Ensayos

TELEJORNALISMO E EDUCAÇÃO: ENTRE O PAPEL PEDAGÓGICO E A ABORDAGEM DE SOLUÇÕES

Periodismo televisivo y educación: entre el rol pedagógico y el enfoque de solución

Television Journalism and Education: Between the Pedagogical Role and the Problem-Solving Approach

Jemima Bispo, Universidade Federal de Juiz de Fora

jemimabispo0@gmail.com

Ana Paula Goulart de Andrade, Universidade Federal Fluminense

goulartdeandrade@gmail.com

Luiz Felipe Falcão, Universidade Federal de Juiz de Fora

luizfelipefalcao@gmail.com

Simone Martins, Universidade Federal de Juiz de Fora

sitema@gmail.com

Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones", vol. 17, núm. 2, pp. 1-12, 2024

Universidad del Rosario

Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial 4.0 Internacional.

DOI: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.14026

Recebido: 19 de dezembro de 2023

Aprovado: 21 de fevereiro de 2024

Data de pré-publicação: 9 de abril de 2024

RESUMO

Este trabalho tensiona jornalismo de soluções com experiências do telejornalismo comprometido com a transformação. Considerando a centralidade do telejornalismo em um país com baixa escolarização, inclusive midiática, pretende-se compreender se as narrativas apresentadas no Jornal Nacional (Rede Globo) são capazes de denunciar e anunciar maneiras de enfrentar desigualdades com uma “cobertura rigorosa e convincente de respostas a problemas sociais” (Rede de Jornalismo de Soluções, 2022). A ele se somam a dramaturgia do telejornalismo (Coutinho, 2012) e o papel pedagógico da informação audiovisual (Cerqueira, 2018). A abordagem empírica envolve pesquisa documental de reportagens sobre educação e sua oferta desigual no Brasil. A metodologia escolhida é análise da materialidade audiovisual (Coutinho, 2018). Quatro eixos de análise foram propostos: a) valores-notícia depreendidos da seleção dos elementos das reportagens; b) estruturas narrativas e dramáticas na apresentação dos conflitos e soluções; c) potencial educativo e enquadramento pelo qual é apresentado; d) observação de soluções ou mera denúncia dos problemas. Como resultado, depreende-se que as narrativas do Jornal Nacional não fazem opção pelo modelo em temas factuais e de apresentação de pesquisas. A postura é a de exibir “o que deu errado” sem expandir esse sentido para encontrar respostas para problemas socioculturais e econômicos.

Palavras-chave: telejornalismo; jornalismo de soluções; educação; valor-notícia.

RESUMEN

Este trabajo reúne periodismo de solución con experiencias de periodismo televisivo comprometido con la transformación. Considerando la centralidad del periodismo televisivo en un país con baja educación, incluida la alfabetización mediática, el objetivo es comprender si las narrativas presentadas en el Jornal Nacional (Rede Globo) son capaces de denunciar y anunciar formas de enfrentar las desigualdades con una “cobertura rigurosa y convincente de respuestas a los problemas sociales” (Rede de Jornalismo de Soluções, 2022). A esto se suman la dramaturgia del periodismo televisivo (Coutinho, 2012) y el papel pedagógico de la información audiovisual (Cerqueira, 2018). El enfoque empírico implica una investigación documental de informes sobre la educación y su provisión desigual en Brasil. La metodología elegida es el análisis de materialidad audiovisual (Coutinho, 2018). Se propusieron cuatro ejes de análisis: a) valores noticiosos deducidos de la selección de elementos del reportaje; b) estructuras narrativas y dramáticas en la presentación de conflictos y soluciones; c) potencial educativo y el marco a través del cual se presenta; d) observación de soluciones o mera comunicación de problemas. Como resultado, parece que las narrativas del Jornal Nacional no optan por el modelo en temas fácticos y presentación de investigaciones. La postura es mostrar “lo que salió mal” sin ampliar este significado para encontrar respuestas a problemas socioculturales y económicos.

Palabras clave: periodismo televisivo; periodismo de soluciones; educación; valor noticioso.

ABSTRACT

This article brings together solution journalism with experiences of television journalism committed to transformation. Considering the centrality of television journalism in a country with low education, including media literacy, the objective is to understand if the narratives presented in Jornal Nacional (Rede Globo) are able to denounce and announce ways to face inequalities with a “rigorous and convincing coverage of answers to social problems” (Solutions Journalism Network, 2022). Added to this are the dramaturgy of television journalism (Coutinho, 2012) and the pedagogical role of audiovisual information (Cerqueira, 2018). The empirical approach involves documentary research on reports on education and its unequal provision in Brazil. The methodology chosen is the audiovisual materiality analysis (Coutinho, 2018). Four main analytical axes were proposed: a) news values deduced from the selection of story elements; b) narrative and dramatic structures in the presentation of conflicts and solutions; c) educational potential and the framework through which it is presented; d) observation of solutions or mere communication of problems. As a result, it seems that the narratives of the Jornal Nacional do not opt for the model in factual issues and research presentation. The posture is to show “what went wrong” without expanding this meaning to find answers to socio-cultural and economic problems.

Keywords: Television journalism; solutions journalism; education; news value.

Introdução

À medida que o público segue imerso em um cenário de saturação informacional nas ecologias polarizadas da mídia (Goulart de Andrade et al., 2022), os jornalistas estão sendo chamados a contar histórias cada vez mais envolventes e significativas sobre a realidade. Nesse cenário, o jornalismo de soluções (js) vem sendo tematizado em âmbito global, resultando em uma pluralidade de novas práticas focadas em soluções. No telejornalismo, alguns aprendizados no mundo e, também no Brasil, já sinalizam a potencialidade do formato por apresentar nas telas as desigualdades sociais sem deixar de enfatizar o viés resolutivo dos problemas narrados.

A proposta de cobertura de fatos sob essa perspectiva surgiu em 2013 a partir das tentativas de um grupo de jornalistas estadunidenses de responder à apatia política, à queda de credibilidade jornalística e à perda crescente de assinantes. A promessa é investigar e explicar, de forma crítica e lúcida, como as pessoas tentam resolver problemas amplamente compartilhados. Efetivamente, a ideia é contrapor a produção de notícias baseadas no que definiram como “o que deu errado”, expandindo esse sentido. Ou seja, a busca por respostas aos problemas apresentados também se mostra como digna de notícia.

O jornalismo de soluções complementa e fortalece a cobertura dos problemas. Bem feitas, as histórias de soluções fornecem informações valiosas que ajudam as comunidades no difícil trabalho de lidar com problemas como falta de moradia ou mudança climática, preços de moradia em alta ou baixa participação eleitoral. Também sabemos por pesquisas que histórias de soluções podem mudar o tom do discurso público, tornando-o menos divisivo e mais construtivo. Ao revelar o que funcionou, essas histórias levaram a mudanças significativas. (Rede de Jornalismo de Soluções, 2022)

O diferencial dessa prática, portanto, diz respeito à “cobertura rigorosa e convincente de respostas a problemas sociais” (Rede de Jornalismo de Soluções, 2022), com destaque para a precisão da apuração e a maior autonomia investigativa por parte dos jornalistas. Assim, as histórias são capazes de “fornecer aos cidadãos dados e experiências da vida real a partir dos quais se pode fazer julgamentos sobre como responder às injustiças e, coletivamente, escolher um caminho diferente” (Beers, 2006, p. 122).

Contudo, essas práticas emergentes baseadas em soluções permanecem controversas. Enquanto os defensores caracterizam o js como bom jornalismo, capaz de contar uma história mais aprofundada, muitos profissionais expressam reservas. Comunicando soluções, alguns argumentam: “Embaça a distinção entre relatórios imparciais e advocacia política, obriga-os a tomar partido em conflitos políticos e encobrir problemas complexos para os quais não existem soluções simples” (Haas, 2006, p. 248).

As críticas apontam, especialmente, para desvios do cerne do jornalismo, ou seja, seu compromisso normativo e temporal. “Enquanto as notícias, tradicionalmente, oferecem um relato de eventos imediatos, a abordagem de soluções pode exigir que os jornalistas cubram e até avancem questões hipotéticas e futuros utópicos” (Dodd, 2021, p. 22). Especulando sobre “o que pode ser solucionado e quem é mostrando o caminho” (Beers, 2006, p. 121), o jornalismo perderia, portanto, o foco temporal no aqui e agora.

Como apontado por Dodd (2021), devido a essas dúvidas, o projeto de normalização do jornalismo de soluções tem procedido de maneira normativa e empírica, a partir de uma concepção ainda minimalista.

A partir dessas proposições, este capítulo propõe o tensionamento das propostas do jornalismo de soluções com as experiências do telejornalismo comprometido com a transformação. Nessa perspectiva, e considerando a centralidade do telejornalismo em um país caracterizado pela baixa escolarização, inclusive midiática, pretende-se compreender se as narrativas audiovisuais apresentadas são capazes não apenas de denunciar, mas também de anunciar maneiras de enfrentamento ou superação das desigualdades e problemas apontados.

Ao diálogo inicial sobre as características dessa prática somam-se o conceito de dramaturgia do telejornalismo (Coutinho, 2012) e o papel pedagógico da informação audiovisual (Cerqueira, 2018). Já a abordagem empírica envolve pesquisa documental de materiais em vídeo realizada por meio de plataformas de streaming, tendo como foco reportagens que tematizam a educação e sua oferta desigual em um país como o Brasil, à luz do método denominado análise da materialidade audiovisual (Coutinho, 2018).

Reflexões conceituais no jornalismo audiovisual: a notícia como estrutura dramática e o papel pedagógico do telejornalismo sob o olhar da análise da materialidade audiovisual

O conceito de dramaturgia do telejornalismo (Coutinho, 2012) pode ser entendido como a organização da notícia em tv a partir de uma estrutura dramática; a informação é construída por meio da imitação da ação representada por imagens e depoimentos exibidos com a presença de conteúdos morais e nos papeis desempenhados pelos atores presentes nas notícias. Iluska Coutinho (2012) entende que a construção noticiosa se assemelhe a um drama cotidiano. Nota-se, portanto, que há, nas notícias, a existência de conflitos narrativos.

Nesse sentido, percebemos que tais conflitos narrativos, embora diversas vezes não sejam verbalizados no texto do repórter ou ainda explicitados nas imagens ou sonoras coletadas, estejam presentes em praticamente todas as reportagens e podem ainda ser construídos na relação do espectador com a mensagem veiculada. Para Coutinho (2012), os desencadeamentos das ações passam pela compreensão e reconhecimento do enredo, pelos envolvidos. Sob essa perspectiva, a noção de dramaturgia do telejornalismo compreende, além dos aspectos de encenação e do caráter espetacular da atuação de seus profissionais, a organização das reportagens editadas, em texto e imagem, de forma a oferecer ao telespectador o desenrolar das ações, vividas e experimentadas, por meio da atuação de diferentes personagens em cena.

Assim, conseguimos perceber, ao longo das observações efetuadas aqui, que as narrativas foram construídas como um drama, com a indicação de mocinhos, vilões e até mesmo com a lição moral, ao final das reportagens. Isso porque a lição moral, um dos componentes do drama, aparece, segundo Coutinho (2012), na finalização da narrativa de uma ação com a exposição de uma mensagem “educativa”, quase sempre acrescida de juízo de valor.

Para além da construção noticiosa como um drama cotidiano, importa destacar que os produtos audiovisuais devam ser produzidos de forma pedagógica. Laerte Cerqueira (2018) destaca que o jornalismo “traz o viés da singularidade, do fenômeno” (p. 44). Para o autor, conhecer o que está acontecendo, estar informado para formar juízo e questionar permitem o exercício da cidadania. Nesse sentido, os cidadãos têm a possibilidade de usufruir de um dos seus direitos como membros da sociedade.

O jornalismo audiovisual possui atividades importantes, e uma delas está em sua função pedagógica, visto que é responsável por aproximar diferentes realidades, traduzindo fatos e acontecimentos para proporcionar conhecimento à sua audiência. Laerte Cerqueira (2018) destaca que o jornalismo possui um potencial educativo, com a prática noticiosa aproximando-se da construção de uma ideologia emancipatória. O autor entende o jornalismo como forma social de conhecimento, assim como a educação.

No artigo “Os saberes da pedagogia da autonomia no telejornalismo”, Laerte Cerqueira e Alfredo Vizeu (2018) refletem sobre a importância da escuta e do estímulo ao diálogo no fazer telejornalístico:

Ao admitir a escuta e estimular o diálogo, educadores (e comunicadores) sabem que há riscos, que é preciso aceitar o novo e rejeitar qualquer tipo de discriminação. Esse é mais um dos saberes da prática educativa que podem ser aplicados ao fazer jornalístico. Como intervir na sociedade? Lutar por quem não tem voz? Fiscalizar e denunciar equívocos, transgressões aos direitos humanos, exploração de grupos dominadores? Como produzir conhecimento institucional, singular, que serve para socialização das pessoas, carregando as mensagens de preconceitos e atos discriminatórios? (p. 53)

Nesse contexto, defendemos a perspectiva pedagógica do telejornalismo porque acreditamos que a informação veiculada nos noticiários de tv transmite conhecimento e faz com que os cidadãos se reconheçam e produzam significado sobre o que foi veiculado. Reforçamos a perspectiva de Temer (2018) ao destacar que a leitura crítica do telejornalismo “deve envolver um amplo conhecimento sobre suas rotinas produtivas, imposições técnicas e conjunturais e suas relações com a sociedade, indo sempre além dos significados imediatos” (pp. 200-201). A autora acrescenta que, deste modo, a consequência de uma leitura crítica do telejornalismo vai ser de inquietação, questionamentos e anseios por mudanças.

Nessa perspectiva, destacamos que a metodologia da análise da materialidade audiovisual (Coutinho, 2018), utilizada por nós em nossa observação, enquanto método capaz de analisar o jornalismo audiovisual, ressalta a comunicação nas telas em toda a sua complexidade, abarcando os textos verbais, os sons e as imagens, percorrendo, ainda, por todo o contexto temporal e de edição. Ao desenvolver a metodologia, Iluska Coutinho (2018) apresenta o desafio de analisar produtos audiovisuais em sua inteireza, “sem decomposições que descaracterizem a experiência do consumo e o dar a conhecer dos telejornais” (p. 175).

No entendimento de Iluska Coutinho (2016), o telejornalismo (seja ele veiculado em telas de diferentes suportes, e na contemporaneidade crescentemente nas redes sociais digitais) está consolidado como uma maneira de enunciar “os fatos (re)conhecida e credível pelo espectador, também é narrado, em comentários, críticas, estudos e pesquisas que vão tecendo também modos particulares de uso, fruição e saber sobre os mundos, da mídia e do jornalismo” (p. 2). A metodologia permite a identificação do objeto experienciado assim como estabelece eixos e itens de avaliação baseados nas perguntas da pesquisa, no referencial teórico utilizado nesse processo e ainda nos elementos paratextuais relacionados ao trabalho. Nesse sentido, destacamos que a Análise da Materialidade Audiovisual como método pressupõe a observação integral da amostra selecionada para a nossa análise em suas perspectivas materiais e paratextuais, assim como as considerações acerca desta, permitindo que o estudo, a compreensão e os confrontamentos sejam feitos integralmente, considerando todos os componentes técnicos existentes, assim como as molduras, moldurações e emolduramentos (Kilpp, 2010) que interferem na construção dos objetos estudados e ainda o contexto em que esses se encontram. Isso porque, segundo Iluska Coutinho (2016), “antes de realizar a etapa da análise propriamente dita é importante (re)conhecer quais os sentidos propostos por determinado programa ou produto audiovisual quer para seu público, quer para a própria mídia (canal ou suporte) onde este se inscreve” (p. 10).

Para serem utilizadas as lentes da metodologia da análise da materialidade audiovisual, Iluska Coutinho (2016) sugere que seja feita uma pesquisa bibliográfica aprofundada e, em seguida, a construção de uma ficha baseada em eixos de análise que é desenvolvida a partir das necessidades de observação, juntamente com o referencial teórico e que revela uma espécie de entrevista do objeto (Coutinho, 2016, p. 11), visto que assim é possível analisar os conteúdos audiovisuais por meio de uma moldura específica e apropriada aos objetivos e objetos de pesquisa. Nesse contexto, corroboramos a conceituação da autora de que a análise dos materiais audiovisuais selecionados não possa ser decomposta, visto que sua divisão descaracterizaria a forma como o sentido é produzido. É necessário, portanto, assistir a totalidade do material e analisá-lo em sua completude, observando o modo como foi construído, seja na seleção dos personagens, das imagens, na escolha das falas e passagens, na forma de abordagem, no semblante das pessoas que aparecem na notícia, ou seja, na edição do material e, inclusive, nos silenciamentos.

Mas afinal, é possível observar jornalismo de soluções no telejornal mais assistido do Brasil? Que narrativas adota o Jornal Nacional no sentido de apontar soluções para problemas sociais?

A partir da definição do arcabouço teórico que norteia a percepção do que seja o jornalismo de soluções adotado para este trabalho, da dramaturgia do telejornalismo e tomando a análise da materialidade audiovisual como metodologia, nos debruçamos para encontrar os eixos norteadores na nossa análise tanto descritiva, num nível mais superficial de observação, quanto analítica tendo como substrato as informações colhidas nos audiovisuais. A atenção se volta, portanto, para quatro eixos: a) o dos valores-notícia depreendidos do processo de seleção dos elementos de cada uma das reportagens; b) o das estruturas narrativas e, também, as estruturas dramáticas selecionadas para a apresentação dos conflitos e consequente proposição de soluções; c) o do potencial educativo revelado pelas reportagens e o enquadramento pelo qual é apresentado; d) o de observação de proposição de soluções possíveis ou mera denúncia dos problemas.

Para além da simples detecção do uso ou não dessa “modalidade” de jornalismo, interessa-nos observar a maneira como elementos constitutivos do jornalismo de soluções podem aparecer e interferir na construção narrativa feita pelo Jornal Nacional, principalmente no que tange a questão da educação enquanto política pública e da construção social que se faz em torno dela.

Entendemos que a capacidade de compreensão e modificação da realidade passa pela troca de informações entre as pessoas quando dialogam sob as muitas perspectivas do ambiente em que estão inseridas, transcorre pela capacidade de percepção e pelas habilidades de se comunicar. Acontece ainda pela disposição de entender e se mobilizar em torno de políticas públicas capazes de imprimir alterações na forma de pensar e agir de indivíduos e, consequentemente, na coletividade. No Brasil, o telejornalismo se insere nesse contexto em função de sua centralidade. A tv é um meio de comunicação extremamente popular e capilarizado. O modelo majoritário de comunicação que opera entre nós é o privado e a forma como aprendemos a receber, interpretar, elaborar, reagir e interagir com a informação acontece, necessariamente, pelo audiovisual e o telejornalismo ganha relevo.

Dessa forma, é necessário pontuar a importância da educação para mídia, o papel pedagógico que o telejornal exerce entre as diferentes camadas da população e as transformações possíveis a partir da construção de um pensamento que busque alterações significativas na forma de pensar e agir. O Jornal Nacional (Rede Globo) figura entre as principais formas de acesso à informação; é também dele uma fatia importante nas instâncias narrativas para a interpretação e construção da realidade. Por essa razão, escolhemos reportagens do referido telejornal para esta análise. Decidimos, também, averiguar as formas de abordagem do tema educação, tendo em vista que ela é um ponto sensível no desenvolvimento da sociedade e tem inúmeras fragilidades enquanto política pública no Brasil.

Além disso, a perspectiva espaço temporal da construção noticiosa factual, nos parece que, muitas vezes, não dá conta do tempo de planejamento e execução das mais diversas políticas públicas. Como aprofundar nos telejornais as discussões? Como ampliar o debate, fornecer conteúdo capaz de provocar reflexões sobre o processo de construção de políticas públicas e, sobretudo, como dar substrato que contribua para a mobilização social? Trazer para o audiovisual a prática do jornalismo de soluções estaria entre as preocupações do Jornal Nacional? Em caso afirmativo, de que maneira ela acontece?

A escolha das reportagens do nosso recorte partiu da busca feita a partir da palavra “educação” no repositório virtual da emissora, o Globoplay. Foram escolhidos os vts do Jornal Nacional que traziam no título a palavra-chave, exibidos nos primeiros meses de 2023 e, em seguida, ordenados na ordem cronológica. Na sequência, repetimos a busca no ambiente Google e confrontamos os resultados de apresentação. A resposta ao cruzamento dos mecanismos de busca trouxe reportagens que foram submetidas a critérios de escolha que partiram da relevância da discussão sobre educação, implicação na percepção social da realidade sobre o tema e ainda nos aspectos narrativos adotados pelos repórteres e editores.

Foram quatro materiais audiovisuais selecionados. Um de fevereiro de 2023, que trata da educação básica1 e apresenta pesquisa sobre o número de matrículas no período pós-pandêmico. Outro, de março do mesmo ano, que também analisa a educação básica2 sob a perspectiva de pesquisas apresentadas. Dessa vez, traz a percepção e expectativas de pais, mães e responsáveis no rendimento de estudantes. A terceira escolha é uma reportagem veiculada no mês de abril sobre uma iniciativa institucional da emissora que procura dar visibilidade a práticas inovadoras na educação.3 A última reportagem selecionada foi exibida em maio. Também está ancorada nos resultados de uma pesquisa que mostra a fragilidade das secretarias de educação4 no cumprimento da lei que determina o ensino sobre história e cultura afro-brasileira.

Numa breve descrição da materialidade audiovisual das reportagens é interessante observar que os apresentadores sempre interpretam a introdução da reportagem a partir do teor do que elas vão trazer. O tom de seriedade é o mais predominante entre os quatro conteúdos. O critério de noticiabilidade mais evidente e que justifica a escolha editorial para as reportagens é a divulgação e apresentação de pesquisas. São três levantamentos que dão conta dos problemas existentes em relação à frequência de estudantes em sala de aula, o aprendizado e a aplicação da lei no conteúdo a que estudantes têm acesso. O único exemplo que não tem a factualidade de uma pesquisa como determinante para a escolha do tema é o do Projeto led. Por se tratar de uma premiação criada pela Rede Globo e Fundação Roberto Marinho, é o caráter institucional e de promoção dos valores empresariais e sociais que trazem a abordagem para o telejornal.

Importante destacar que as reportagens seguem utilizando boa parte daquilo que entendemos como a dramaturgia do telejornalismo: enquadramentos de personagens com suas histórias e vivências, identificação e apresentação dos conflitos e problemas, descrição feita por autoridades nos assuntos, formação de um valor moral a ser discutido, o encaminhamento e desenrolar dos conflitos apresentados e o encerramento apontando para perspectivas otimistas de futuro.

Há, nos materiais investigados, uma marcação muito clara dos problemas sociais, culturais e econômicos enfrentados no Brasil e a maneira como eles interferem no processo educacional. O ambiente escolar é apresentado como o lugar em que as diferenças sociais também se expressam com uma desvantagem acentuada para as pessoas oriundas de parcelas mais pobres da população. As imagens escolhidas dão conta de ambientar a educação básica, assim como efeitos gráficos e visuais. Nada muito distinto do que já estamos acostumados a observar, inclusive, nas diferenças de ambiente de casas e escolas caracterizados pelo poder econômico. Chama atenção, especialmente, um trecho da reportagem de Marcelo Biazzi (a segunda reportagem selecionada), a materialização deste desnível social. Aos dois minutos e onze, na sequência da informação dada em off e caracteres gráficos de que as escolas de níveis sociais mais altos registram o avanço nos estudos e pontua as diferenças sociais entre escolas privadas e públicas, é selecionado um sobe som em que a professora diz “são fortonas”. Apesar de o contexto da aula ser o do ensino das sílabas tônicas, uma vez que as imagens no quadro têm esta relação, na construção narrativa este relevo ganha uma dimensão mais forte. Reforça a diferença.

A presença das soluções é bastante tímida nas duas primeiras reportagens assim como também é tímida a apresentação das relações de responsabilidade do Estado e das políticas públicas em cada um dos fatos apresentados. O único material em que o ministro da educação está é o da reportagem sobre o número de matrículas na educação básica. A escolha da sonora é uma leitura rasa do contexto da pesquisa. O trecho editado da fala de Camilo Santana durante uma coletiva de imprensa limita-se a dizer que são necessárias estratégias para que crianças e jovens frequentem escolas no Brasil e que os números apresentados serão utilizados para a construção das estratégias junto com estados e municípios. Ele aponta que o regime de articulação forte e colaborativo entre estados e municípios sob a coordenação do Ministério da Educação (mec) é o que garantirá o sucesso.

A terceira reportagem está organizada estruturalmente no relato de experiências e personagens que constroem perspectivas de mudança pela educação. Trata-se de uma reportagem auto declaratória e que, claramente, constrói uma narrativa paralela de preocupação social e com a educação por parte da emissora de tv. Ao apoiar iniciativas ela deixa o entendimento de que compartilha dos mesmos valores. Novamente o poder público é invisibilizado. Não há menção das responsabilidades e, tampouco, o que executivo e legislativo podem fazer.

Chama a atenção que os exemplos apresentados em forma de relatos individuais não tratam de educação básica. Falam de educação profissional principalmente. Só ao final da reportagem é que a explicação é apresentada pela fonte institucional. A iniciativa do prêmio é exatamente a de ultrapassar as experiências formais de educação. A ideia da narrativa é a de mostrar soluções possíveis para problemas da contemporaneidade. Ao apresentar somente institutos e ongs fica implícito o reforço da desresponsabilização do Estado na melhoria da educação.

A educação básica entra como último elemento constitutivo da narrativa. Traz uma experiência no sertão de Pernambuco. O diagnóstico da escola foi o de que pais, mães e responsáveis não davam suporte aos filhos pelo fato de também não serem alfabetizados. O projeto apresentado foi o de alfabetização para estas pessoas.

A quarta reportagem é a única que apresenta uma proposta concreta para o problema apresentado a partir da pesquisa que motivou a produção do audiovisual. A questão da educação sobre a história e cultura africana e afro-brasileira não é abordada pelas secretarias de educação mesmo sendo uma lei. A estrutura da reportagem de Vagner Tolendato é clássica: começa com personagens contando dos seus sofrimentos, mostra a pesquisa, os entrevistados e entrevistadas escolhidos são pessoas negras e, assim reforçam a legitimidade ao abordar o tema, são dadas soluções para o problema desenvolvido a partir da passagem do repórter. É importante salientar que o exemplo do cumprimento da lei é registrado numa escola municipal de Belo Horizonte. Demonstrando a relação do dever constitucional do Estado com a educação.

O que podemos observar inicialmente a partir das escolhas editoriais feitas pela emissora dona do telejornal mais assistido do país é a abordagem tangencial do viés resolutivo dos problemas narrados, exceto quando traz a iniciativa institucional para a reportagem. No que diz respeito aos valores-notícia, a educação é assunto central. É ponto de pauta que mobiliza a redação no sentido de investir na narrativa principalmente para denunciar a queda da qualidade ou de indicadores que disparam alerta sobre a necessidade de melhorias. Até mesmo quando a reportagem tem o interesse de exaltar as iniciativas promotoras de educação, o valor notícia está presente, pois só é possível interferir numa realidade e buscar alterá-la para melhor caso ela esteja em desacordo com o esperado.

Nessa esteira a estrutura narrativa não é eficiente no sentido de propor soluções que possam ser aplicadas nos mais diversos contextos. As reportagens, seja pelo tempo dispensado à narrativa, seja pelo caráter de superficialidade e factualidade de um telejornal de editoria mais abrangente, ou seja, pela forma tradicional de trabalho de jornalistas nas redações (procurar por pautas, selecionar os dados que sustentem as premissas a serem apuradas, encontrar personagens e, principalmente, especialistas que imprimam autoridade sobre as questões, além de organizar a edição de maneira a deixar o conteúdo atrativo para os públicos de maneira ampla), as estruturas narrativas e dramáticas seguem muito parecidas com o que tradicionalmente o telejornalismo já executa. Em relação ao potencial educativo revelado pelas reportagens e o enquadramento pelo qual são apresentadas as soluções, frisamos o silenciamento ou ainda um possível distanciamento da responsabilidade do poder público enquanto instância resolutiva, o que pode indicar uma aproximação com o jornalismo de soluções na medida em que ele propõe inovações ou atalhos para resolver questões que não acionem os meios tradicionais. No que diz respeito à efetiva proposição de soluções, entendemos que ainda há um caminho grande a ser percorrido para adoção do modelo jornalístico. Este modelo pode demandar mais tempo de produção, mais espaço para veiculação e alteração na percepção de jornalistas e de públicos no que se refere às promessas audiovisuais do que entendemos como jornalismo de soluções.

Considerações finais

Se tomarmos em consideração a promessa de explicação profunda do jornalismo de soluções para resolver problemas amplamente compartilhados, podemos começar a depreender que as narrativas do Jornal Nacional ainda não fazem a opção por este modelo em temas factuais e de apresentação de pesquisas. A postura ainda é a de exibir “o que deu errado” sem expandir esse sentido para fronteiras mais visionárias e de perspectivas a encontrar respostas para problemas socioculturais e econômicos. Para estabelecer se, de fato, esta é uma postura institucional e editorial definida pela emissora, ou se as pistas deixadas pelas reportagens dão conta de um “modo de fazer” orgânico do telejornalismo que favorece ou não o jornalismo de soluções, é necessária uma pesquisa mais profunda. Indicamos aqui alguns apontamentos feitos a partir dessa análise reduzida que podem orientar pesquisas futuras sobre a mudança ou a manutenção da maneira do telejornalismo de apresentar problemas reais e suas soluções.

No jornalismo de soluções, a autoridade jornalística é canalizada para expor soluções ao público, e legitimada ao colocá-las na agenda jornalística. O mesmo aparato de práticas e normas jornalísticas que o jornalismo tradicional usa para expor problemas é aqui aproveitado para cobrir soluções. As soluções exigem, portanto, reinterpretar os valores das notícias, mudando o foco dos problemas para as soluções.

A prática sugere um valor-notícia da ação social como base para a noticiabilidade. Afastando-se do sensacionalismo, dos quadros de conflito e da negatividade como critérios de noticiabilidade, o jornalismo de soluções trata as iniciativas para resolver problemas como um valor noticioso central que torna um assunto digno de notícia.

Mesmo que não tenha apresentado soluções ou tentativas resolutivas nas reportagens analisadas, o Jornal Nacional desnuda a realidade tão desafiadora do campo da educação no Brasil. Portanto, nesse cenário marcado pela ausência de políticas públicas, não é possível abrir mão de um jornalismo meramente de denúncia.

Referências

1.Beers, D. (2006). The public sphere and online, independent journalism. Canadian Journal of Education/Revue Canadienne de l’éducation, 29(1), 109-130. https://doi.org/10.2307/20054149

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12.Temer, A. C. P. R. (2018). Telejornalismo e responsabilidade social: a análise de conteúdo e a análise de discurso como base para a leitura crítica da mídia. Em C. Emerim, I. Coutinho, & C. Finger (Orgs.), Epistemologias do telejornalismo brasileiro (195-214). Insular.


1Reportagem exibida em 08/02/2023: “Educação básica: número de matrículas voltou ao patamar de antes da pandemia”. https://globoplay.globo.com/v/11352724/

2Reportagem exibida em 07/03/2023: “Alunos da educação básica não rendem tanto quanto os pais esperam”. https://globoplay.globo.com/v/11428528/

3Reportagem exibida em 26/04/2023: “Movimento led: luz na educação dá visibilidade a práticas inovadoras”. https://globoplay.globo.com/v/11569184/?s=0s

4Reportagem exibida em 13/05/2023: “Sete em cada 10 secretarias de educação não cumprem lei que determina o ensino sobre história e cultura afro-brasileira”. https://globoplay.globo.com/v/11616253/?s=0s

Para citar este artigo: Bispo, J., Goulart de Andrade, A. P., Falcão, L. F., & Martins, S. (2024). Telejornalismo e educação: entre o papel pedagógico e a abordagem de soluções. Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social “Disertaciones”, 17(2). https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.14026