Ensayos

COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA: AS RELAÇÕES ENTRE MÍDIA E CIDADANIA NO BRASIL E NA ALEMANHA*

Comunicación y democracia: relaciones entre los medios y la ciudadanía en Brasil y Alemania

Communication and Democracy: Relationships between Media and Citizenship in Brazil and Germany

Caroline Kraus Luvizotto, Universidade Estadual Paulista (Unesp)

caroline.luvizotto@unesp.br

Ana Beatriz Lemos da Costa, Universidade de Brasília (UnB)

anabialemos@gmail.com

Jairo Faria Guedes Coelho, Universidade de Brasília (UnB)

jairofaria@gmail.com

Kalianny Bezerra, Universidade Federal de Santa Catarina (ufsc)

kaliannybezerra@gmail.com

Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social "Disertaciones", vol. 17, núm. 2, pp. 1-17, 2024

Universidad del Rosario

Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial 4.0 Internacional.

DOI: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.13991

Recebido: 11 de dezembro de 2023

Aprovado: 18 de março de 2024

Data de pré-publicação: 24 de junho de 2024

RESUMO

Este texto aborda as dinâmicas do acesso à internet, da responsabilização da mídia, do serviço público de radiodifusão e da transparência da mídia e suas implicações no direito e acesso à informação e à comunicação, contribuindo de maneira descritiva e reflexiva acerca da relação entre mídia e cidadania nos contextos do Brasil e da Alemanha. O percurso metodológico segue os procedimentos da revisão da literatura e da análise documental. A reflexão tem início com considerações acerca do acesso à internet, dos desafios relacionados à convergência dos serviços tradicionais e da plataformização. Na sequência, aborda a responsabilização da mídia e do serviço público de radiodifusão, com base em análises de instrumentos de participação social em empresas de mídia pública dos dois países. O último aspecto debatido no texto demonstra como veículos midiáticos e, mais especificamente, organizações de notícias nos dois países articulam recursos de transparência em suas práticas. Os resultados sugerem que o estudo do acesso à internet, da responsabilização da mídia e da transparência nos contextos do Brasil e da Alemanha revela insights importantes sobre seu impacto na participação cívica e na manutenção da democracia.

Palavras-chave: comunicação; democracia; mídia; Brasil; Alemanha.

RESUMEN

Este artículo aborda las dinámicas de acceso a internet, la rendición de cuentas de los medios y del servicio público de radiodifusión, y la transparencia de los medios, profundizando en sus implicaciones para el derecho de acceso a la información y la comunicación. De esta manera, la presente investigación contribuye de forma descriptiva y reflexiva a comprender la relación entre los medios y la ciudadanía en los contextos de Brasil y Alemania. El abordaje metodológico empleado sigue los procedimientos de la revisión de literatura y el análisis documental. El apartado de reflexiones inicia exponiendo consideraciones sobre el acceso a internet, los desafíos relacionados con la convergencia de los servicios tradicionales y la plataformatización. Posteriormente, se afronta la rendición de cuentas de los medios y del servicio público de radiodifusión a partir de un análisis de los instrumentos de participación social en las empresas de medios públicos en ambos países. El último aspecto discutido en el texto muestra cómo los medios de comunicación en estas naciones, particularmente las organizaciones de noticias, articulan recursos de transparencia en sus prácticas. Los hallazgos sugieren que el estudio del acceso a internet, la responsabilidad de los medios y su transparencia en los contextos de Brasil y Alemania proporciona información relevante sobre su impacto en la participación cívica y la preservación de la democracia.

Palabras clave: comunicación; democracia; medios de comunicación; Brasil; Alemania.

ABSTRACT

This text addresses the dynamics of Internet access, the accountability of media and public service broadcasting, and media transparency and its implications for the right and access to information and communication, contributing descriptively and reflectively on the relations between media and citizens in the contexts of Brazil and Germany. The methodological path follows the procedures of the literature review and document analysis. The reflection begins with considerations on the Internet access, the challenges related with the convergence of the traditional services and platforming. Next, the accountability of media and public service broadcasting is addressed, from the analyses of the instruments of social participation in the public media companies of both countries. The last aspect discussed in the text demonstrates how the mass media, and more specifically, the news organizations on both countries, articulate transparency resources in their practices. The results suggest that the study of Internet access, media responsibility, and transparency in the contexts of Brazil and German reveals important insights into their impact on the civic participation and the maintenance of democracy.

Keywords: Communication; democracy; mass media; Brazil; Germany.

Introdução

A complexa relação entre mídia, cidadania e democracia permeia os alicerces das sociedades modernas, uma vez que a mídia desempenha papel importante na formação de opiniões públicas, na disseminação da informação e no fortalecimento do engajamento cívico. Nesse contexto, o presente texto propõe observar as dinâmicas do acesso à internet, da responsabilização da mídia e do serviço público de radiodifusão, e da transparência da mídia e suas implicações no direito e no acesso à informação e à comunicação.

Para uma reflexão mais concreta, os exemplos do Brasil e da Alemanha ilustram essas dinâmicas. O Brasil possui um sistema midiático complexo, incluindo uma comunicação pública que ainda busca sua legitimidade, desigualdades no acesso à internet e diferentes estratégias de transparência em organizações noticiosas. A Alemanha, por sua vez, apresenta uma tradição de serviço público de radiodifusão descentralizado, que passa por desafios relacionados à plataformização de conteúdos pela internet, além da exigência de mecanismos de transparência em empresas midiáticas. Os dois países oferecem perspectivas distintas de como a interação entre mídia e cidadania impacta a dinâmica e os desafios da democracia.

No campo da comunicação, a expansão da tecnologia digital tem representado um desafio significativo para a mídia não apenas no Brasil e na Alemanha, mas também para o mundo. Estudos indicam alto grau de concentração da propriedade da mídia, tentativas dos governos e dos oligopólios de comunicação de interferir no conteúdo divulgado e pouca responsabilidade por parte de empresas de comunicação e governos no que concerne ao direito à informação e à comunicação (Eberwein et al., 2018; Fengler et al., 2022). Um risco iminente para a liberdade de expressão em países da América Latina, como o Brasil, por exemplo, reside no paralelismo político existente entre os interesses compartilhados pelos proprietários de empresas da mídia tradicional (radiodifusão e imprensa, por exemplo) e pelos grupos políticos. A Europa, por sua vez, não escapa das dificuldades que afetam a relação entre comunicação e democracia. Alguns temas urgentes incluem a liberdade de expressão de refugiados e migrantes, bem como os desafios enfrentados pelo sistema de comunicação pública.

Num cenário geral, dadas as devidas proporções, podem-se identificar problemas comuns, como a credibilidade da mídia cada vez mais questionada (Zanetti et al., 2023), a falta de confiança no sistema democrático e nas instituições (Castells, 2018), a escassez de recursos para os sistemas públicos de radiodifusão ou a maneira como esses recursos são empregados, e o papel da mídia no fortalecimento da vida cívica e no enfrentamento do déficit de responsabilização pública de governos democráticos perante o público. Nesse contexto, o direito e o acesso à informação e à comunicação se apresentam como elementos essenciais para o exercício da cidadania e para a manutenção das democracias modernas, ainda que também dependam de outros fatores de influência.

O direito e o acesso à informação e à comunicação constituem alicerces essenciais para a participação ativa dos cidadãos nos processos políticos e sociais de suas nações. A capacidade de adquirir informações pertinentes e verídicas pode permitir que tomadas de decisão sejam mais bem fundamentadas, que haja a avaliação criteriosa das ações dos representantes eleitos e a compreensão das pautas públicas com impacto direto em suas vidas (Luvizotto et al., 2020). Nesse sentido, a disponibilidade dessas informações incentiva o engajamento cívico, favorece a formulação de perspectivas informadas e faculta a expressão de opiniões mais bem embasadas, contribuindo para os processos deliberativos na esfera pública.

Os meios de comunicação, nesse contexto, podem exercer um papel central ao atuar como um contrapeso ao poder estatal, investigando ações administrativas, revelando casos de corrupção e fomentando a transparência governamental. Por meio da disseminação de informações, a mídia propicia aos cidadãos a capacidade de avaliar as atividades de seus líderes e de demandar responsabilização quando necessária. Não obstante, segundo Zanetti et al. (2023), a contemporaneidade apresenta desafios concernentes à credibilidade da mídia, decorrentes, dentre outros fatores, da disseminação de informações incorretas e da polarização das opiniões, especialmente com o crescimento do uso de redes sociais digitais. Diante disso, destaca-se a necessidade imperativa de acesso a fontes confiáveis e de fomento à literacia midiática, permitindo aos cidadãos discernir informações e analisar criticamente as fontes.

A desconfiança com relação ao sistema democrático e às instituições constitui um desafio adicional. A disponibilidade de informações pode contribuir para restaurar a confiança ao facultar aos cidadãos uma compreensão aprofundada dos processos políticos e das dinâmicas decisórias. A promoção da transparência governamental, a abertura dos dados públicos e a responsabilização das autoridades podem mitigar a desconfiança generalizada (Darbishire, 2010). Além disso, é importante considerar que nem sempre mais informação leva a mais confiança (Heimstädt & Dobusch, 2020).

A limitação dos recursos alocados nos sistemas públicos de radiodifusão ou a maneira como são empregados, emerge como uma preocupação tangível, uma vez que isso pode comprometer a diversidade de vozes na mídia e a qualidade das informações disponíveis. Fortalecer esses sistemas, não somente no aporte de recursos financeiros, como também na criação e implementação de mecanismos de accountability e de participação social, é essencial para evitar a predominância de interesses privados no espaço público, promover processos participativos e garantir a pluralidade de perspectivas.

O presente texto pretende contribuir de maneira descritiva e reflexiva acerca da relação entre mídia e cidadania nos contextos do Brasil e da Alemanha. Trata-se de uma contribuição teórica construída a partir de referências importantes para o debate. Utilizaram-se as metodologias da revisão da literatura e da análise documental, considerando as perspectivas metodológicas propostas por Barros e Duarte (2008) e por Cellard (2008). Inicialmente, delimitaram-se os termos de busca baseados nos temas e conceitos-chave do estudo: comunicação; informação; cidadania; acesso à internet; radiodifusão pública; e transparência no jornalismo. Na sequência, procedeu-se à revisão da literatura selecionada e à análise de documentos, como textos regulatórios, legislação e relatórios respectivos a cada país.

A reflexão tem início com considerações acerca do acesso à internet, os desafios relacionados à convergência dos serviços tradicionais e a plataformização. Na sequência, aborda a responsabilização da mídia e do serviço público de radiodifusão, baseadas em análises de instrumentos de participação social em empresas de mídia pública dos dois países. O último aspecto debatido no texto demonstra como veículos midiáticos e, mais especificamente, organizações de notícias nos dois países articulam recursos de transparência em suas práticas.

Os resultados sugerem que o estudo do acesso à internet, da responsabilização da mídia e da transparência nos contextos do Brasil e da Alemanha revela insights importantes sobre seu impacto na participação cívica e na manutenção da democracia. A investigação destaca a importância do direito à informação e à comunicação na compreensão das complexas interações entre mídia e cidadania e ressalta que apesar do potencial que esses três fatores têm de impulsionar as práticas cidadãs e os valores democráticos, não se pode afirmar que eles, por si só, são suficientes para viabilizá-los e promovê-los.

Acesso à internet e desafios para a convergência e para a pluralidade

Os desafios enfrentados por diferentes países, entre os quais Brasil e Alemanha, relacionam-se, entre outros fatores, com a expansão do uso de tecnologias digitais e acesso à internet. Isso se reflete em novos modelos de negócios e concentração de setores tradicionais de rádio, televisão, jornais e editoras, empurrados por plataformas de redes sociais e serviços de streaming ou sites de vídeos. Esses serviços vêm propiciando mudanças nas formas de produção audiovisual, distribuição e consumo, por meio de tecnologias, com uso massivo de dados dos usuários, algoritmos e inteligência artificial (Costa, 2022), mas também em função da constituição dos chamados monopólios digitais (Valente, 2021).

Esse contexto tem alterado a centralidade dos meios de comunicação social tradicionais em meio à expansão da economia digital e da plataformização (Van Dijck et al., 2018). No Brasil, rádio e tv têm perdido audiência significativa para serviços via internet, ao passo que, na Alemanha, esses veículos ainda ocupam a liderança. Essas mudanças nas formas de mediação social têm reflexos na própria democracia. Nesse sentido, suscitam-se discussões sobre centralização da oferta, ameaça à pluralidade e ao princípio da neutralidade de rede (Costa & Urupá, 2022), sobre o modelo de negócios que, na realidade brasileira, exclui pelos preços, e demanda melhorias na conexão.

No que se refere ao acesso à internet e ao uso que a população tem feito da rede, Brasil e Alemanha apresentam diferentes desafios, mas que, em alguma medida, podem ser considerados complementares e ajudar a pensar em políticas públicas de comunicação, incluindo medidas que promovam a transparência, a responsabilização e a pluralidade de opiniões. Nesse contexto, para compreender as transformações, é fundamental conhecer dados sobre o acesso à internet e outras mídias nos países e sobre como elas são efetivamente apropriadas.

No Brasil, os desafios ainda se apresentam com relação às desigualdades sociais, regionais, de faixa etária e de gênero. Em 2022, a pesquisa tic Domicílios1 revelou que cerca de 60 milhões de residências (80 %) possuíam acesso à internet. Apesar de ter crescido, ainda existem cerca de 15 milhões de lares sem esse acesso no Brasil. O custo da conexão foi o motivo mais citado para justificar a falta de acesso à rede (59 %). Há também aproximadamente 27 milhões de brasileiros, com 10 anos ou mais, que nunca utilizaram a internet, e 36 milhões de pessoas nessa mesma faixa etária que não a utilizam habitualmente. Esses números reforçam a necessidade de construção de políticas públicas que ampliem a conectividade no país.

As características socioeconômicas dos indivíduos, tais como grau de instrução e classe social, influenciam os tipos de conteúdo acessados e suas atividades nas redes. Ademais, no Brasil, a atividade mais realizada é o envio de mensagens instantâneas (93 %). O uso das redes sociais, como Facebook, Instagram ou TikTok, alcança 80 %. Quatro a cada cinco usuários de internet no Brasil assistiram a vídeos, programas, filmes ou séries on-line (80 %), e aproximadamente três quartos ouviram música on-line (74 %). De 2019 a 2022, a proporção de usuários que ouvem podcasts passou de 13 % para 31 %. Já a leitura de jornais, revistas ou notícias on-line foi mencionada por 56 % dos usuários. Isso revela um cenário em que as plataformas têm ganhado bastante espaço em detrimento das mídias tradicionais.

Apesar do aumento da conexão e do uso da internet no Brasil, a radiodifusão ainda exerce função importante na distribuição de conteúdos informativos, educativos, culturais e de entretenimento, devido ao seu acesso ser aberto aos cidadãos. Desde 2021, no entanto, a tv conectada (smart tv) é o segundo meio mais utilizado no país para acessar a internet, depois do aparelho celular (smartphone). É importante perceber também que cada dispositivo utilizado ajuda a desempenhar atividades diferentes, porém complementares. Nota-se, por exemplo, que o acesso à internet por múltiplos dispositivos, aliado ao uso de veículos tradicionais, amplia as possibilidades de acesso a informações, opiniões e expressões da cultura. Assim como visto nos dados do Brasil sobre as atividades realizadas na internet, na Alemanha, 41 % dos usuários que se conectaram disseram que usaram para enviar mensagens a amigos e familiares e 38 % para verem notícias e acompanharem eventos.

Além disso, na Alemanha, os usuários de internet somaram 93 % da população (Statista, 2022a), totalizando 67 milhões, em 2022. O percentual de usuários ativos de redes sociais no país é de 85,1 %. Isso pode se refletir na redução do número de horas que a população passa diariamente assistindo à televisão. Se, em 2014, a média era de quatro horas assistidas (Arab European Association of Media and Communication Researchers & Institute for Media and Communication Studies at Freie Universität Berlin, 2017), em 2022, houve redução para aproximadamente três horas e meia. O principal meio de se informarem e assistirem a produtos audiovisuais ainda é a radiodifusão, mas há a tendência de redução de consumo de mídias tradicionais em face do acesso via internet.

Em contrapartida, a televisão é a mídia mais usada pelos alemães para se informar, com 73 %, segundo o Eurobarômetro (União Europeia, 2022). O rádio ocupa a segunda posição, com 47 %, ao passo que a média dos países da União Europeia é de 39 %. Na Alemanha, as plataformas de notícias on-line foram mencionadas por 38 % dos entrevistados, seguidas de veículos de imprensa escrita, 26 %, e das plataformas de redes sociais e blogs, 16 %. Além dos dados relativos ao consumo geral de mídia na Alemanha, pode-se observar informações específicas de acordo com as diferentes faixas etárias. A tv, por exemplo, foi mencionada com mais frequência entre a população acima de 55 anos (87 %), e, por último, pelos jovens de 15 a 24 anos (46 %), o que reflete os diferentes hábitos de consumo de mídia a depender das gerações.

Importante perceber que as maiores audiências das emissoras de tv na Alemanha são das públicas (Arbeitsgemeinschaft der Rundfunkanstalten Deutschlands [ard] e Zweites Deutsches Fernsehen [zdf]), sendo que o percentual da programação jornalística dessas emissoras é maior (acima de 40 % da programação) em relação a outros tipos de programas e a outras emissoras (Statista, 2022b), o que pode colaborar com os resultados acima sobre a principal fonte de informações da população.

A partir dos dados sobre o acesso à internet nos dois países, no Brasil, alguns fatores de desigualdade influenciam nas habilidades digitais dos usuários e nas atividades realizadas na rede, entre eles: acesso à internet; dispositivos utilizados; e preço e velocidade da conexão. Nesse sentido, a promoção de uma conectividade significativa no Brasil, que inclui medidas de educação para mídia e uso da rede, é indissociável do pleno exercício da cidadania e do acesso a direitos.

Na Alemanha, ainda que a desigualdade no acesso à internet não seja uma barreira, outros fatores influenciam o uso da internet. O fato de o país ter um sistema mais robusto de radiodifusão pública pode contribuir para que esse consumo se concentre mais nas mídias tradicionais, já que as emissoras líderes de audiência possuem maior credibilidade atribuída pelo público. Além disso, parcela significativa da população apresenta maior faixa etária, o que pode corroborar com o maior consumo de meios de comunicação tradicionais, mas que também disputam espaço com outras tecnologias de acesso e plataformas. Paralelo a isso, o aumento do consumo de conteúdos via redes sociais e plataformas on-line reforça a importância de se pensar nos desafios do uso convergente e complementar da mídia. O acesso à mídia e à internet na Alemanha pode também enfrentar desafios, a exemplo da pluralidade de conteúdos que contemplem a população migrante e de refugiados (Fengler et al., 2021), o que inclui a representatividade de suas respectivas expressões culturais nesses espaços e a forma como se dá a cobertura jornalística sobre essa população no país.

Outras questões ainda estão na pauta, incluindo: 1) qual o tipo de conteúdo a ser oferecido por uma plataforma de audiovisual de emissoras de radiodifusão pública; 2) quanto do valor arrecadado pela taxa pública de radiodifusão alemã deve ser destinado a diferentes mídias (rádio, tv e plataformas), bem como quanto deve ser voltado a investimentos nas próprias plataformas, que requerem uso massivo de dados para segmentação de catálogos, para definição da ordem de visualização de determinados conteúdos e para subsídio da realização de produções a partir da análise dos hábitos de consumo nesses espaços, entre outras funcionalidades; 3) qual a prioridade dada à produção de conteúdos informativos, culturais e de entretenimento; e 4) como se dará o uso dos dados dos usuários obtidos por meio de plataformas de serviços públicos de radiodifusão.

Percebe-se que esses debates não se reduzem ao acesso e à utilização das ferramentas digitais, mas também envolvem estratégias e mecanismos que possibilitem a participação dos cidadãos e a responsabilização por parte dos diversos atores que interagem no sistema democrático, como será visto a seguir.

Instrumentos de responsabilização da mídia no serviço público de radiodifusão

No campo da comunicação, tem sido cada vez mais presente o debate em torno da construção de bases cidadãs e democráticas por meio de mecanismos de responsabilização e participação social nas instituições públicas de comunicação. Entre os desafios estão as tentativas de mudança nas regras do jogo democrático em alguns países (Coşkun, 2020) e as estratégias de captura financeira, governamental e cognitiva (Stiglitz, 2017) dos meios de comunicação. Na América Latina, o fenômeno ainda está latente em diversos países, como na Argentina, no México, na Nicarágua e no Peru. No Brasil, isso tem sido observado de forma mais explícita nos últimos 10 anos, com a intensificação dos discursos neoliberais e de extrema direita nos mais variados níveis da sociedade (Coelho, 2023). O cenário vivido nesse período mostra um retrocesso em políticas públicas de comunicação que já apresentavam fragilidades, mas que ainda resistem aos ataques de setores com interesses políticos e financeiros que vão contra a igualdade social e contra os valores democráticos.

Nas diferentes realidades no continente europeu, vê-se, por um lado, as resistências de países do Leste (Pieranti, 2018), que ainda sofrem consequências das práticas de regimes autoritários sobre o sistema midiático, e por outro, os desafios enfrentados por emissoras públicas de países da Europa Ocidental no que diz respeito às transformações tecnológicas e mercadológicas ocorridas nos últimos anos (Speck, 2023). O governo português, por exemplo, lançou no final de 2022 uma iniciativa para a elaboração de um Livro Branco do Serviço Público de Radiodifusão,2 montando uma comissão composta de cientistas, profissionais e outros especialistas da área para o desenvolvimento do documento com recomendações para o setor. Segundo o prefácio do livro, a iniciativa se justifica pelas “transformações aceleradas que o audiovisual tem vindo a sofrer” (Lopes et al., 2023, p. 7), levando em conta as maneiras contemporâneas e não lineares de compartilhamento de conteúdos de áudio e vídeo nas diversas plataformas e os desafios (não apenas técnicos) que as empresas públicas de comunicação enfrentam nesse cenário. Debates similares têm sido realizados na Alemanha, onde uma Comissão do futuro (Zukunfstrat) foi criada por representantes das empresas do serviço público de mídia para avaliar os desafios do setor no cenário atual de convergência e competitividade com os privados, incluindo as plataformas de streaming de conteúdos audiovisuais.3

Nesse país, os serviços públicos de radiodifusão são desvinculados do governo central e possuem um sistema que permite que os estados e as regiões tenham autonomia para gerenciar as suas emissoras públicas, grande parte delas financiadas principalmente por uma taxa paga diretamente pelos cidadãos (cobrada por domicílio), sem passar pelo orçamento governamental. A ard é a principal sustentadora desse sistema e consiste em um consórcio de nove empresas regionais que produzem conteúdo transmitido tanto regional quanto nacionalmente, por meio da rede de emissoras.

No Brasil, a criação da Empresa Brasil de Comunicação (ebc) em 2008 teve como um dos seus objetivos “estabelecer cooperação e colaboração com entidades públicas ou privadas que explorem serviços de comunicação ou radiodifusão pública” (Brasil, 2008, art. 8º). Essa função, segundo a lei, seria possibilitada pela criação de uma Rede Nacional de Comunicação Pública (rncp), que, em 2023, conta com a colaboração de 65 emissoras de tv e 35 de rádio4 espalhadas pelo país.

A criação da ebc buscou atender ao princípio da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de radiodifusão estabelecido pela Constituição Federal (Brasil, 1988, art. 223). A maneira como essa política foi concretizada, porém, deixou margens para interferências governamentais (Bucci, 2013), uma vez que se deu a partir da transformação de uma empresa estatal de radiodifusão, a Radiobrás, em uma empresa de radiodifusão pública que também presta serviços para o Governo Federal e administra as emissoras estatais. A fim de amenizar essa interferência, a lei de criação da empresa estabeleceu dois mecanismos de responsabilização, accountability e participação social: o Conselho Curador e a Ouvidoria (Coelho, 2019; Strozi, 2019).

O Conselho Curador da ebc era composto de 22 membros de diferentes setores da sociedade civil, incluindo representantes de movimentos sociais, do comércio e do Estado. Porém, em 2016, foi extinto por uma medida provisória (mp 744/2016) editada pelo presidente Michel Temer. Em 2017, o Congresso Nacional ratificou a extinção do Conselho (Lei 13417/2017), criando, como forma de substituir algumas de suas funções, um comitê editorial e de programação, composto de 11 membros e com atribuições limitadas em relação àquelas estratégicas que cumpria o Conselho Curador. Apesar de ter sido estabelecido por lei, até setembro de 2023, o comitê não havia sido implementado na prática.

Além desse episódio, entre 2016 e 2022, a ebc enfrentou uma série de interferências governamentais, incluindo a nomeação de militares sem formação na área de comunicação para cargos de alta gestão da Empresa (Paixão, 2021). Em 2023, apesar da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defende abertamente a democracia e o desenvolvimento da comunicação pública, a ebc não está livre de práticas que mesclam conteúdos públicos e governamentais, especialmente em perfis de mídias sociais da empresa.

No caso alemão, instrumentos de responsabilização também fazem parte dessa concepção do serviço público de radiodifusão (ou de mídia), já que alguns mecanismos, principalmente os conselhos de radiodifusão (Rundfunkrat), funcionam como dispositivos de participação e deliberação sobre diretrizes para processos e conteúdos das emissoras. Essa relação entre sociedade civil e serviço público de mídia possui alguns limites no que diz respeito à atuação do Estado para a regulação desse tipo de serviço. Segundo Barbara Thomass (2016), uma vez que há representativa influência de atores políticos e estatais no que se refere à regulação da radiodifusão pública, “o Serviço Público de Mídia não pode ser considerado como parte de sociedade civil” (p. 300).5

Na prática, as empresas de radiodifusão pública alemãs adotam diferentes critérios para o estabelecimento de conselhos e outros mecanismos de participação.6 No caso da Westdeutschen Rundfunk (wdr), por exemplo —a maior em termos de orçamento, estrutura e funcionários—, o conselho de radiodifusão tem como atribuição aconselhar e decidir sobre temas importantes da empresa que não sejam de atribuição do conselho de administração. É composto de 55 conselheiros, dos quais 13 são indicados pelos parlamentos regionais (até nove desses podem pertencer aos Parlamentos Europeu, Nacional ou Regionais); 37 são representantes de associações e sindicatos de diversos setores da sociedade na região; e cinco são membros de “grupos socialmente relevantes”, que “refletem a variedade de tendências e forças sociais” na região (wdr, 2023, §15). No entanto, entre os membros não se percebe a representação de alguns grupos minoritários, como os imigrantes. Esse conselho é a principal instância de participação da sociedade nas decisões da empresa, que também conta com um departamento de audiência (Publikumsstelle), por meio do qual o público pode enviar comentários e reclamações sobre o conteúdo emitido.

Alguns elementos chamam a atenção na forma como esses mecanismos são adotados no Brasil (no caso da ebc) e na Alemanha (no caso da wdr), entre eles: 1) são instrumentos estabelecidos por meio de uma regulação formal, a partir de iniciativas do Estado; 2) possuem espaço para uma participação social que é limitada, de maneiras diferentes, por interesses políticos; 3) enfrentam desafios relacionados às mudanças nas formas de interação com o público por meio de plataformas digitais; e 4) possuem diferentes níveis e formas de lidar com a transparência. Os recursos de transparência adotados pela mídia são abordados no próximo tópico.

Reflexões e apontamentos sobre transparência em organizações noticiosas

De maneira recorrente, a noção de transparência tem sido associada a expectativas como fortalecimento de processos democráticos, incentivo à participação cidadã, combate à corrupção e ampliação da eficácia das gestões públicas e privadas. Desde o início dos anos 1990, o termo passou a ser utilizado de maneira frequente com o sentido de honestidade, como requisito para a prestação de contas e para a aquisição de confiança, e ancorado nas novas tecnologias de informação, ganhando capilaridade não apenas na Política, mas também na economia, no direito, na tecnologia, na comunicação e muitos outros campos (Hood & Heald, 2006; Zuccolotto & Teixeira, 2019; Valdovinos, 2022).

Numa visão mais abrangente sobre o conceito, o cientista político Ann Florini (2007) define a transparência como o “grau em que a informação está disponível para pessoas de fora, permitindo que elas tenham uma voz informada nas decisões” (p. 5). Trata-se de uma abordagem ligada diretamente ao “direito inegociável de saber” (Pasquier & Villeneuve, 2007), e que consiste em um elemento crucial para garantir uma boa governança. Portanto, os debates em torno do tema são ancorados frequentemente em uma perspectiva normativa. No jornalismo, isso não vem sendo diferente.

Neste tópico, pretende-se abordar como a transparência é articulada por veículos de imprensa7 do Brasil e da Alemanha. Antes de prosseguir, é preciso reforçar que, ao refletir sobre como a transparência pode contribuir para as relações entre mídia e cidadania nos dois países, o propósito deste texto é construir um percurso descritivo em torno do uso de recursos de transparência. Reconhece-se ainda que, embora seja apontada enquanto um reforço para o acesso à informação, a transparência possui limitações e não pode ser vista como o único aspecto para fortalecer um sistema democrático (Michener & Bersch, 2013; Pozen, 2019).

Tanto no contexto brasileiro quanto no alemão, é possível observar discursos de diversos atores que apoiam políticas de prestação de contas com o propósito de aprimorar a qualidade dos debates públicos e empoderar cidadãos. O jornalismo é um dos defensores por mais transparência e acesso à informação, uma vez que um dos seus papéis é fiscalizar poderes (Maia, 2008; Christofoletti, 2021). Além disso, dentro do campo jornalístico, também é possível observar a aplicação de formas de transparência conduzidas em suas práticas e processos (arlsson, 2010; Groenhart & Bardoel, 2012). Nesse sentido, a transparência no jornalismo está relacionada tanto a ferramentas externas às redações como às práticas de governança e aos processos de apuração e tratamento das informações internamente.

No contexto do uso de dispositivos normativos de transparência como forma de servir ao escrutínio de governos, veículos de notícias no Brasil não apenas participaram dos debates e esforços para que o país promulgasse sua Lei de Acesso à Informação,8 mas também têm lançado mão dela. Uma pesquisa realizada por Brenol e Baccin (2022) demonstra como diversos estudos têm apontado o profissional jornalista como um ator relevante no uso desse instrumento. Entretanto, conforme revela a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (2021), 51,6 % de 384 jornalistas entrevistados tinham usado a lei para apurar reportagens. Esse indicador expõe que a ferramenta poderia ser mais bem aproveitada por veículos de notícias e seus profissionais.

No cenário alemão, de acordo com a Lei de Liberdade de Informação (Informationsfreiheitsgesetz-Bund) de 2006, todo cidadão tem direito de solicitar informações às autoridades governamentais. Assim como ocorre no Brasil, esse tipo de dispositivo é acionado em investigações jornalísticas na Alemanha. No entanto, conforme apontado por Beiler et al. (2020) em uma pesquisa realizada com 305 jornais e emissoras alemãs, a forma mais comum de coletar informações ainda é por meio de dados institucionais já disponíveis ou, como os pesquisadores destacam, “pré-processados”.

No plano organizacional, veículos midiáticos e, mais especificamente, organizações de notícias, também têm atuado para ampliar a transparência de suas práticas (Christofoletti, 2021). Nesse caso, diferentes tipos de esforços podem ser implementados para indicar maior abertura, entre eles a divulgação dos proprietários e acionistas do veículo; a adoção de políticas de financiamento; as informações adicionais sobre profissionais; as políticas de correção de erros; a inclusão de hiperlinks nos textos que direcionem aos documentos originais consultados; a exposição dos bastidores da construção da notícia; e os diálogos constantes com o público (Karlsson, 2010; Koliska & Chadha, 2017; Bezerra, 2022).

A justificativa para a adoção desses elementos não se limita apenas à prestação de contas à sociedade, o que poderia levar a uma maior credibilidade, mas também porque esse processo tem potencial para a ampliação do debate público (Coelho, 2022). Entretanto, a implementação de elementos de transparência não ocorre de maneira uniforme, é vinculada à região em que a organização está localizada, e varia de acordo com os diferentes recursos disponíveis, com a cultura organizacional, e a disposição da instituição, entre outros fatores.

Ao observar como a transparência é abordada por veículos de mídia nas nações brasileira e alemã é possível encontrar diferenças e similaridades. No que diz respeito à transparência sobre a propriedade e estrutura dos veículos de mídia na Alemanha, ela está assegurada por meio de legislação, comissão de concentração de mídia e publicação de relatórios. Mídias impressa e on-line também são obrigadas a fornecer informações sobre quem é o responsável pela empresa, um requisito previsto na Lei Nacional de Telecomunicações e em leis estaduais de mídia. Já no Brasil, sites noticiosos não são obrigados a publicar sua composição societária. Empresas de radiodifusão e jornais impressos, por sua vez, devem enviar essa informação ao Congresso Nacional. Ainda assim, os dados não são disponibilizados facilmente.

Rogério Christofoletti (2021) observou que jornalistas brasileiros também declaram ser mais transparentes do que suas práticas demonstram. Em questionário respondido por 353 profissionais das cinco regiões do país, o autor conseguiu inferir que, embora consideradas um valor da prática jornalística, “a transparência e a abertura para o público não são prioridades para a categoria” (p. 11). Isso decorre de fatores diversos, incluindo a própria estrutura organizacional, a precarização do trabalho e questões como “arrogância, autoproteção, medos variados e a insistência de uma imagem herdada” (Christofoletti, 2021, p. 8). No contexto alemão, quatro anos antes, Koliska e Chadha (2017) entrevistaram 17 jornalistas de renomadas organizações da mídia impressa e de radiodifusão. Eles identificaram que a adoção de uma cultura de transparência é considerada complexa, o que resulta, por exemplo, em poucos esforços para testar a eficácia e possíveis benefícios em torno do seu uso.

Esse panorama em torno da transparência na mídia nos dois países permite enxergar algumas pistas de como o tema vem sendo debatido e apropriado. Historicamente, organizações noticiosas cobram mais transparência e fazem uso de dispositivos que contribuem para fiscalizar governos. Ao mesmo tempo que demandam dos outros uma maior abertura, muitas dessas organizações —em especial as mídias mainstream— se fecham e refutam qualquer exposição de suas atividades. Entretanto, é preciso ressaltar que os usos da transparência podem variar significativamente conforme perfis, modelos de negócios e objetivos das organizações.

Considerações finais

Ao investigar o acesso à internet, a responsabilização da mídia e a transparência a partir dos exemplos de Brasil e Alemanha, buscou-se compreender como esses elementos influenciam a participação cívica e se refletem na manutenção da democracia. A abordagem partiu da importância do direito à informação e à comunicação e proporciona elementos basilares para compreender as dinâmicas complexas entre mídia e cidadania. O tabela 1 resume os principais achados da pesquisa.

Tabela 1. Principais achados da pesquisa

Variáveis de análise

Brasil

Alemanha

Acesso à internet e desafios para a convergência e para a pluralidade

O acesso à internet e o tipo de uso da rede demandam políticas de conectividade e ações para fomentar a literacia midiática

O acesso à internet não é uma barreira, mas observam-se problemas que envolvem a disputa da mídia tradicional com os meios digitais e da mídia pública no ambiente convergente

Instrumentos de responsabilização da mídia no serviço público de radiodifusão

Enfrenta interferências, em diferentes dimensões, principalmente relacionadas a capturas políticas

Enfrenta interferências, em diferentes dimensões, principalmente relacionadas
a capturas políticas

Transparência em organizações noticiosas

Discursos de diversos atores que apoiam políticas de prestação de contas para melhoria da qualidade dos debates públicos e empoderar cidadãos

Discursos de diversos atores que apoiam políticas de prestação de contas para melhorar a qualidade dos debates públicos e empoderar cidadãos

Apesar do uso de ferramentas de transparência por jornalistas, há margem para melhorias e aperfeiçoamentos

Coleta de informações por meio de dados institucionais já disponíveis ou “pré-processados” e não via requerimentos
de acesso a informações

Sites noticiosos não são obrigados a publicar sua composição societária. Empresas de radiodifusão e jornais impressos devem enviar essa informação ao Congresso Nacional. Porém, dados não são disponibilizados

Transparência sobre a propriedade e estrutura dos veículos de mídia assegurada em lei, com obrigação de mídias; impressa e on-line fornecerem informações sobre o responsável
pela empresa

A transparência e a abertura para
o público não são prioridades
para jornalistas

A adoção de uma cultura de transparência é considerada complexa por jornalistas, o que resulta, por exemplo, em poucos esforços para testar a eficácia e os possíveis benefícios em torno do seu uso

Fonte: elaborado pelos autores (2024).

O acesso à internet tem potencial para estimular a participação e a inclusão. Porém, no Brasil, o acesso e o tipo de uso da rede demandam políticas de conectividade e ações para fomentar a literacia midiática, objetivando maior criticidade da população no uso da informação. Na Alemanha, a questão do acesso não é uma barreira, mas observam-se problemas que envolvem a disputa da mídia tradicional com os meios digitais e da mídia pública no ambiente convergente.

Nesse cenário, a responsabilização da mídia e do serviço público de radiodifusão emerge como uma possibilidade de garantia para a confiabilidade das informações veiculadas. Para isso, os instrumentos de accountability nas empresas de radiodifusão pública do Brasil e da Alemanha se apresentam como caminhos alternativos. Ambas enfrentam interferências, em diferentes dimensões, principalmente relacionadas a capturas políticas.

A transparência da mídia, por sua vez, tanto na sua dimensão normativa quanto relacionada aos processos e estruturas do jornalismo, é apontada como fator que pode colaborar para a confiança pública, especialmente em um cenário digital complexo. Apesar disso, a simples publicização da informação não garante a credibilidade e a confiança nas instituições governamentais e nas organizações noticiosas. A noção de transparência estende-se de modo intrincado aos algoritmos que definem a direção do conteúdo on-line, os quais influenciam como as pessoas acessam e interagem com diferentes perspectivas informacionais (Luvizotto & Sena, 2022). A garantia dessa transparência está ligada, entre outros fatores, à capacidade de regulamentação que deve evoluir em sintonia com os avanços tecnológicos, a fim de assegurar sua observância em todas as plataformas de comunicação.

É importante ressaltar que a reflexão apresentada sobre o acesso à internet, a responsabilização da mídia e a transparência, tanto no Brasil quanto na Alemanha, não deve ser considerada de forma isolada, mas sim como parte de um espectro mais amplo de fatores que influenciam a relação entre os meios de comunicação e a sociedade. Esses elementos são fundamentais, mas não devem ser considerados como uma solução única para os desafios enfrentados pela democracia contemporânea. Outros fatores como a educação cívica, o engajamento político e a qualidade do sistema democrático, também desempenham papéis fundamentais. Portanto, a busca por respostas eficazes deve considerar uma abordagem multidimensional que integre todos esses elementos em conjunto.

Ao abordar as realidades desses países, aponta-se a necessidade de contextualizar as análises sobre mídia, cidadania e democracia. Cada um com suas características únicas oferece insights valiosos sobre as complexidades das democracias em diferentes contextos culturais e políticos. No entanto, também nos permitem o exercício de buscar alternativas e soluções para problemas que podem ser comuns ou complementares tanto nessas realidades quanto em outras, inspirando estratégias inovadoras e adaptáveis, que levem em consideração as nuances locais e as necessidades específicas de cada sociedade.

Referências

1.Arab European Association of Media and Communication Researchers, & Institute for Media and Communication Studies at Freie Universität Berlin. (2017). International media systems [online course]. The German Media System. https://www.areacore.org/germany-the-german-media-system-script-en/

2.Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. (2021). Pesquisa aponta alto índice de jornalistas que nunca fizeram pedidos de acesso à informação. https://www.abraji.org.br/noticias/pesquisa-aponta-alto-indice-de-jornalistas-que-nunca-fizeram-pedidos-de-acesso-a-informacao

3.Barros, A., & Duarte, J. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. Atlas.

4.Beiler, M., Irmer, F., & Breda, A. (2020). Data journalism at German newspapers and public broadcasters: a quantitative survey of structures, contents and perceptions. Journalism Studies, 21(11), 1571-1589. https://doi.org/10.1080/1461670X.2020.1772855

5.Bezerra, K. (2022). Boas práticas de transparência para o jornalismo. Em R. Christofoletti (Ed.), Transparência jornalística: o que é e como se faz (pp. 33-41). Universidade Federal de Santa Catarina.

6.Brenol, M., & Baccin, A. (2022). Dez anos de lai e a pesquisa sobre o acesso à informação pública pelo jornalismo. Estudos em Jornalismo e Mídia, 19(2), 63-77. https://doi.org/10.5007/1984-6924.2022.85925

7.Bucci, E. (2013). Sobre a independência das emissoras públicas no Brasil. Revista Eptic Online, 15(2), 121-136.

8.Castells, M. (2018). Ruptura: a crise da democracia liberal. Zahar.

9.Cellard, A. (2008). A análise documental. Em J. Poupart, J.-P. Deslauriers, L.-H. Groulx, A. Lapièrre, R. Mayer & Á. Pires, A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Vozes.

10.Christofoletti, R. (2021). O que pensam os jornalistas brasileiros sobre a transparência das suas práticas? Revista Famecos, 28, 1-12. https://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2021.1.40656

11.Coelho, A. (2022). Por que a transparência melhora o jornalismo e a sociedade? Em R. Christofoletti (Ed.), Transparência jornalística: o que é e como se faz (pp. 21-28). Universidade Federal de Santa Catarina.

12.Coelho, J. F. G. (2019). Ombudsman e comunicação pública no Brasil e em Portugal [tese, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/35794

13.Coelho, J. F. G. (2023). El retorno de Lula y la esperanza de la reconstrucción del ambiente democrático. Media Development Review, LXIX(1). https://waccglobal.org/wp-content/uploads/2023/02/1-2023.MD_.final_.pdf

14.Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

15.Coşkun, G. B. (2020). Media capture strategies in new authoritarian States: the case of Turkey. Publizistik, 65, 637-654. https://doi.org/10.1007/s11616-020-00600-9

16.Costa, A. B. L. (2022). Velhas e novas barreiras, novos e velhos atores: descompasso entre tecnologias e regulação das comunicações no Brasil [tese, Universidade de Brasília].

17.Costa, A. B. L., & Urupá, M. F. (2022). Neutralidade de rede e regulação de oligopólios no audiovisual. Em Memorias Congreso alaic 2022.

18.Darbishire, H. (2010). Proactive transparency: the future of the right to information? World Bank Institute.

19.Eberwein, T., Fengler, S., & Karmasin, M. (2018). The European handbook of media accountability. Routledge.

20.Fengler, S., Eberwein, T., & Karmasin, M. (2022). The global handbook of media accountability. Routledge.

21.Fengler, S., Lengauer, M., & Zappe, A-C. (2021). Reporting on migrants and refugees: handbook for journalism educators. Unesco.

22.Florini, A. (2007). The battle over transparency. Em A. Florini (Ed.), The right to know (pp. 1-16). Columbia University Press.

23.Groenhart, H. P., & Bardoel, J. L. (2012). Conceivind the transparency of journalism: moving towards a new media accountability currency. Studies in Communication Sciences, 12(1), 6-11. https://doi.org/10.1016/j.scoms.2012.06.003

24.Heimstädt, M., & Dobusch, L. (2020). Transparency and accountability: causal, critical and constructive perspectives. Organization Theory, 1(4), 1-12. https://doi.org/10.1177/2631787720964216

25.Hood, L., & Heald, D. (2006). Transparency: the key to better governance? Oxford University Press.

26.Karlsson, M. (2010). Rituals of transparency. Journalism Studies, 11(4), 535-545. https://doi.org/10.1080/14616701003638400

27.Koliska, M., & Chadha, K. (2017). Transparency in German newsrooms: diffusion of a new journalistic norm? Journalism Studies, 19(16), 1-17. https://doi.org/10.1080/1461670X.2017.1349549

28.Lei 11652 de 2008 (7 de abril). https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11652.htm

29.Lei 13417 de 2017 (1º de março). https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13417.htm#art1

30.Lopes, F., Burnay, C. D., Santos, C. A, Santos, F. S., Wemans, J., Romano, R., & Silva, S. G. da. (2023). Serviço público de média: livro branco. Ministério da Cultura.

31.Lucke, J., & Gollasch, K. (2022). Open government: Ofenes Regierungs- und Verwaltungshandeln - Leitbilder, Ziele und Methoden. Springer Gabler.

32.Luvizotto, C. K., & Sena, K. E. R. (2022). Cidadania digital e tecnologia em rede: entre comunicação, algoritmos e aplicativos cívicos. Liinc em Revista, 18(2), e6070. 1-18. https://revista.ibict.br/liinc/article/view/6070/5707

33.Luvizotto, C. K., Napolitano, C. J., & Trindade, A. C. (2020). A informação sobre a democratização da comunicação no blog do Intervozes na Revista da Carta Capital. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, 19(1), 38-48. http://revista.pubalaic.org/index.php/alaic/article/view/637/641

34.Maia, M. (2008). A regra da transparência como elemento democratizador do jornalismo. Brazilian Journalism Research, 4(2). https://doi.org/10.25200/BJR.v4n2.2008.168

35.Michener, G., & Bersch, K. (2013). Identifying transparency. Information Polity, 18(3), 233-242. https://doi.org/10.3233/IP-130299

36.Paixão, M. (2021). Radiodifusão pública à brasileira: as mudanças feitas na ebc de 2016 a 2020. Universidade de São Paulo. https://www.academia.edu/51779938/Radiodifus%C3%A3o_P%C3%BAblica_%C3%A0_Brasileira_As_Mudan%C3%A7as_Feitas_na_EBC_de_2016_a_2020

37.Pasquier, M., & Villeneuve, J.-P. (2007). Organizational barriers to transparency: a typology and analysis of organizational behaviour tending to prevent or restrict access to information. International Review of Administrative Sciences, 73(1), 147-162. https://doi.org/10.1177/0020852307075701

38.Pieranti, O. P. (2018). A radiodifusão pública resiste: a busca por independência no Brasil e no Leste Europeu. fac Livros.

39.Pozen, D. E. (2019). Seeing transparency more clearly. Public Administration Review, 80(2), 326-331. https://doi.org/10.1111/puar.13137

40.Speck, D. (2023). Enabling visibility: online transparency practices of German public service media organisations. Em M. Puppis & C. Ali (Eds.), Public service media’s contribution to society: ripe@2021 (pp. 289-310). University of Gothenburg. https://doi.org/10.48335/9789188855756-14

41.Statista. (2022a). Statistik-Report zur Digitalisierung in der Medienbranche. https://de.statista.com/statistik/studie/id/12282/dokument/digitalisierung-statista-dossier/

42.Statista. (2022b). Statistik-Report zum Fernsehmarkt in Deutschland. https://de.statista.com/statistik/studie/id/6383/dokument/fernsehen-in-deutschland-statista-dossier/

43.Stiglitz, J. E. (2017). Toward a taxonomy of media capture. Em A. Schiffrin (Ed.), In the service of power: media capture and the threat to democracy (pp. 9-17). Center for International Media Assistance.

44.Strozi, G. G. (2019). Comunicação pública e participação: vida e morte do Conselho Curador da ebc [dissertação, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/38504

45.Thomass, B. (2016). Public service media, civil society and transparency. International Journal of Digital Television, 7(3), 297-313. https://doi.org/10.1386/jdtv.7.3.297_1

46.União Europeia. (2022). Eurobarometer. Media and News Survey 2022.

47.Valdovinos, J. I. (2022). Transparency and critical theory. Palgrave Macmillan.

48.Valente, J. C. J. (2021). Tecnologia, informação e poder: das plataformas online aos monopólios digitais. Editora Dialética.

49.Van Dijck, J., Poell, T., & Wall, M. De. (2018). The platform society. Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oso/9780190889760.001.0001

50.Westdeutschen Rundfunk. (2023). wdr-Gesetz. https://www1.wdr.de/unternehmen/rundfunkrat/rechtsgrundlagen-102.html

51.Zanetti, L. A., Luvizotto, C. K., Nascimento, F. A., & Trindade, A. C. (2023). Mediatized public sphere and journalism in times of algorithms, polarization and crisis of democracy in Brazil. Social Sciences, 12(4), 143-151. http://www.socialsciencesjournal.org/article/202/10.11648.j.ss.20231204.11

52.Zuccolotto, R., & Teixeira, M. A. C. (2019). Transparência: aspectos conceituais e avanços no contexto brasileiro. Escola Nacional de Administração Pública (enap).


*Este texto apresenta resultados parciais da pesquisa “Comunicação e democracia: responsabilidade da mídia, mídia de serviço público, acesso à internet e o direito à informação na Alemanha e no Brasil”, financiada e apoiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) por meio do Programa de Cooperação Acadêmica Brasil-Alemanha (Probal). Capes-Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (daad) processo 88881.371423/2019-01.

4Mais informações em: https://www.ebc.com.br/veiculos/rncp

5Todas as citações diretas em português de obras que estão em outro idioma (ver referências) foram traduzidas pelos autores deste artigo.

6Os diferentes regulamentos das empresas de radiodifusão regionais que compõem a ard podem ser acessados em https://www.ard.de/die-ard/Rechtsgrundlagen-Rundfunkgesetze-100/

7Aqui, organizações de notícias são abordadas de uma maneira ampla, considerando aquelas de caráter hegemônico, alternativo e independente.

8A Lei 12527/2011 de Acesso à Informação regulamenta o direito de acesso às informações públicas, conforme previsto na Constituição Federal. Por meio dela, qualquer pessoa, física ou jurídica, pode solicitar e receber informações públicas de órgãos federais, estaduais ou municipais. Essa lei se divide em dois tipos de práticas de transparência, uma ativa e outra passiva. A primeira ocorre quando órgãos públicos disponibilizam informações à disposição da sociedade sem que haja uma solicitação direta e a segunda ocorre quando uma demanda é gerada por uma cidadã ou cidadão.

Para citar este artigo: Kraus Luvizotto, C., Lemos da Costa, A. B., Guedes Coelho, J. F., & Bezerrra, K. (2024). Comunicação e democracia: as relações entre mídia e cidadania no Brasil e na Alemanha. Anuario Electrónico de Estudios en Comunicación Social “Disertaciones”, 17(2). https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/disertaciones/a.13991