Ensayos

JORNALISMO NAS REDES DIGITAIS RIBEIRINHAS NO AMAZONAS: A EXPERIÊNCIA DO CANAL EDUCATIVO AMAZÔNIA RIBEIRINHA NA PRODUÇÃO DE VÍDEOS NA PLATAFORMA DO YOUTUBE

Periodismo en redes digitales ribereñas en Amazonas: la experiencia del canal educativo Amazônia Ribeirinha en la producción de videos en la plataforma YouTube

Journalism in Digital Coastal Networks in Amazonas: The Experience of the Amazônia Ribeirinha Educational Channel in the Production of Videos on the YouTube Platform

Soriany Neves, Universidade Federal do Amazonas (ufam) (Brasil)

sorianyneves@ufam.edu.br

Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones", vol. 17, núm. 2, pp. 1-11, 2024

Universidad del Rosario

Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial 4.0 Internacional.

DOI: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.13997

Recebido: 8 de dezembro de 2023

Aprovado: 21 de fevereiro de 2024

Data de pré-publicação: 17 de maio de 2024

RESUMO

O artigo mostra o percurso da produção de conteúdo do canal educativo Amazônia Ribeirinha na plataforma do YouTube. O canal nasceu com uma perspectiva de produção alternativa, colaborativa e em rede durante a Covid-19, com a produção de notícias, webséries, documentários e vídeos educativos. O propósito foi apostar em uma produção mais próxima das realidades locais, com destaque para as histórias, protagonismos e resistências das populações tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos). Diante da escassez de notícias na região, principalmente no interior do Amazonas, onde o acesso é difícil, tendo o rio como único caminho às populações da região; e observando as multiplicidades de compreensão da Amazônia no Baixo Amazonas. Para tanto, os autores principais que nortearam o artigo foram Jenkis (2008), Martino (2015), Neves (2019), dentre outros. Quanto à metodologia tomou-se uma pespectiva de produção colaborativa em rede para a produção dos vídeos, com a participação das populações ribeirinhas e do ponto de vista de concepção e abordagem assentou-se nos pressupostos do método etnográfico e de uma perspectiva decolonial da seleção dos temas e entrevistados. O trabalho mostrou as possibilidades de produzir com dispositivos móveis, de baixo custo e a experimentação na produção de novas formas de narrar a Amazônia.

Palavras-chave: produção de vídeos; Amazônia ribeirinha; YouTube.

RESUMEN

Este artículo muestra el recorrido de producción de contenidos del canal educativo Amazônia Ribeirinha en la plataforma YouTube. El canal nació desde una perspectiva de creación alternativa, colaborativa y en red durante el Covid-19, generando noticias, web series, documentales y videos educativos. El objetivo era centrarse en una producción más cercana a las realidades locales, con énfasis en las historias, el protagonismo y las resistencias de las poblaciones tradicionales (indígenas, quilombolas, ribereñas), ante la escasez de noticias en la región, especialmente en el interior del Amazonas, donde el acceso es difícil, siendo el río la única vía para llegar a los poblados; y observar las multiplicidades de comprensión de la Amazonía en el Bajo Amazonas. Para ello, los principales autores que guiaron el artículo fueron Jenkis (2008), Martino (2015), Neves (2019), entre otros. En términos metodológicos, los videos se produjeron bajo un enfoque colaborativo en red, con la participación de las poblaciones ribereñas. Desde el punto de vista de concepción y abordaje, se basó en los presupuestos del método etnográfico y en una perspectiva decolonial en la selección de temas y entrevistados. El trabajo evidenció las posibilidades de producir con dispositivos móviles de bajo costo y la experimentación en crear nuevas formas de narrar la Amazonía.

Palabras clave: producción de video; Amazonas ribereño; YouTube.

ABSTRACT

This article shows the content production path of the Amazônia Ribeirinha educational channel on the YouTube platform. The channel was born from a perspective of alternative, collaborative and networked production during Covid 19, producing news, web series, documentaries and educational videos. The objective was to focus on a production closer to local realities, with emphasis on the stories, protagonism and resistance of traditional populations (Indigenous, quilombolas, coastal). Given the lack of news in the region, especially in the interior of Amazonas, where access is difficult, being the river the only way to reach the populations of the region; and to observe the multiplicities of understanding of Amazonia in the Lower Amazon. For this, the main authors that guided the article were Jenkis (2008), Martino (2015), Neves (2019), among others. In methodological terms, the videos were produced under a collaborative network approach, with the participation of coastal populations. From the point of view of conception and approach, it was based on the assumptions of the ethnographic method and a decolonial perspective in the selection of topics and interviewees. The work showed the possibilities of producing with low-cost mobile devices and experimentation in producing new ways of narrating the Amazon.

Keywords: Video production; coastal Amazon; YouTube.

A produção de conteúdo sobre a Amazônia em plataformas digitais a partir da perspectiva dos seus moradores em seus diversos territórios ainda é muito incipiente. A falta de informações e notícias contribui para obscurecer e fortalecer estereótipos acerca de suas populações, enfraquecendo o conhecimento da própria sociodiversidade existente. Dessa forma, a criação de um canal educativo mais próximo das realidades que destaque em primeiro plano as histórias, os protagonismos e resistências de suas populações tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos) e do que chamamos de Amazônia profunda, foi a tônica da produção na plataforma YouTube, pois a Amazônia contempla uma multiplicidade de populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas.

Diante das multiplicidades de compreender a Amazônia, bem como os modos de vida e as culturas existentes, tomemos o conceito de cultura pela ótica do plural, porque se trata de falar de culturas, e não somente de uma cultura, quando levamos em consideração a formação social da Amazônia desde a sua colonização. Dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic, 2019), revelaram, a partir da Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros, que é através de dispositivos móveis que os amazônidas mais conseguem se conectar à internet, com apenas 46 % dos acessos na região do Amazonas.

Os municípios próximos a Manaus possuem melhor conexão, mas os demais, sem estrada e com acesso apenas pelos rios, no interior do Amazonas, não têm internet ou têm uma conexão de baixíssima qualidade. Há um cabo de fibra ótica que possibilita maior velocidade e estabilidade na conexão de internet que chega até Coari e Tefé, mas é um trecho muito pequeno, em alguns locais as conexões são por antenas de rádios e satélite. Nesse sentido, o canal na plataforma do YouTube Amazônia Ribeirinha —que nasceu em 2020 com o objetivo dos alunos do curso Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas, Campus icsez, Parintins, terem uma perspectiva de produção alternativa, colaborativa e em rede durante a pandemia da Covid-19— teve como principais editorias a produção de notícias, webséries, documentários e vídeos educativos. Apresentadores, produtores e editores, discentes e docentes do curso e colaboradores criaram pautas em torno da cultura ribeirinha amazônica, os problemas da região e o cotidiano dessas populações.

O canal educativo Amazônia Ribeirinha, mais próximo das realidades locais, destaca as histórias, os protagonismos e resistências das populações tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos) e do que chamamos de Amazônia profunda. Diante da escassez de notícias na região, principalmente no interior do Amazonas, no qual o acesso é muito difícil, tendo o rio como único caminho às populações da região; e observando as multiplicidades de compreensão da Amazônia, os modos de vida e culturas existentes, este trabalho pretende mostrar a experiência do canal na produção de novas formas de narrar a Amazônia. O objetivo é revelar as estratégias para aumentar o engajamento do canal, considerando a circulação das produções via celular em um contexto de internet com dados móveis limitados, impedindo o download de vídeos em altas resoluções.

Muitas Amazônias para serem vistas

A paisagem midiática da Amazônia brasileira nas redes digitais costuma ainda ser muito distante do que realmente vivem seus moradores em seus vários territórios. Embora hoje existam inúmeros sites e plataformas digitais veiculando conteúdos sobre a região, a produção de conteúdo em grande medida ainda não é suficiente para atender as realidades e problemas de uma região que é pauta internacional.

Em um recente mapeamento realizado pela rede cidadã Infoamazônica sobre a produção de conteúdo nos estados do Amazonas, Acre, Pará, Rondônia e Maranhão, o estudo revelou a alta concentração da produção de conteúdo nos grandes centros urbanos.

A concentração dos meios mapeados nos principais centros urbanos de cada estado aponta para o que os pesquisadores do Atlas da Notícia chamam de desertos de notícia. No noticiário socioambiental, as áreas da Amazônia sem cobertura local se agudizam. Ao longo dos séculos, a ideia de ausência, de deserto, é reiteradamente imputada à Amazônia, por ignorância ou projeto de poder. Terra de ninguém, terra sem história, terra sem gente. A pouca produção e circulação de informação reforça esse apagamento. (Infoamazônica, 2022, p. 3)

Esses são os muitos desafios da produção de conteúdo e circulação na e da Amazônia nas plataformas digitais e entre esses também está à inserção das tecnologias digitais móveis (celulares conectados à internet, ambientes com wi-fi públicos) e maiores condições para a criação de conteúdos em plataformas digitais por seus moradores em uma perspectiva cidadã.

Na contemporaneidade a Amazônia continua a fazer parte da pauta internacional por se configurar como “uma região que tem um estatuto de natureza, disseminado em todo o mundo, e que se constitui em outro modo de interpretá-la e de inseri-la em conexões mais duradouras com a ciência e as tecnologias de preservação de racionalização dos recursos” (Silva, 2013, p. 91).

Entretanto, a Amazônia brasileira ainda é desconhecida no seu próprio país, tanto pela potencialidade de vir trazer desenvolvimento sustentável para a região, quanto pela compreensão das várias pautas de suas populações mais vulneráveis.

Na região Norte, destacam-se as iniciativas de inserção e adoção de experiências de tecnologias de comunicação e informação (tic), intensificadas pelo alcance da internet em espaços de suas populações tradicionais, neste caso, moradores de comunidades rurais, que até 10 anos atrás estavam praticamente fora dos processos de modernização que passam a região.

Os resultados do suplemento sobre Acesso à internet e à Televisão e posse de celular para uso pessoal (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [ibge], 2016) revelaram alguns indicadores de tais mudanças na região norte, que embora tenham apresentado uma maior diferença do alcance de internet entre as áreas urbanas e rurais;1 a região também protagonizou o maior crescimento de posse desse equipamento na área rural, com 2,0 pontos percentuais a mais do que em 2014.

Esse alcance em lugares remotos em comunidades amazônicas de municípios do Norte, já é uma realidade e é problematizado por Neves (2019) acerca da comunidade amazônica do Caburi, a 60 km do município de Parintins, interior do Amazonas que mostraram as transformações nessa comunidade pela presença do wi-fi no espaço de sociabilidade off-line, no espaço do mercado e de outros lugares ao longo da comunidade amazônica.

As dinâmicas das articulações no digital, as compartilhadas pelo WhatsApp, indicaram para a existência de novas conectividades ribeirinhas urbanas. É por meio de alguns grupos através dessa plataforma que compartilham informações, veiculam notícias de utilidade pública e mantêm-se conectados com outros parentes e amigos na área urbana de Parintins. As redes expandidas para a plataforma de WhatsApp ajudam no fortalecimento da ajuda mútua e da solidariedade na comunidade. Essa pesquisa também revelou que a percepção, nesse espaço de comunidade, segundo alguns moradores, mudou com essa configuração de internet, à medida que a comunidade ganhou status de “cidade”. Ainda que o caso da comunidade do Caburi em Parintins, no Amazonas mostre ainda um contexto incipiente de inserção das populações tradicionais no digital, é cada vez mais crescente o uso e apropriações por essas comunidades e moradores de comunidades ribeirinhas das plataformas digitais para disseminarem suas informações, fortalecimento e a busca por direitos sociais e reafirmação de seus modos de vida tradicionais e cultura.

Em um panorama mais geral, em face da configuração de um mundo cada vez mais digital e conectado, Alcântara (2020) historiciza que nos anos 2000 a internet se tornou interativa. A web 2.0 é a fase da participação, do diálogo, com o surgimento de redes sociais, blogs, wikis. E com a difusão da banda larga ampliam-se as possibilidades de mais velocidade e um volume maior de tráfego de dados, incentivando a troca de conteúdo multimídia e processos colaborativos. O usuário deixa de ser um leitor passivo e passa a ser um produtor ativo de conteúdo.
É a era do prossumidor (prosumer). Nessa perspectiva, o cenário possibilita pensar a noção de competência midiática que favorece para um viés crítico de um ambiente midiático no qual os meios se articulam com as experiências cotidianas (Martino, 2015).

Ainda segundo Alcântara (2020) na contemporaneidade a sociedade entrou na web 3.0, fase que inclui a mobilidade e o acesso à rede e às informações a qualquer hora, em qualquer lugar, através de qualquer dispositivo. Os aparelhos móveis, as múltiplas formas de conexão, o armazenamento de dados na nuvem são elementos constituintes dessa fase. Além disso, não são mais apenas os usuários que produzem conteúdo, mas os objetos também estão conectados e transmitindo dados. É a internet das coisas (IoT) e a busca por serviços e produtos cada vez mais personalizados.

Em paralelo a fase da web 3.0, entramos recentemente na era das inteligências generativas, artificiais que já estão transformando as formas de produção e de trabalho e isso consequentemente tende a ampliar a produção de conteúdo.

De posse desse cenário, a produção de conteúdo jornalístico e audiovisual para as mídias digitais tem ganhado outras perspectivas alternativas com o uso das plataformas digitais como, por exemplo, o YouTube na criação de conteúdos mais plurais e conectados com as dinâmicas das comunidades do entorno de municípios do Amazonas. Na plataforma, é possível criar web tv’s diversas, como também canais, a fim de disseminar conteúdos educativos e produções independentes mais criativas e inclusivas na projeção de outras amazônias, não tão visíveis ao redor do mundo pelas telas.

O Projeto Canal Educativo Amazônia Ribeirinha

Como vimos, as produções ribeirinhas nas redes são iniciativas ainda muito recentes tendo em vista a difusão de espaços digitais em praças e espaços públicos em comunidades da Amazônia terem ocorrido a partir de 2007. Na outra ponta, a ampliação das universidades em áreas remotas da Amazônia, como o projeto Multicampi da Universidade federal do Amazonas também contribuiu por meio do curso de Jornalismo do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia em Parintins, Amazonas na articulação com as comunidades locais para a elaboração de tais produções.

A concepção de um canal na plataforma do YouTube vem atender aos anseios de alunos, professores e das comunidades locais em reportar sobre suas realidades e problemáticas locais em uma Amazônia urbana e em transformação.

Nessa perspectiva, o canal educativo Amazônia Ribeirinha foi um projeto audiovisual que foi construído para a plataforma digital do YouTube e sua distribuição ocorreu também por meio das mídias sociais Instagram e do WhatsApp, com maior popularidade e usabilidade pelas populações com menor poder aquisitivo, no compartilhamento de vídeos curtos de até 1 min e 30 s, com links para o canal na plataforma principal (YouTube).

A estratégia foi pensada para que as produções circulassem por meio do celular e para dar maior engajamento às produções do canal em um contexto em que as populações se utilizam de internet com dados móveis limitados e que não comporta a velocidade necessária para baixar vídeos com grandes resoluções.

O projeto nasceu com a produção da websérie Pandemia no Amazonas durante a Pandemia da Covid-19, em meados de 2020, e constitui-se como a primeira produção do gênero para a plataforma digital do YouTube por meio do canal educativo Amazônia Ribeirinha, publicado em março de 2021.

Figura 1. Episódio da websérie Pandemia no Amazonas

Interface gráfica do usuário, AplicativoDescrição gerada automaticamente

Fonte: https://www.YouTube.com/watch?v=bUk6YJrP12c

A iniciativa teve como objetivo trabalhar com comunidades ribeirinhas que passaram a ter acesso às redes digitais, neste caso com a articulação com moradores da Comunidade do Caburi, a 60 km de Parintins, via fluvial.

Nos últimos anos, a conexão com à Internet, na região da Amazônia Legal,2 se tornou viável, conforme relatam Neves (2019) e Franco (2019), momento que ativistas de comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhos, começam a tomar e fazer uso das redes no Amazonas. O canal educativo Amazônia Ribeirinha teve como primeira publicação a websérie sobre a Pandemia no Amazonas, produzida no final de 2020, mais precisamente em Parintins/Amazonas.

Os episódios produzidos, “Agonia indígena na crise do Covid-19” e as “Aulas nas ondas do rio e do rádio”, integraram os primeiros esforços de incentivar produções audiovisuais por acadêmicos de jornalismo durante a graduação. A concepção do canal foi inspirada nas ambiências e contextos amazônicos, bem como as trilhas sonoras e sons da floresta e das etnias que aqui habitam. Essa foi uma das apostas para conferir identidade também ao projeto dos vídeos.

Nesse sentido urge estimular a produção audiovisual de temas amazônicos na plataforma do YouTube que retrate aspectos das realidades e cultura amazônica ribeirinha sem exotizá-la ou considerá-la como primitiva, atrasada, ampliando dessa forma o conhecimento sobre os povos tradicionais da Amazônia Ocidental. A produção consistiu na websérie documental sobre as realidades nessas comunidades do entorno do município de Parintins, no Baixo Amazonas em tempos de pandemia. A produção foi coordenada pela professora Soriany Neves, por meio de projeto de extensão e de cerca de 8 discentes e professores colaboradores do curso de Jornalismo do icsez/Parintins e a concepção de produção foi compartilhada e em rede, ou seja, com a co-participação de moradores do município de Parintins na gravação de videoselfies para compor a narração dos vídeos e elaborar os roteiros para a websérie.

Metodologia

A abordagem metodológica da concepção de produção e de pesquisa para a produção da websérie Pandemia no Amazonas para o canal educativo Amazônia Ribeirinha foi assentada nos pressupostos do método etnográfico e de uma perspectiva decolonial da seleção dos temas e entrevistados. Quanto à concepção teórica as pesquisas que fundamentaram a produção de conteúdo do canal educativo Amazônia Ribeirinha foram a partir de leituras de autores amazônicos que discutem a região de forma não homogênea e contra-hegemônica como Antonio Loureiro (2008), Trindade Júnior et al. (2011), Terezinha Fraxe (2004), Silva (2013) e de pesquisas a partir da tese de doutorado de Neves (2019), “Wi-fi na Floresta: uma comunidade rural amazônica em redes e as mudanças no espaço de sociabilidade”, a qual entende que a rede pelas quais as comunidades amazônicas se interconectam-se ao social é a ideia de rede de Latour (2012), para quem a rede assume o sentindo de ligação e vínculo, em que a conexão e a articulação ocorrem entre elementos híbridos, orgânico e inorgânico, humano e técnico. Como afirma Di Felice (2009), o social, para Latour, é uma rede heterogênea, constituída não apenas de humanos, mas também de não humanos, os quais, ambos, são considerados na associação.

A abordagem foi a mais adequada à medida que pressupõe a imersão no universo da cultura pesquisada, nesse caso os povos tradicionais e populações que habitam o contexto amazônico. Para tanto a produção foi descentralizada contando com correspondentes em algumas comunidades estratégicas do município de Parintins que tinham preferencialmente internet.

Os correspondentes participantes eram pessoas que moram nessas comunidades, e os estudantes de jornalismo do curso de Parintins, que atuaram no contato e produção da edição dos vídeos. A concepção de trabalho adotada, foi uma perspectiva de compartilhamento e em rede, o que permitiu uma construção conjunta com as populações ribeirinhas (três personagens) da websérie dessa parte da Amazônia e um maior engajamento da produção na narrativa dos vídeos.

As etapas de produção foram organizadas da seguinte forma a saber: a primeira compreendeu o contato com as fontes que participaram dos episódios, a acadêmica da etnia tikuna, que foi a personagem central do primeiro episódio, “Agonia indígena na Covid-19”, e o professor e aluno ribeirinho que integraram o segundo episódio, “Aulas nas ondas do rio e do rádio”. Ressalta-se que os personagens (entrevistados) conduziram a elaboração do roteiro do impacto da pandemia nas suas vidas a partir de seus relatos na forma de videoselfies. Os vídeos foram enviados por meio do aplicativo de mensagem WhatsApp, bem como as mensagens trocadas e compartilhadas sobre a produção dos episódios da websérie. Outro recurso utilizado foi o Google Drive para armazenamento de todos os vídeos enviados, fundamental para acompanhamento da equipe do fluxo de conteúdos gerados.

Processo de produção dos vídeos: redação descentralizada nas telas do WhatsApp

Do ponto de vista da produção técnica de construção e do formato dos vídeos, foram utilizados autores que abordam sobre universo multiplataforma e transmídia a saber: Dena (2021), Henry Jenkins (2008), Nicolik (2016), além de autores do Jornalismo como Canavilhas e Satuf (2014), Ferrari (2014), Nunes (2009) e Silva (2015). Para formatação dos vídeos nos baseamos em canais existentes no YouTube como Reload, Canal Futura, Justificando, dentre outros.

O canal educativo Amazônia Ribeirinha teve como processo de produção dos vídeos, as seguintes etapas: primeiro, foram realizadas reuniões online por meio do Google Meet e WhatsApp, para discussões sobre as pautas a serem abordadas, em seguida a elaboração do roteiro, feito pelo próprio apresentador, sob orientação da coordenadora do projeto e de um aluno (editor). Após essa fase, o fluxo de trabalho direcionava-se ao editor de edição de vídeo, com o uso do software de edição Vegas, onde acontecia a montagem e era organizado de acordo com o roteiro de edição e imagens de apoio enviadas pelo apresentador e produtor, e enfim a aprovação e veiculação da produção. Os vídeos tinham programação semanal de terças e quintas-feiras durante o semestre letivo.

Durante os anos de 2021 a 2022, o canal teve 5 temporadas nos semestres letivos. A primeira mais focada na produção de webséries e as subsequentes ampliadas com a criação de novos quadros de perfil mais jornalísticos. Na segunda temporada, o canal estreou com o vídeo “Chamada canal Amazônia Ribeirinha”, onde as apresentadoras avisam sobre o retorno da temporada. Em seguida, foram publicados os vídeos dos quadros “Olho na pauta” onde é abordado temas mais atuais e relevantes que influenciam sobre a Amazônia ribeirinha; “Vozes da comunidade” apresentando comunidades da região; “Literatura amazônica” onde fala-se sobre escritores locais; “Top dos memes” um segmento mais diversional para o canal abordando temas diversionais comentados nas redes sociais. Sendo assim, os vídeos da segunda temporada foram “Chamada canal Amazônia Ribeirinha”; “Olho na pauta: o que é marco temporal?”; “Olho na pauta: queimadas na Amazônia”; “Olho na pauta: representatividade feminina na política”; “Olho na pauta: arte que transforma”; “Olho na pauta: contaminação dos peixes gera insegurança na
população”; “Olho na pauta: o aumento da violência contra jornalistas no exercício da profissão”; “Vozes das comunidades: comunidade Cachoeira do Aruã/pa”; “Olho na pauta: Fcecon prevê 700 novos casos de câncer no Amazonas”; “Literatura amazônica: Milton Hatuom”; “Olho na pauta: BR-319”; “Parintins: aniversário de 169 anos da Ilha Tupinambarana”; “Olho na pauta: Funai contra indígenas”; “Top dos memes: top 1 da internet”; “Olho na pauta: retorno das aulas presenciais”; “Olho na pauta: rede Rhisa em Parintins”; “Olho na pauta: fechamento do Hospital Padre Colombo”; “Olho na pauta: cop 26 - Amazônia em foco”; “Olho na pauta: guerreiras da Amazônia”; “Olho na pauta: resistência: racismo estrutural no século xxi”.

Ressalta-se que essa temporada ainda ocorreu de forma remota, em que os componentes do projeto faziam as gravações a partir de suas residências. Já a terceira, quarta e quinta temporadas aconteceram em 2022, ano em que as atividades acadêmicas foram flexibilizadas para o formato de Ensino híbrido devido a estabilização da Pandemia da Covid-19, e o que possibilitaram maior dinamismo e participação dos discentes ao projeto. Como resultados dessas produções na primeira fase do canal, obteve-se a premiação com a websérie “Pandemia no Amazonas” no evento da Expocom, de pesquisa empírica da área da Comunicação na modalidade produções audiovisuais para web e numa segunda etapa parcerias interdisciplinares na produção de vídeos com outros cursos a exemplo do Serviço Social, do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia de Parintins (icsez/ufam). E em 2023, o canal ganhou pela segunda vez a premiação no Expocom, Intercom Norte, na categoria “Produção audiovisual para mídias digitais”. Ao todo foram produzidos 68 vídeos desde a criação do canal em 2020, contabilizando mais de 13 mil visualizações.

Conclusão

As produções de conteúdo no formato e dinâmicas para as plataformas do YouTube nos fez experienciar como as demandas no digital são fluidas e complexas à medida que há que se adequar as configurações e dinâmicas da plataforma, (tempo do vídeo, políticas de exibição de conteúdos, seo, métricas dentre outros) ao mesmo tempo, que não foram necessárias longas discussões presenciais para o cumprimento das produções e fluxos dos vídeos. Outra constatação é que para fazer circular os conteúdos produzidos, tornava-se necessário grande planejamento para que os vídeos tivessem um maior alcance para um maior número de pessoas e, assim incentivar as trocas e interações entre os seguidores. O processo de produção não obedeceu a uma linearidade, pois alguns conteúdos face ao agendamento midiático e proveniente do que se estava em alta nas redes sociais também influenciaram e modificaram a publicação de muitos vídeos. Nesse sentido, o canal educativo Amazônia Ribeirinha movimentou as atividades de extensão do curso de Jornalismo nos anos críticos da pandemia, com a produção de três temporadas (1, 2 e 3) e as (4 e 5) após o período pandêmico, não deixando uma lacuna nas produções midiáticas do curso. Tanto que a produção da primeira etapa do canal educativo para a websérie “Pandemia no Amazonas” foi 90 % remota, com exceção de registro de imagens em plano geral capturadas pela cidade de Parintins durante o período de isolamento social e toque de recolher no segundo semestre de 2020.

O fato contribuiu para criar uma audiência para o canal com um total de mais de 13 mil visualizações, ao mesmo tempo que garantiu a participação do curso no maior evento da área de Comunicação e pesquisa Experimental (Expocom), no qual o canal foi vencedor na categoria produção audiovisual para mídias digitais.

As experimentações nos mostraram que esse formato de produção jornalístico e de audiovisual foi desafiador pois tornou mais demorado a produção dos episódios, se compararmos com os fluxos no presencial. Por outro lado, a produção se mostrou bem-sucedida à medida que os episódios serviram para marcar o registro de um período crítico da pandemia no Amazonas, servindo dessa forma para documentar o impacto da pandemia nas populações mais vulneráveis. Além disso, possibilitou um engajamento maior por parte dos alunos em produções colaborativas junto às comunidades ribeirinhas do entorno do município de Parintins.

Referências

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1A área urbana na região norte mostrou que 78,1 % das pessoas de 10 anos ou mais de idade possuíam telefone celular, em contrapartida, apenas, 39,1 % das pessoas da área rural possuíam tal equipamento (ibge, 2016).

2Amazônia Legal é a área da Floresta Amazônica que abrange nove estados do Brasil: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e parte de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.

Para citar este artigo: Neves, S. (2024). Jornalismo nas redes digitais ribeirinhas no Amazonas: a experiência do canal educativo Amazônia Ribeirinha na produção de vídeos na plataforma do YouTube. Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social “Disertaciones”, 17(2). https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.13997