Estudios

JORNALISTAS CHECADORES DE FATOS E MUDANÇA DE HÁBITOS: DESCOBERTAS INICIAIS

Periodistas de verificación de hechos y cambio de hábitos: primeros hallazgos

Fact-Checking Journalists and Change of Habits: First Findings

Marina Aparecida Sad Albuquerque de Carvalho, Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil)

marina.sad@ufjf.br

Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones", vol. 17, núm. 2, pp. 1-11, 2024

Universidad del Rosario

Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial 4.0 Internacional.

DOI: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.13995

Recebido: 8 de dezembro de 2023

Aprovado: 21 de fevereiro de 2024

Data de pré-publicação: 24 de junho de 2024

RESUMO

O artigo apresenta os resultados de análises dos conteúdos das agências Lupa e Aos Fatos para pesquisar em que medida o confronto entre a circulação de desinformação na pandemia de Covid-19 e os procedimentos de verificação conduzem a mudanças de hábito em jornalistas, conforme proposta de Charles Peirce. Selecionamos as cinco checagens publicadas no Twitter e mais retuitadas, de cada agência, e observamos se consideram a origem da informação (robótica ou humana), como os aspectos qualitativos dos signos podem indicar diferentes origens e impactar o processo perceptivo, a presença dos valores-notícia e de critérios comerciais e políticos e como os diferentes signos desencadeiam objetos imediatos. Avaliamos, ainda, a predominância de interpretantes, pois os lógicos desencadeiam mudança de hábito. As análises apontaram que os conteúdos não levam em consideração a origem da desinformação e que predominam os sinsignos indicais dicentes para trazer mais certeza. Assim, a busca pela comprovação é como ocorre a aproximação com o objeto dinâmico. A predominância desses signos pode conduzir
a interpretantes lógicos para fixação de crenças pelo método científico. Os conteúdos seguem um padrão de escrita jornalística e de patrocínio por meio das empresas do Vale do Silício, o que pode limitar a geração de interpretantes lógicos.

Palavras-chave: desinformação; checagem de fatos; pragmaticismo; mudança de hábito; pandemia de Covid-19.

RESUMEN

El artículo presenta los resultados de los análisis de contenido de las agencias Lupa y Aos Fatos para investigar en qué medida la confrontación entre el flujo de desinformación durante la pandemia de Covid-19 y los procedimientos de verificación conducen a cambios de hábitos en los periodistas, según la propuesta de Charles Peirce. Se han seleccionado cinco publicaciones de verificación en Twitter y retuits adicionales, de cada agencia, y se ha observado si consideran el origen de la información (robótica o humana), cómo los aspectos de calidad de las señales pueden indicar diferentes orígenes e impactar en el proceso perceptivo, la presencia de valores noticiosos y criterios comerciales y políticos, y cómo los distintos signos desencadenan objetos inmediatos. Se ha evaluado, además, el predominio de los interpretantes, ya que los lógicos desencadenan el cambio de hábitos. Los análisis resaltan que el contenido no tiene en cuenta el origen de la desinformación y que para la certeza prevalecen distintivos sin signos indexicales. Por lo tanto, la búsqueda de la confirmación es cómo se produce la mayor aproximación con el objeto dinámico. El predominio de esos signos puede conducir a interpretantes lógicos para fijar las creencias por el método científico. Los contenidos siguen un patrón de redacción periodística y patrocinio a través de empresas de Silicon Valley, lo que puede restringir el establecimiento de interpretantes lógicos.

Palabras clave: desinformación; verificación de datos; pragmatismo; cambio de hábitos; pandemia del Covid-19.

ABSTRACT

The article presents the results of content analysis of the agencies Lupa and Aos Fatos to investigate to what extent the confrontation between the flow of disinformation during the Covid-19 pandemic and the verification procedures lead to changes in journalists’ habits, according to Charles Peirce’s proposal. Five Twitter verification posts and additional retweets, from each agency, have been selected and it has been observed whether they consider the origin of the information (robotic or human), how quality aspects of the signs may indicate different origins and impact the perceptual process , the presence of news values and commercial and political criteria, and how different signs trigger immediate objects. The predominance of interpreters has also been evaluated, as logicians trigger habit change. The analyses point out that the content does not consider the origin of misinformation and that for certainty distinctive indexical non-signs prevail. Therefore, the search for confirmation is how the closest approximation with the dynamic object occurs. The predominance of these signs can lead to logical interpreters to fix beliefs by the scientific method. The contents follow a pattern of journalistic writing and sponsorship through Silicon Valley companies, which may restrict the establishment of logical interpreters.

Keywords: Misinformation; fact-checking; pragmatismo; change of habits; Covid-19 pandemic.

O artigo pretende apresentar os resultados de análises dos conteúdos publicados pelas agências Lupa e Aos Fatos1 na tentativa de descobrir em que medida o confronto entre a circulação de desinformação durante a pandemia de Covid-19 e os procedimentos de verificação podem conduzir a mudanças nos processos interpretativos de jornalistas checadores de fatos, ampliando suas capacidades críticas. Por meio da análise, verificaremos se os conteúdos consideram ou não a origem da informação (robótica ou humana), em que medida os diferentes aspectos qualitativos dos signos podem indicar diferentes origens e, consequentemente, impactar o processo perceptivo dos jornalistas checadores. Identificaremos, também, a presença dos valores-notícia e de critérios comerciais e políticos e como os diferentes tipos de signos desencadeiam objetos imediatos na mente desses jornalistas para representação dos objetos dinâmicos.2 Por fim, avaliaremos a predominância de interpretantes emocionais, energéticos ou lógicos,3 tendo em vista que a mudança de hábito, conforme proposta de Charles S. Peirce, é possível a partir do desenvolvimento de interpretantes lógicos (cp 5.476).

Os resultados a serem apresentados são parte de uma pesquisa que busca compreender se os processos sígnicos envolvidos nas atividades de verificação promovem mudança de hábitos, conforme abordaremos ao longo deste artigo, nos jornalistas que praticam tais atividades. A hipótese do estudo é de que, no confronto entre desinformação e verificação, ocorrem limitações que impedem um aperfeiçoamento consistente da capacidade crítica dos jornalistas. A partir dessa hipótese, propomos três sub-hipóteses, de acordo com as categorias fenomenológicas de Peirce —primeiridade, secundidade e terceiridade—.4 Em relação à primeira sub-hipótese, suspeitamos que a falta de transparência sobre a origem da desinformação, se robótica ou humana, impacta os processos de verificação, dificultando o processo perceptivo dos jornalistas em relação à própria constituição qualitativa das notícias.

Na segunda sub-hipótese, observamos que o confronto entre a insistência da dinâmica dos fatos em se ver representada e o “empacotamento” de notícias, articulado aos interesses comerciais e políticos das empresas de verificação, gera conflitos nos processos interpretativos dos jornalistas sobre a relação entre fatos e notícias. Na última sub-hipótese, levantamos que a influência da robótica e das condições de trabalho nos procedimentos de checagem limitam possíveis mudanças nos hábitos mentais nos profissionais verificadores, no sentido de ampliar capacidades críticas.

Antes de apresentarmos os resultados das análises já realizadas, é necessário contextualizar a ideia de mudança de hábito.

A mudança de hábito

A noção de hábito é a principal responsável pela coerência entre as escalas de complexidade no trabalho de Peirce, que vão das suas categorias fenomenológicas até as ciências normativas (estética, ética e lógica ou semiótica), envolvendo os signos, as teorias da investigação, o pragmaticismo evolucionário, a metafísica, o realismo radical e, especialmente, o sinequismo (Santaella, 2016).

Peirce compreende a terceiridade como a formação e a tendência de adquirir hábitos conscientemente (cp 1.32; ms 681, 20-22). A ideia de hábito pressupõe continuidade no tempo, poder para evocar ideias e, também, mudança. Para compreender essa ideia paradoxal, pois, em geral, o hábito é uma tendência que pressupõe continuidade, faz-se necessário tratar o hábito como parte do sinequismo,5 “ou a doutrina de que tudo existe em continuidade” (cp 1.172). Nöth (2016) pontua que o sinequismo se manifesta na prática de um hábito, na tendência à generalização e na tendência das ideias a crescer e se espalharem. “Crenças somente são verdadeiras quando têm continuidade no tempo” (Nöth, 2016, p. 41, tradução nossa).

Os hábitos, contudo, não seriam um fenômeno restrito ao humano, mas viriam da própria natureza. Para Peirce, as leis da física só se tornaram regularidades fixas após processos de evolução com a atuação do acaso, de forma a ampliar a variedade do mundo, até que se chegasse à uniformidade. O lógico defende que o universo está progredindo do acaso puro (primeiridade) para um estado de completa determinação da lei (terceiridade), em uma propensão a adquirir hábitos que evolui gradualmente e se fortalece.

No entanto, os fatos não se conformam precisamente e uniformemente à lei. O tiquismo é o que define a regularidade imperfeita da natureza provocada por desvios infinitesimais da lei. Assim, o acaso é uma característica objetiva da natureza contrabalanceada com o papel dos hábitos (cp 6.46). As divergências são raras e atuam devagar, mas são frequentes e fazem com que também a mente humana seja flexível e instável; consequentemente alguns hábitos são deixados de lado e outros adotados (cp 6.101). O acaso é, então, uma fonte de criatividade que adia a tendência à estagnação. Ele diferencia, ainda, a lei do hábito, tendo em vista que a lei não atua com exceções, enquanto o hábito leva em consideração exceções e desvios.

Nöth (2016) atenta, ainda, que a causa final do crescimento de um hábito não é avaliada pela própria lei do hábito, mas nos termos das ciências normativas. A “estética considera as coisas cujos fins são para incorporar qualidades de sentimento, ética [estuda] as coisas cujos fins estão na ação e lógica [estuda] as coisas cujo fim é representar algo” (cp 5.129). A ética é necessária na medida em que é um ideal que, deliberadamente, estamos preparados para adotar. Ela é reforçada pela estética, a qual nos conduz ao ideal pragmático último.

Por um lado, na estética, somos atraídos irresistivelmente para o que é admirável, ou seja, o crescimento da razão criativa no mundo; por outro lado, por meio da ética, o poder da autocrítica e do autocontrole levam à mudança de hábito, permitindo que a ação ética seja exercida por meio daquele ideal (Santaella, 2016). Os hábitos ruins de raciocínio tendem a ser corrigidos pelos bons por meio do autocontrole possível com as normas e a crítica da lógica, as quais evidenciam se o hábito produz uma conclusão verdadeira ou falsa (Nöth, 2016).

Por tudo isso, constata-se que a mudança de hábito assume papel central na teoria de Peirce, pois, sem ela, não pode haver evolução. A mudança de hábito, compreendida como uma progressão de interpretantes lógicos, explicita a relação do pragmatismo evolucionário com a teoria dos signos, em que a constante mudança dos interpretantes dinâmicos tende ao interpretante final,6 um ideal pensável, mas concretamente inalcançável, pois a razão criativa está em constante ação (Santaella, 2016).

A mudança de hábito e o método científico

Para Nöth (2016), o hábito exemplar associado à mudança de hábito é o conhecimento. “O crescimento auto-organizado do conhecimento nas ciências exemplifica o hábito da mudança de hábito (cf. Nöth, 2014). O conhecimento antigo é abandonado quando novas evidências levam ao insight de que ele é incompatível com a experiência e a realidade” (Nöth, 2016, p. 57, tradução nossa). Peirce postulava que o método científico era o único capaz de fixar uma crença de forma independente de nossos pensamentos e opiniões, predominantemente, a partir da atuação de forças externas e do raciocínio. Ainda jovem, o lógico desenvolveu o texto “A fixação das crenças” (cp 5.358-87), no qual descreve, ainda de maneira inicial, o método científico e mais outros três métodos para fixação de crenças.

Antes de abordar esses métodos, o lógico esclarece que a crença é um estado satisfatório e calmo, no qual tentamos nos manter, a dúvida leva à irritação e, por isso, há a necessidade de libertação em uma tentativa de alterá-la para a crença (cp 5.372). Assim, a dúvida gera uma ação imediata que tende ao alívio, já a crença estabelece um determinado tipo de comportamento quando surge a ocasião, ou seja, um hábito para ação a partir de certos estímulos (cp 5.373).

O primeiro método de fixação das crenças é o da tenacidade (cp 5.377), o mais primitivo, em que o indivíduo se apega fortemente às suas crenças e evita interagir com aqueles que pensam diferente ou despreza o que é contrário ao que acredita. O segundo é o da autoridade (cp 5.379), similar ao método da tenacidade, mas no nível social, ou seja, a crença passa a ser fixada a partir de uma instituição, como a Igreja ou o Estado, que isola evidências contrárias com censura ou opressão.

No método a priori (cp 5, 382), o terceiro deles, simplesmente acredita-se naquilo que se está propenso a acreditar porque é considerado bom. O último método é o científico (cp 5.384), por meio do qual a crença não seria fixada a partir de um esforço humano, por aquilo que desejamos acreditar, mas de coisas externas, sobre as quais os nossos pensamentos não têm efeito, pois são independentes de nossa opinião e determinadas a partir do raciocínio. Por meio do método científico, “[...] qualquer homem, se possuir suficiente experiência e raciocinar o suficiente sobre o assunto, será conduzido à única conclusão verdadeira” (cp 5.385). A partir desse método, Peirce propunha o falibilismo, por meio do qual é possível confiar em nossas crenças, mas não apostar plenamente nelas (cp 1.149).

Para que seja possível deixar a opinião de lado e permitir que essas forças externas atuem, Peirce propunha algumas fases de raciocínio que podem ser relacionadas a uma progressão de interpretantes lógicos.7 A primeira delas é lançamento de hipóteses a partir do problema de pesquisa, denominada abdução (cp 5.196). Apesar de surgirem de uma associação inusitada de ideias no processo perceptivo e, ainda que sejam formas de inferências vagas, são elas que dão continuidade a todo processo de investigação.

Depois de formulada, a hipótese é disposta em um diagrama mental para que se possa alcançar seus desdobramentos, eventualmente por meio de sub-hipóteses, a partir de experimentações mentais. Com isso, é possível subtrair os aspectos mais plausíveis para a compreensão do problema e, assim, levá-los adiante na investigação. A partir do diagrama montado, é necessário levantar as consequências práticas possíveis para que, em seguida, ocorra o teste empírico. Assim, os aspectos gerais das ideias, típicos das hipóteses, são transportados para uma realidade concreta, tornam-se eventos singulares, por meio de inferências dedutivas (cp 4.549).

Em seguida, ocorre a indução, o momento no qual as conjecturas passarão pelo teste empírico necessário na medida em que é preciso ir além da mente do pesquisador, procurando um certo padrão, na realidade, para os processos estudados. De posse dos resultados do teste, busca-se alcançar a lei que está à frente da regularidade do fenômeno estudado, analisando qual grau de confirmação obtiveram na pesquisa (cp 8.209).

Os diferentes métodos de fixação de crenças e seus correspondentes interpretantes

Ibri (2018) associa os diferentes métodos de fixação à aproximação com o objeto dinâmico e à predominância de interpretantes emocionais ou lógicos. Lembramos, conforme já ressaltado, que os interpretantes lógicos podem levar à mudança de hábitos e ao aperfeiçoamento da capacidade crítica.

Retomando as ideias de crença e a dúvida, Ibri (2018) relembra que ambas são reais e geram consequências para a conduta, o que demostra a recusa de Peirce aos ceticismos em plano teórico e especulativo. Ou seja, mesmo que os métodos de fixação das crenças sejam da fase mais jovem de Peirce, já demonstram a condição de significação como um conceito que aparece na forma de ação. “O conceito de ação se torna ontologicamente significativo, por denotar como se dá a relação entre mundo interno, configurado por crenças, hábitos, conceitos, com o mundo externo, público, ao qual qualquer mente tem potencial e circunstancialmente acesso direto” (Ibri, 2018, p. 923).

Ibri (2018) pontua que, melhor do que explicar a dúvida como um desconforto é explicitar o estabelecimento da crença pelo viés fenomenológico e semiótico ou lógico, o que seria também uma tarefa pragmática, já que crenças genuínas são guias de conduta.8 Ao adotar uma conduta, é exercida certa racionalidade para a criação de mediações em um mundo reativo, de alteridade, que não se curva às representações dele efetuadas. Por meio da fenomenologia, é possível fazer uma previsão do futuro para que possamos adequar a conduta aos fatos, o que, então, justificam as crenças como “[...] hábitos de ação que se associam a uma conduta redundante por que atingem os fins que se desejam” (Ibri, 2018, p. 924). Isso impulsiona Ibri (2018) a se questionar “que fins seriam esses e como eles se vinculariam à natureza de dois dos mais importantes interpretantes da semiótica de Peirce —o lógico e o emocional—” (p. 924).9

Ibri (2018) explica os métodos de fixação das crenças modificando a ordem em que são originalmente apresentados por Peirce na tentativa de melhor relacioná-los semioticamente com o objeto dinâmico. O método científico possibilitaria um diálogo contínuo das teorias com a experiência, fazendo com que as teorias verdadeiras sejam aquelas que demonstrem boa aderência10 entre signos e objetos e, consequentemente, permitindo interpretantes lógicos comuns a toda a comunidade de investigadores. A razão para isso é o reconhecimento de que objeto imediato e dinâmico são diferentes, sendo que teorias propostas pelo primeiro tentam compreender este último. Aqui, prevalecem os fatos, ou seja, “o objeto dinâmico se impõe ao objeto imediato contido nos interpretantes lógicos” (Ibri, 2018, p. 928).

Para Peirce, não existe o incognoscível, portanto, a realidade sempre vai se mostrar de alguma forma. Assim, primeiridade e terceiridade, indeterminações do contínuo sem forma e com forma, respectivamente, segundo Ibri (2018), vão se manifestar na forma de secundidade como fatos particulares que se apresentam a qualquer mente que estiver aberta à interpretação.

As crenças científicas não podem, assim, cristalizar seus hábitos, constituídos pelas teorias que balizam a leitura dos fenômenos. [...] As crenças científicas são crenças vivas, na medida mesma em que sobrevivem sustentadas no diálogo interpretável entre os signos e seus objetos. Para tais crenças, a alteridade tem sempre a última palavra, pois é ela que impõe qual a forma lógica que devem ter as mediações, de modo que essas balizem com eficiência a conduta a ser adotada no teatro de reações. (Ibri, 2018, p. 927)

Já na fixação de crenças pelo método da autoridade, o diálogo semiótico com a experiência é utilizado para direcionar a conduta, e a interpretação final dos fatos é responsabilidade da autoridade que propõe hipóteses, lança estratégias e interpreta os resultados desta última. Aos subordinados cabe a execução das demandas, ou seja, “a generalização empírica das ações em sua segundidade” (Ibri, 2018, p. 928).

Segundo Ibri (2018), as estratégias são calculadas a partir dos resultados práticos e os interpretantes emocionais são colocados de lado pela necessidade de previsão do futuro por meio da melhor análise lógica possível, pois, no caso das guerras, por exemplo, está em jogo vida ou morte, vitória ou derrota. Dessa forma, predominam os interpretantes lógicos, e os emocionais estariam mais presentes nos fins da ação que podem estar atreladas à juízos morais. “As guerras, parece óbvio dizer, nem sempre têm finalidade libertária” (Ibri, 2018, p. 929).

No método a priori, as crenças são fixadas sem diálogo com o objeto dinâmico que não é experienciado, porque se crê no que é conveniente e permite um certo “conforto espiritual” (Ibri, 2018, p. 929). Nesse caso, dificilmente haverá um consenso universal, como no método científico, tendo em vista que o a priori é sustentado por “doutrinas que afirmam a realidade de objetos cujo lado externo não pode ser experienciado, permanecendo apenas interiores ao que dele em teoria se declara” (Ibri, 2018, p. 929). A realidade não sustenta a crença e, dessa forma, vale a verdade arbitrada por alguém, geralmente que exerce poder, prevalecendo os interpretantes emocionais, pois os interpretantes lógicos são amparados por objetos dinâmicos.

Pode-se dizer, que do método científico até o a priori, passando pelo da autoridade, gradativamente se sobrelevam os interpretantes emocionais sobre os lógicos, uma vez que aqueles passam a ancorar as crenças. Isso, a meu ver, se dá por uma espécie de gradual crepúsculo, permitindo-me essa metáfora, da realidade enquanto algo que radicalmente independe de nossas opiniões sobre ela. Esse movimento, é aqui importante notar, esgarça o universal acordo de opiniões promovido pelo balizamento do signo pelo objeto, levando-o a relativismos advindos do arbítrio dos objetos apenas criados no interior do signo. (Ibri, 2018, p. 930)

Para Ibri (2018), o método da tenacidade seria o “mais intenso do gradual crepúsculo da realidade” (p. 930). Nesse caso, as opiniões sobre objetos são imutáveis, ou seja, a mente é afastada dos objetos dinâmicos que formam os objetos imediatos no interior dessas opiniões. Dessa forma, predominam os interpretantes emocionais em certezas imutáveis nas opiniões sobre o mundo. Às mentes tenazes, “resta-lhes, alternativamente, isolarem-se da rede semiótica que os desafia a conjecturar, figura lógica impensável para a mente tenaz, e viverem sua ficção como se fosse realidade” (Ibri, 2018, p. 931).

Embasados teoricamente, podemos passar, a seguir, para a apresentação dos resultados de pesquisa já alcançados.

Resultados da pesquisa

Para esta pesquisa, realizamos um levantamento de todas as verificações sobre a pandemia de Covid-19 produzidas pelas agências de checagem Lupa e Aos Fatos em 2020 que foram publicadas no Twitter. A coleta foi feita manualmente, por meio da ferramenta de busca avançada da plataforma, informando o tema “Pandemia Covid-19” no campo “Todas essas palavras” da referida ferramenta e especificando os perfis das agências, @agencialupa e @aosfatos, em buscas separadas, não conjuntas, no campo “Contas”. Transcrevemos os resultados em uma tabela, organizando o conteúdo das mais para as menos retuítadas, conforme apresentado abaixo (tabela 1).11 Essa opção pela categorização por retuítes faz sentido semioticamente, porque indica os posts que mais impulsionaram novas semioses, ou seja, que, depois de publicados, mais geraram novos conteúdos.

A partir dessa coleta e categorização, as checagens apresentadas pelos cinco primeiros tuítes de cada agência serviram como base para análise qualitativa. Isso significa que os tuítes apenas nos indicaram quais conteúdos das agências Lupa e Aos Fatos seriam estudados. Justificamos que, como a análise é qualitativa, a preocupação foi apenas com o número de verificações necessárias para a pesquisadora observar certos padrões e não com a quantidade delas.

Conforme descrito anteriormente, as análises tinham como objetivo observar se as checagens consideram ou não a origem da informação, em que medida os diferentes aspectos qualitativos dos signos podem indicar diferentes origens e, consequentemente, impactar o processo perceptivo dos jornalistas checadores. Além disso, observamos a presença dos valores-notícia e de critérios comerciais e políticos. Também foram realizadas análises semióticas para descobrir como os diferentes signos desencadeiam objetos imediatos nas mentes dos jornalistas, além da predominância de interpretantes emocionais, energéticos ou lógicos, tendo em vista a possibilidade de mudança de hábito por meio desse último.

Tabela 1. Publicações mais retuitadas das agências Lupa e Aos Fatos

Agência Lupa

rt

Publicação

Link

Data da publicação

1

1011

A informação é falsa. O stf não afastou Bolsonaro do “controle” das medidas estratégicas contra a pandemia da Covid-19. Veja em: https://bit.ly/2NICDKK. #AgênciaLupa

https://twitter.com/agencialupa/status/1278829194059943936?s=20

2 de jul. de 2020

2

309

Circula nas redes sociais que, durante a pandemia do novo coronavírus, óbitos por pneumonia e insuficiência respiratória foram contabilizados como mortes da Covid-19 no Portal da Transparência do Registro Civil. Leia: https://bit.ly/33NAvKK. #CoronaVirusFacts #DatosCoronaVirus

https://twitter.com/agencialupa/status/1293306198540685312?s=20

11 de ago. de 2020

3

148

Circula pelas redes sociais um texto sobre um estudo feito na Espanha com mais de 60 mil pessoas durante a pandemia de Covid-19. Confira em: https://bit.ly/2Tu1nd1. #CoronaVirusFacts #DatosCoronaVirus

https://twitter.com/agencialupa/status/1264889199313879041?s=20

25 de mai. de 2020

4

72

Circula nas redes sociais um vídeo de um médico que afirma que, por causa da ivermectina, a pandemia de Covid-19 está sob controle na África. Leia: https://bit.ly/3a45gMK. #CoronaVirusFacts #DatosCoronaVirus

https://twitter.com/agencialupa/status/1291841796922720256?s=20

7 de ago. de 2020

5

54

Circula nas redes sociais um post que diz que a China, por meio do governador de São Paulo, @jdoriajr, comprou diversas empresas brasileiras durante a pandemia da Covid-19. Leia: https://bit.ly/2G0WZyh. #AgênciaLupa #CoronaVirusFacts #DatosCoronaVirus

https://twitter.com/agencialupa/status/1308737881133912064?s=20

23 de set. de 2020

6

151

🚷 É falso que o @stf_oficial afastou @jairbolsonaro de ações para conter a pandemia e as transferiu para governadores e prefeitos. Decisões da corte legitimaram restrições adotadas por estados e municípios, mas não desobrigaram o governo federal de agir contra a Covid-19.

https://twitter.com/aosfatos/status/1293287210612129794?s=20

11 de ago. de 2020

7

896

O deputado e ex-ministro @OsmarTerra (mdb-rs) é o parlamentar que mais difundiu desinformação sobre a Covid-19 no Twitter, detectou o Radar Aos Fatos ao analisar os 1500 tweets mais populares a respeito da pandemia postados por congressistas entre 20 de fevereiro e 8 de abril.

https://twitter.com/aosfatos/status/1250439101414686722?s=20

15 de abr. de 2020

8

166

A milésima declaração enganosa, de que a pandemia de Covid-19 já ceifou 10 milhões de empregos formais, reúne os dois temas que mais acumulam inverdades ditas por @jairbolsonaro: novo coronavírus (22,7 % do total checado até agora) e economia (14 %).

https://twitter.com/aosfatos/status/1258877898590760963?s=20

8 de mai. de 2020

9

452

no ar. Bolsonaro deu 653 declarações falsas ou distorcidas sobre covid-19 em seis meses de pandemia.

#coronavirusfacts

https://aosfatos.org/noticias/bolsonaro-deu-656-declaracoes-falsas-ou-distorcidas-sobre-covid-19-em-seis-meses-de-pandemia/

https://twitter.com/aosfatos/status/1304547769705586688?s=20

11 de set. de 2020

10

61

⚡️ “O que mudou na desinformação sobre covid-19 desde o início da pandemia”

https://twitter.com/i/moments/1255935745245790212

https://twitter.com/aosfatos/status/1256010444763996161?s=20

30 de abr. de 2020

Nota: publicações utilizadas para análises dos conteúdos das agências Aos Fatos e Lupa.

Fonte: Twitter. Construída pela autora.

Para a análise semiótica, utilizamos a analítica de Peirce derivada de sua classificação dos signos (baseada na relação do signo consigo mesmo, com o objeto dinâmico e com o interpretante), de acordo com a tabela abaixo (tabela 2):

Tabela 2. Classificação dos signos

Primeiridade

Secundidade

Terceiridade

Signo em si mesmo

Signo e objeto dinâmico

Signo e interpretante

Primeiridade

Qualissigno

Ícone

Rema

Secundidade

Sinssigno

Índice

Discente

Terceiridade

Legissigno

Símbolo

Argumento

Nota: classificação dos signos segundo a semiótica de Peirce.

Fonte: cp 2.243-252. Idealizado por Franscisco José Paoliello Pimenta e construído pela autora.

O qualissigno, como primeiridade pura, são qualidades possíveis de serem percebidas, mas, se não forem percebidas, são somente uma potencialidade. Se percebidas, passam a existir e transformam-se em um sinsigno, ou seja, qualquer existente. O legissigno é uma lei que guia ocorrências particulares, nas palavras de Peirce (cp 2.246): “[...] todo signo convencional é um legissigno [mas não inversamente]. Ele não é um único objeto, mas um tipo geral que, por meio de um acordo, será significativo”. São, assim, os padrões formais dos signos.

A classificação dos signos, conforme a segunda coluna da tabela 2, permite a conexão das características qualitativas, existenciais e os padrões formais do signo com as do objeto. Isso, porque, “só as qualidades podem sugerir, só os existentes podem indicar e só as leis podem representar” (Santaella, 2005, p. 46). Assim, no ícone, há a possibilidade de uma conexão das qualidades do signo com as qualidades do objeto dinâmico. Essa relação só é possível a partir do repertório da mente que está interpretando o signo. O índice nos permite que as características percebidas do signo sejam relacionadas com as características existentes do objeto imediato, também conforme o repertório da mente interpretadora, desta forma, há uma conexão existencial entre signo e objeto (cp 2.248). Nos símbolos, os padrões dos signos são ligados aos padrões do objeto que está sendo representado, permitindo que um signo represente seu objeto por força de um hábito ou convenção (cp 2.249).

Na terceira coluna da tabela 2, na relação do signo com seu interpretante, primeira linha, temos uma primeiridade pura e, portanto, somente possibilidades e potencialidades. Assim, o Rema seria uma hipótese ou conjectura (cp 2.250). Já o dicente, na secundidade pura, é “para o seu interpretante, um sinal de existência real” (cp 2.251). Por fim, em plena terceiridade, o signo mais genuíno, o argumento, é uma conclusão (cp 2.252)

Agência Lupa12

As análises dos conteúdos da Agência Lupa apontam para uma preponderância de sinsignos indiciais dicentes por meio da escolha de frases e vocábulos que apresentam mais certeza do que dúvida, links e printscreens que mostram a origem da informação apresentada e, portanto, comprovam o que está sendo relatado. Também apresentam selo de “Falso” em vermelho que possivelmente gera uma apreensão do qualissigno icônico e pode levar a legissigno associado ao padrão e, portanto, ser interpretado simbolicamente como erro (“boletim com notas vermelhas”, correção de prova com caneta vermelha), destaque ou parada obrigatória (sinal vermelho).

A intenção parece ser ressaltar os interpretantes lógicos que levem à fixação de crenças por meio da autoridade da agência, mas também por meio do método científico, com uma aproximação do objeto dinâmico baseada na apresentação de provas do que está sendo dito, de outras publicações que tratam sobre o mesmo problema e, em algumas situações (como no conteúdo 3 da tabela 1), do direito de resposta aos envolvidos no conteúdo desinformativo. Além disso, a apresentação de checagens de outras agências promove uma repetição de legissignos, um padrão que funciona como símbolo de informação correta. A proposta parece superar o interpretante emocional dos métodos a priori e da tenacidade.

Em relação a checagem 1 da tabela 1, os métodos a priori e da tenacidade podem estar presentes quando a opção é por não consultar a presidência da república sobre o assunto e, portanto, não oferecer direito de resposta. No conteúdo 2, os dados apontam que existem separações para o registro de óbitos relativos à pneumonia, insuficiência respiratória e Covid-19, certificando que mortes por todas essas causas não foram contabilizados como por Covid-19. Contudo, a checagem não trata de uma possível confusão entre esses diferentes motivos ainda no hospital. Ao deixar de abordar isso, também pode abrir espaço para o interpretante emocional dos métodos a priori e da tenacidade.

Já o conteúdo 3 da tabela 1 poderia trazer outras provas para fortalecer o sinsigno indicial dicente, tendo em vista que apresenta algumas conclusões iniciais da pesquisa divulgadas em um relatório preliminar cujo link está incluído na checagem. Nesse relatório, estão todas as informações que a checagem apresenta para caracterizar o fato como falso. Contudo, poderia ser inserida a página do estudo na internet, o que permitiria aos usuários acompanharem os demais passos da pesquisa e desenvolverem interpretantes lógicos, por exemplo.

Além disso, a checagem apresenta um printscreen da página na internet de onde partiu o compartilhamento da desinformação e, mais a frente, uma frase com a desinformação que está sendo circulada. A legenda de ambos, printscreen e frase, é a mesma “Título de texto do site Gazeta Brasil que, até as 16h de 22 de maio de 2020, tinha 520 compartilhamentos no Facebook”. Ambos são uma tentativa de apontar, ser uma prova da desinformação, e, portanto, um sinsigno indicial dicente. Contudo, a repetição da mesma legenda para conteúdos diferentes pode causar dúvida, trazendo um componente icônico que faz do sinsigno indicial mais remático do que discente. Isso, somado a apenas um sinsigno indicial dicente como prova, pode abrir caminho para o interpretante emocional.

Todas as verificações analisadas informam que o fato circula nas redes, mas não especificam se a origem é robótica ou humana. Falam sobre quantas pessoas compartilharam a informação no Facebook, mas não especificam se tais contas pertencem a humanos ou bots.

Em geral, o conteúdo é redigido na forma clássica de pirâmide invertida —o fato e a sua falsidade são apresentados nos primeiros parágrafos—. Em seguida, o tema é aprofundado com a apresentação dos dados que reforçam a falsidade. As publicações trazem, ainda, a informação de que a demanda ocorreu a partir de um projeto de verificação do Facebook e que checagem faz parte de tal projeto de verificação, apresentando link para conteúdo sobre a parceria.

Agência Aos Fatos13

Em geral, as análises da Agência Aos Fatos também apontam para uma preponderância de sinsignos indiciais dicentes com frases e vocábulos que trazem mais certeza do que dúvida, links e printscreens com a origem da informação como prova do que está sendo relatado, tudo isso possivelmente para ressaltar os interpretantes lógicos que levem à fixação de crenças por meio da autoridade das fontes citadas e da própria agência. A autoridade da própria agência é destaque, principalmente, no conteúdo 10 da tabela 1, que é baseado na análise de 82 checagens sobre Covid-19 publicadas por Aos Fatos até aquele momento. A fixação de crenças por meio do método científico ocorreria na tentativa de aproximação do objeto dinâmico com a apresentação de documentos em links e printscreens, como ocorre na Agência Lupa.

A Agência Aos Fatos se diferencia da Lupa ao apresentar, ao final do conteúdo, uma lista de todas as fontes utilizadas com os respectivos links, em mais uma forma de predominância dos sinsignos indiciais dicentes. Somente o conteúdo 6 da tabela 1 apresenta selo de “Falso”, mas com um símbolo de “X”, com possível apreensão do qualissigno icônico que pode levar a legissigno associado ao padrão e, portanto, ser interpretado simbolicamente como erro (partes erradas em uma prova são marcadas com um “x” pelo corretor).

Assim, outro diferencial dessa agência seria a apresentação de conteúdo não classificável por meio de selos. As publicações 7, 8, 9 e 10 da tabela 1, por exemplo, apresentam dados coletados e trabalhados pela própria agência como prova do ponto defendido. As conclusões alcançadas são apresentadas na forma de gráficos, hipoícones do tipo diagrama, que, segundo Peirce, permitem a representação por meio de similaridades nas relações internas entre signo e objeto (cp 2.277). Assim, a semelhança ocorre entre “as relações entre as partes do signo e as relações entre as partes do objeto a que o signo se refere” (Santaella, 2005, p. 120). Servem, então, para auxiliar na compreensão do que está sendo apresentado e, portanto, no desenvolvimento de interpretantes lógicos.

No primeiro gráfico do conteúdo 7, por exemplo, o objeto interações é representado por signos em barras horizontais cuja parte em laranja significa interação com desinformação e a parte em cinza, interação sem desinformação. O segundo gráfico é um diagrama sobre as relações envolvidas nos temas abordados nas peças desinformativas. Signos qualificados por diferentes cores e tamanhos representam os diversos temas abordados; os de tamanhos maiores significam mais interações. Demais gráficos seguem essa mesma lógica.

Há, ainda, nos conteúdos 7 e 10 da tabela 1, a explicitação da metodologia para se alcançar os resultados, dessa forma, o experimento pode ser auditado e repetido por quem desejar. Assim, houve a preocupação com o desenvolvimento de um legissigno simbólico, um padrão, que vai reger as ocorrências nos sinsignos.

Além dos gráficos, o conteúdo 8 da tabela 1 também apresenta ilustrações que não parecem acrescentar novidades ao conteúdo. Possivelmente, a ideia foi apenas apostar nas cores, qualissignos que, quando percebidos, chamariam a atenção. Dessa forma, o interpretante emocional parece ser convocado, por meio das ilustrações, apenas com o intuito de despertar sensações que impulsionem a leitura do conteúdo.

Uma peculiaridade dos conteúdos 8 e 9 da tabela 1 é que são baseados em um contador desenvolvido pela Agência Aos Fatos que checava as falas do ex-presidente Jair Bolsonaro em mais um esforço de fazer predominar sinsignos indicais dicentes. Por meio da ferramenta, o usuário consegue buscar e filtrar declarações. Abaixo das declarações colhidas, há uma explicação da agência para o motivo da falsidade, um botão que fornece a possibilidade de se ler mais sobre assunto, a fonte da checagem, a origem da desinformação e a quantidade de vezes que a declaração enganosa foi repetida e em que datas.

Em alguns momentos, entretanto, parece haver espaço para o interpretante emocional dos métodos a priori e da tenacidade. No conteúdo 6 da tabela 1, por exemplo, não está explícito no texto, mas apenas ao final de vídeo posicionado no corpo da checagem, que a presidência da república foi consultada sobre o assunto e não quis se manifestar. No conteúdo 7 da mesma tabela, os envolvidos na checagem não são procurados para o direito de resposta. Já no conteúdo 9, a agência não apresenta a fonte para a informação de que Bolsonaro distorceu ou questionou declarações do diretor da Organização Mundial da Saúde (oms), além de não esclarecer se o ex-presidente foi procurado para se posicionar.

Em relação à origem robótica ou humana da desinformação, o conteúdo 6 da tabela 1 cita apenas que a postagem com desinformação circula nas redes, quantos compartilhamentos ocorreram no Facebook e apresenta o post por meio do link. Já no conteúdo 7, as publicações analisadas partem de parlamentares, mas há a informação de que houve 1,58 milhões de interações, contudo, sem identificar se essa atividade é apenas humana ou, também, robótica. Os conteúdos 8 e 9 analisam as declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro, uma origem humana, e o conteúdo 9 reforça que o político foi quem mais impulsionou conteúdo sobre a Cloroquina no Twitter, nos seis primeiros meses de pandemia. Por fim, o conteúdo 10 relata que a coleta de informações potencialmente enganosas ocorre por meio de monitoramento sistemático de Facebook, Instagram, WhatsApp e Twitter, mas não especifica a origem da desinformação.

Em geral, o conteúdo é redigido na forma clássica de pirâmide invertida: o fato e a sua falsidade, assim como um resumo do que será apresentado ao longo da checagem, são apresentados nos primeiros parágrafos. Em seguida, o tema é aprofundado com a apresentação da coleta de dados, links, printscreens, gráficos e ilustrações.

O conteúdo 6 da tabela 1, por meio de link que direciona para o site de Aos Fatos, especifica o funcionamento de parceria com Facebook, mas não afirma explicitamente que o conteúdo foi checado por demanda da plataforma. Nos conteúdos 7 e 9, não foi encontrada relação direta com as empresas do Vale do Silício. Já no conteúdo 8, apesar de não haver relação aparente, há links para Facebook, Youtube e Twitter, que foram espaços onde Bolsonaro circulou desinformação. O conteúdo 10 esclarece que a agência coleta informações potencialmente enganosas realizando monitoramento sistemático das plataformas, conforme pontuamos acima. Apesar disso, não descreve nenhuma forma de parceria oficial com essas empresas.

Conclusão

Notamos que os conteúdos das agências Lupa e Aos Fatos analisados não levam em consideração se a informação é proveniente de robôs ou humanos. Nesse sentido, não são utilizados diferentes aspectos qualitativos dos signos para indicar origens distintas e, consequentemente, esse pode ser um fator sem impacto no processo perceptivo dos próprios jornalistas checadores.

Observamos, ainda, que há uma tentativa de fazer predominar os sinsignos indicais dicentes para apresentar mais certeza do que dúvida por meio de vocábulos e frases e com apresentação de links e printscreens para as fontes da informação. Assim, a busca pela comprovação do que está sendo dito é também a forma como se dá a aproximação do objeto dinâmico. Para isso, são utilizadas, ainda outras publicações que tratam sobre a mesma temática, o direito de resposta aos envolvidos no conteúdo desinformativo, por exemplo, além de gráficos e ilustrações.

A predominância de sinsignos indiciais dicentes da forma como observado parece ter como função conduzir a interpretantes lógicos para fixação de crenças por meio da autoridade da agência, que muitas vezes é utilizada como fonte de informação, mas, principalmente, por meio do método científico. De forma instintiva, as agências passam pelas etapas de abdução, lançando hipóteses para a desinformação, deduzindo possíveis consequências práticas dessas hipóteses e realizando o teste empírico ao buscar as comprovações das hipóteses.

Notamos, contudo, que as agências atrelam seu conteúdo a um padrão de escrita jornalística e de patrocínio por meio das empresas do Vale do Silício, o que pode limitar o método científico, ou seja, a geração de interpretantes lógicos e consequente mudança de hábito.

Referências

1.Bergman, M. (2016). Beyond explication: meaning and habit-change in Peirce’s pragmatism. In D. E. West & M. Anderson (Eds.), Consensus on Peirce’s: concept of habit before and beyond consciousness (pp. 171-197). Springer International Publishing.

2.Esposito, J. (2005). Synechism: the keystone of Peirce’s metaphysics. In M. Bergman & J. Queiroz (Eds.), The Commens encyclopedia: the digital encyclopedia of Peirce studies. http://www.commens.org/encyclopedia/article/esposito-joseph-synechism-keystone-peirce%e2%80%99s-metaphysics

3.Ibri, I. A. (2018). O crepúsculo da realidade e a ironia melancólica do sucesso brilhante e duradouro: reflexões sobre os interpretantes emocionais e lógicos nos modos peircianos de fixação das crenças. Veritas (Porto Alegre), 63(3), 921-932. https://doi.org/10.15448/1984-6746.2018.3.30293

4.Nöth, W. (2014). The growth of signs. Sign Systems Studies, 42(2/3), 172-192. https://doi.org/10.12697/SSS.2014.42.2-3.02.

5.Nöth, W. (2016). Habits, habit change, and the habit of habit change according to Peirce. In D. E. West & M. Anderson (Eds.), Consensus on Peirce’s: concept of habit before and beyond consciousness (pp. 35-64). Springer International Publishing.

6.Peirce, C. S. (1931-1958). Collected papers. 8 vols. Harvard University Press [as referências serão designadas por cp, seguido por volume, ponto e número do parágrafo].

7.Peirce, C. S. Manuscritos. Os manuscritos de Peirce na Biblioteca da Universidade Tecnológica do Texas (Instituto de Estudos do Pragmaticismo), começando com ms, ou L para carta (letter em inglês), e seguidos por um número, referem-se ao sistema de identificação estabelecido por Richard R. Robin no Annotated Catalogue of the Papers of Charles S. Peirce (Amherst: University of Massachusetts Press, 1967), disponível também em: https://bit.ly/2UgoICj; ou em Richard R. Robin, “The Peirce papers: a supplementary catalog”, transactions of the Charles S. Peirce Society. Alguns dos manuscritos estão disponíveis online em: https://bit.ly/3rb0RA0

8.Pimenta, F. (2016). Ambientes multicódigos, efetividade comunicacional e pensamento mutante. Unisinos.

9.Pimenta, F., & Carvalho, M. (2019). Método pragmaticista e a pesquisa em comunicação. Questões Transversais, 7(14), 98-107. https://revistas.unisinos.br/index.php/questoes/article/view/19793

10.Santaella, L. (2005). A teoria geral do signo. Cengage Learning.

11.Santaella, L. (2016). The originality and relevance of Peirce’s concept of habit. In D. E. West & M. Anderson (Eds.), Consensus on Peirce’s: concept of habit before and beyond consciousness (pp. 153-170). Springer International Publishing.


1Lupa e Aos Fatos foram as primeiras iniciativas de checagem de fatos no Brasil. São dedicados exclusivamente à verificação de fatos e não estão inseridos em redações de outras empresas jornalísticas. São, ainda, signatárias verificadas do código de princípios da Rede Internacional de Checagem de Fatos (International Fact-Checking Network, ifcn) e colaboraram com a “Aliança #CoronaVirusFatos” (#CoronaVirusFacts Alliance), iniciativa da ifcn.

2Em Peirce (cp, 1.339), o signo é triádico, com três correlatos: signo, objeto e interpretante. O signo representa o objeto, mas porque o objeto determina esse signo, afeta-o de alguma forma. A representação só se completa, porque causa um efeito em uma mente denominado interpretante. O objeto pode ser de dois tipos. O dinâmico é uma realidade independente da representação pelo signo, a qual não temos acesso, já que somente um “estudo ilimitado e final poderia revelá-la” (cp 8.181), quando infinitas representações chegassem ao fim. Já o objeto imediato é aquele veiculado pelo signo, ou o que do objeto dinâmico o signo nos mostra. Sendo assim, esse aspecto do objeto depende da representação por meio do signo, apresentando-se, por conta disso, de forma incompleta (cp 4.536; cp 8.183).

3O interpretante pode ser emocional, energético e lógico, uma divisão baseada nas categorias fenomenológicas de Peirce: primeiridade, secundidade e terceiridade. O emocional refere-se a um primeiro momento de ação do signo, que causa algum sentimento. A partir disso, pode haver outro efeito, o qual determinará algum tipo de esforço físico ou mental, sendo assim, energético. Na elaboração mental, lógica, surge, por fim, o interpretante lógico (cp 4.536, cp 5.475).

4Peirce propôs três categorias fenomenológicas. A primeiridade é o universo das possibilidades, um contínuo de qualidades, e prescinde das demais. Já a secundidade se refere ao existencial, à ação e reação, o conflito típico daquilo que existe, englobando também as possibilidades da primeiridade. Por fim, a terceiridade está relacionada a abstrações, padrões e hábitos, abarcando as possibilidades da primeiridade e a existencialidade da secundidade (cp 1.25, 1.35, 5.66, 1.536-537).

5“[...] O sinequismo é uma teoria metafísica e também um princípio metodológico. [...] Do lado metodológico, o sinequismo é uma máxima para buscar conexões e camadas contínuas entre entidades ou eventos aparentemente desconexos” (Esposito, 2005, p. 2, tradução nossa). “Aquela tendência do pensamento filosófico que insiste na ideia de continuidade como de importância primordial na filosofia e, em particular, na necessidade de hipóteses envolvendo a continuidade verdadeira” (cp 6.169).

6Há uma outra divisão de interpretantes em imediato, dinâmico e final ou normal, também de acordo com as categorias fenomenológicas. Os imediatos são todas as possibilidades interpretativas que um signo pode gerar, enquanto os dinâmicos são as interpretações que de fato existiram, ocorreram. Por último, o normal pode ser compreendido como uma norma de geração dos demais interpretantes (cp 8.315).

7Para mais detalhes sobre a progressão de interpretantes lógicos, ver Bergman (2016). Sobre o método científico em Peirce, há detalhamentos em Pimenta (2016) e Pimenta e Carvalho (2019).

8Ibri (2018) pontua que Peirce teria abandonado os termos mais psicológicos e buscado diferenciar a psicologia da lógica, tendo em vista a busca do lógico por um realismo mais puro e o abandono de seu nominalismo inicial.

9Ibri (2018) destaca esses interpretantes para o desenvolvimento de suas ideias porque procura por aqueles que “ensejam ações decorrentes de continuidade puramente qualitativa, como o são as emoções, o universo dos sentimentos —o contínuo dos qualisignos, para ser mais fiel ao vocabulário semiótico— dos interpretantes associadas a ações decorrentes de continuidade lógica, ou seja, constituída por relações gerais entre variáveis espaço-temporais” (p. 924). Segundo o autor, os interpretantes de Peirce podem ser descritos de acordo com seus respectivos poderes preditivos. Nesse caso, os emocionais e imediatos não possuem compromisso com um tempo objetivo regido pela categoria de terceiridade. O energético faz com que o interpretante seja existencial, um sinsigno que leva à ação, enquanto o dinâmico, o final e o lógico estão na temporalidade. Assim, o autor destaca o emocional e o lógico por apresentarem um caráter imediato e mediato, respectivamente. “Os interpretantes lógicos levam pragmaticamente a condutas dirigidas sob hipóteses de conduta da alteridade no futuro, ou sob hábitos bem-sucedidos porque conducentes a fins desejados. Os interpretantes emocionais pragmaticamente levam a ações que não tomam em conta o futuro e, assim, são tipicamente ações marcadas pela sua presentidade” (Ibri, 2018, p. 925). O interpretante emocional não seria projetivo, relativo a uma conduta futura, mas apenas possibilidades, sem forma lógica. Por outro lado, o interpretante lógico propõe ações relativas a uma regra que define conduta, ou seja, com forma lógica. Por ter poder preditivo, é deliberativo para a conduta futura e, essa, por sua vez, é mediada por tais interpretantes.

10Ibri (2018) reconhece que aderência é um termo utilizado por ele, mas não por Peirce, que prefere os termos adotar ou afiliar-se a alguma opinião geral (cp 2.427, 4.63, 5.382, 6.492).

12As fichas com as análises completas podem ser acessadas no seguinte link: https://1drv.ms/f/s!
AoVQUkOH3FgG6yC1jf-i-rdBGK4s?e=d7Mly4

13As fichas com as análises completas podem ser acessadas no seguinte link: https://1drv.ms/f/s!
AoVQUkOH3FgG6yFBunwBKVGLBsl-?e=Dv0HhN

Para citar este artigo: Carvalho, M. A. S. A. de (2024). Jornalistas checadores de fatos e mudança de hábitos: descobertas iniciais. Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social “Disertaciones”, 17(2). https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.13995