um conceito antes a série. She-ra fez muito por mim, estou imensamente grato a todo o elenco e equipe por criar uma história que me ajudou a dar mais um passo em meu desenvolvimento para me tornar uma pessoa melhor (homem cisgênero, 30-39 anos, heterossexual).

Comentário 21: Antes da última temporada de She-ra, eu era um pouco homofóbica. Eu tinha amigos bissexuais e gays mas não os aceitava muito. Depois da última temporada me tornei mais aberta. A série mudou minha vida para melhor. Comecei a assistir em 2018 e tenho vergonha de dizer que demorou todo este tempo para abrir meus olhos. Mas fico feliz que a série existe e de perceber que minha forma de pensar estava errada. (mulher cisgênera, Até 18 anos, assexual panromântica).

Nesta categoria, identificamos pessoas cisgêneras e heterossexuais destacando o papel didático da série em ensinar-lhes sobre tolerância e respeito às diferenças. Também verificamos mães e pais de crianças que consideram importante que seus filhos cresçam com acesso a conteúdo como She-Ra.

Comentário 22: [...] Adulto, com filha de 12 anos, assisti com ela e vi uma história de amor engajante e educadora sobre diversidade, mudança e revolução, coisas que precisaremos fazer para que o mundo não acabe (homem cisgênero, 40-59 anos, bissexual).

Comentário 14 [cont.]: [...] Séries como essa ensinam crianças a amar, aceitar, a importância de superar o que te magoou e abraçar o amor e a aceitação de forma plena. No geral, os temas do programa sobre cura e superação de relações pessoais encorajam o cuidado tanto por nós mesmos como por aqueles ao nosso redor, um laço necessário para ser criado em uma sociedade em que se pode florescer (mulher cisgênera, 19-29 anos, lésbica).

Ainda neste âmbito, localizamos comentários de fãs que relataram a importância da série para facilitar pro- cessos de aceitação junto a membros de suas famílias. Em mais de um comentário, fãs comentaram ter assistido à série com seus parentes, como forma de suavizar a tensão de “sair do armário” ao apresentar representações positivas de pessoas LGBTQIAP+.

Comentário 23: O desenho/série foi muito importante para colocar a pauta LGBT+ de forma leve com minha mãe, conforme me via assistir, acabou vendo uns episódios e a forma orgânica que ela aborda essas questões fez com que em vez de uma discussão, eu e ela tivéssemos uma conversa amena sobre (mulher cisgênera, até 18 anos, bissexual).

Comentário 24: [...] assisti com minha mãe pouco depois de me assumir para tentar normalizar o amor entre mulheres para ela. Assistimos tudo juntas (eu pela segunda vez) e significou muito pra mim poder mostrar que não era estranho ou tabu eu gostar de garotas. Chorei (muito) quando terminamos e ajudou a nós duas aceitarmos minha sexualidade. Também é uma série que me conforta e a única coisa que me acalma em dias traumáticos (mulher cisgênera, até 18 anos, lésbica).

Em todas as categorias de análise, encontramos comentários que ressaltam o papel de Noelle Stevenson em construir as personagens e premissas narrativas inclusivas de forma “corajosa”, assim como a importância de ter pessoas LGBTQIAP+ na equipe criativa e elenco de dubladores. Sobre isso, nota-se um sentimento de gratidão em relação à equipe por trás da série.

Comentário 25: [...] Se eu um dia conhecer Noelle (minha heroína), que é um sonho meu, nem saberia como agradecê-la. Essa série trouxe tanta alegria para a minha vida. O fato de que tem tantas personagens diversas e todos os tipos de representação é extremamente importante pra mim e foi muito reconfortante ver isso, especialmente num programa de TV infantil [...] (mulher cisgênera, até 18 anos, bissexual).

Comentário 26: O desenho ter uma produtora lésbica me deu esperança. Nem havia estreado e eu já era fã. Quando os episódios foram liberados, se tornou cada vez mais importante pra mim. Me ajudou a desco- brir (ou melhor, confirmar) minha sexualidade e me fez me sentir mais confiante e confortável, porque eu também estava cercada de conhecidas que eram lésbicas. E o final da série… Não sabia que alguma série poderia me fazer sentir como She-ra fez. Eu não sabia que podia ser tão importante. Me deu esperança para o futuro, e me senti feliz pelas crianças LGBT que vão poder se ver nas telas. Não é algo trivial dizer, “She-ra é gay e tem um interesse romântico feminino”. É tão poderoso!! (questionando, 19-29 anos, lésbica).

Comentario 27: Admiro Noelle por ter coragem e conviccão para recontar essa série com representacão LGBTQ+ adequada e gosto de ver o progresso da sociedade em direção à normalização de relacionamento LGBTQ+ (mulher cisgênera, 19-29 anos, bissexual).

Comentário 28: [...] Nunca havia visto representação casual tão boa numa série. Senti conforto com minha identidade de gênero ao ver uma personagem não-binária que também tem a voz de uma pessoa não-binária. O fato de que personagens são interpretadas por pessoas não-brancas ou não-binárias/trans é incrível (pessoa não-binária, até 18 anos, lésbica).

Além da representatividade da equipe de criação e produção do desenho, os fãs apontam outras formas de representação na série, para além da questão LGBTQIAP+ - pluralidade de corpos, raça, personalidades e compor- tamentos também são representados em SPOP, legitimando grupos invisibilizados na grande mídia.

Considerações finais

As pedagogias praticadas pela mídia podem corresponder também a processos de visibilidade e representação de grupos entendidos como minoritários nas relações de poder. O dispositivo desenvolve em torno de si estra- tégias de poder e fomenta processos de subjetivação, mediando, legitimando e produzindo relações do sujeito consigo mesmo. Portanto, remete a novas possibilidades de construções identitárias e de rupturas do próprio dispositivo disciplinador.

O que observamos até pouco tempo era um discurso único em torno do diferente e da diferença, dos corpos abjetos e das relações afetivas desviantes. Como questionou Fisher (2003), “em que medida todos esses diferentes são tratados como diferença a ser excluída ou normalizada?” (p. 153). Acreditamos ser possível outras formas de legi- timação e pedagogias fomentadas numa sociedade mais aberta ao plural e a análise aqui realizada nos permite localizar She-ra como um produto audiovisual que promove novas pedagogias da diferença e da diversidade.

Isso pode ser percebido na própria obra e se confirma nos comentários feitos pelos respondentes que apresentamos na análise deste trabalho. Muitos dos fãs entrevistados demonstram não só a relevância que esses produtos possuem para seus processos de identificação (conhecimento de si), mas também para a reorganização de suas referências (afirmação de si) e expectativas com o diferente (legitimação do outro).

She-Ra subverte noções regulatórias de gênero e sexualidade ao naturalizar relações homoafetivas e apresen- tar personagens que rompem com a continuidade/coerência esperada entre sexo, gênero, desejo e prática sexual, sinalizando para possibilidades de construção variável da identidade (Butler, 2003).

A produção é um produto que permite que comparemos padrões de sexualidade e repensemos as estratégias usadas para desafiar tais padrões. Por ser uma história produzida, principalmente, por pessoas LGBTQIAP+, permite que a enquadremos como um esforço feito por pessoas LGBTQIAP+ para ressignificar as imagens que circulam sobre elas mesmas, quando a maioria das representações midiáticas ainda são reguladas pelo olhar heterossexual e seguem percursos narrativos baseados em estereótipos de gênero que podem reforçar estigmas em vez de combatê-los.

Por fim, pontuamos que a pesquisa aqui apresentada explora apenas uma parte do potencial do material coletado e que outras análises que exploram o potencial representacional, a produção de conteúdo dos fãs e relação afetiva que constroem com SPOP estão sendo realizados.

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Notas

1 Judith Butler (2003) conceitua corpos abjetos como corpos que não podem existir, aquilo que é execrado socialmente, que não é reconhecido pela normativa sociocultural. Pelo viés da abjeção, Butler fomentou o debate acerca da vulnerabilidade das pessoas com corpos abjetos, como: transexuais, travestis, trans- gêneros e intersexos.

2 Os comentários foram renumerados arbitrariamente, de maneira que os números atribuídos não representam a real sequência das respostas recebidas.