A paradiplomacia financeira em países emergentes de estrutura federativa

The Financial Paradiplomacy in Emerging Market Countries with Federal Structure

La Paradiplomacia Financiera en Países Emergentes de Estructura Federativa

José Nelson Bessa Maia *
José Flávio Sombra Saraiva **

A paradiplomacia financeira em países emergentes de estrutura federativa

Desafíos, vol. 28, no. 1, 2016

Universidad del Rosario

Recepção: 22 Abril 2015

Aprovação: 21 Setembro 2015

Resumo: O presente artigo objetiva elaborar uma análise de política comparada por meio do mapeamento da experiência de paradiplomacia financeira em alguns países emergentes. O trabalho expõe o conceito de paradiplomacia financeira; esboça o modelo da paradiplomacia financeira em países de estrutura de governo federativo; compara as experiências de paradiplomacia financeira em quatro países emergentes (Argentina, Índia, México e Rússia); e faz uma síntese das experiências em comparação com o Brasil. O estudo conclui que a paradiplomacia financeira no mundo emergente se encontra limitada uma vez que os governos subnacionais ficam obrigados a captar nos mercados de crédito domésticos a custos em geral bem superiores ao mercado internacional e/ou terem de aceitar a intermediação do governo central na contratação de empréstimos junto aos organismos financeiros internacionais, sendo poucos os que captam diretamente nos mercados de capitais globais.

Palavras-chave Política Comparada, federalismo, paradiplomacia financeira.

Abstract: This article engages into a comparative policy analysis through the mapping of the financial paradiplomacy experience in some emerging market countries. The article introduces the concept of financial paradiplomacy, outlines the financial model of paradiplomacy in countries with federal government structures, compares the experience with financial paradiplomacy in four emerging market countries (Argentina, India, Mexico and Russia), and provides an overview of those experiences compared with Brazil. The article concludes that financial paradiplomacy in emerging markets is limited since subnational governments are required to raise funds in the domestic credit markets at costs above the international market and/or having to accept the intermediation role of the respective central governments in order to obtain loans from the international financial organizations; with just a few of emerging market countries whose subnational governments raise funds directly in the global capital market.

Keywords: comparative politics, federalism, financial paradiplomacy.

Resumen: El presente artículo objetiva elaborar un análisis de política comparada por medio del mapeo de la experiencia de paradiplomacia financiera en algunos países emergentes. El trabajo expone el concepto de paradiplomacia financiera; esboza el modelo de la paradiplomacia financiera en países de estructura de gobierno federativo; compara las experiencias de paradiplomacia financiera en cuatro países emergentes (Argentina, India, México, Rusia); y hace una síntesis de las experiencias en comparación con Brasil. El estado concluyó que la paradiplomacia financiera en el mundo emergente se encuentra limitada una vez que los gobiernos subnacionales están obligados a captar en los mercados de créditos domésticos a costos, en general, bien superiores al mercado internacional y/o tener que aceptar la intermediación del gobierno central en la contratación de préstanos junto a los organismos financieros internacionales, siendo pocos los que captan directamente en los mercados de capitales globales.

Palabras clave: Política Comparada, Federalismo, Paradiplomacia Financiera.

1. Introdução

Para alguns autores, a inviabilidade de aplicar o método experimental às Ciências Sociais, reproduzindo, em nível de laboratório, os fenômenos estudados, faz com que a comparação se torne um requisito fundamental para a objetividade científica, pois é ela que nos permite então romper com a singularidade dos eventos e formular leis capazes de explicar os fenômenos sociais. Nesse aspecto, a comparação parece algo inerente a qualquer pesquisa no campo das Ciências Sociais, esteja ela direcionada para a compreensão de um evento singular ou voltada para o estudo de uma série de casos previamente escolhidos (Schneider e Schimitt, 1998, pp. 49-50).

O emprego da comparação como método de análise também permite a verificação empírica de hipóteses, propicia generalizações e, quando bem-sucedida, auxilia na formulação de novas teorias. A Política Comparada, como campo específico da Ciência Política e aplicável às Relações Internacionais, faz largo uso do método comparativo, de modo a ampliar o alcance das explicações relativas a temas e problemas que se mostram propícios à investigação por esse meio.

O presente artigo também se propõe a fazer uma análise de Política Comparada por meio do mapeamento da experiência de paradiplomacia financeira em alguns países emergentes e sua analogia com o Brasil. Este artigo compõe-se de cinco seções. A primeira apresenta o conceito de paradiplomacia financeira; o segundo esboça o modelo da para-diplomacia financeira em países de estrutura de governo federativo. A terceira seção compara as experiências de paradiplomacia financeira emquatro países emergentes (Argentina, Índia, México e Rússia); a quarta seção faz uma síntese das experiências em comparação com o Brasil. A última seção, por seu turno, apresenta conclusões sobre o estado das artes da paradiplomacia financeira no mundo emergente atual.

2. O conceito de Paradiplomacia Financeira

Conforme destaca Keating (1999, pp. 3-5), o fenômeno da paradiplomacia envolve quanto a sua motivação uma série de objetivos de atuação externa, seja no campo econômico, político e/ou cultural. Em âmbito econômico – o mais pragmático de todos – o autor assim se expressa:

Economically, regions seek investment, markets for their products, and technology for modernization. In a world of increasing mobility, they also promote themselves as tourist destinations. Inward investment is a means for obtaining employment and growth, as well as moving into new economic sectors, but it carries with it the risk of dependency and insecurity, as capital can move out as easily as it moves in. So it is often balanced by policies to build up the local business sector, especially in small and medium firms. Markets and export promotion are of more importance for local small firms, which lack international connections or the knowledge and resources to establish them.

Na mesma linha de argumentação, Lecours (2008, p. 2) destaca o foco econômico entre as motivações da paradiplomacia:

The first layer corresponds to economic issues. In this context, sub-state governments aim at developing an international presence for the purpose of attracting foreign investment, luring international companies to the region, and targeting new markets for exports. This layer does not have an explicit political dimension, nor is it concerned with cultural issues. It is primarily a function of global economic competition. The prototypical example here is the American states whose international activity consists essentially of the pursuit of economic interests.

Na sua motivação puramente econômica, a paradiplomacia pode assumir distintas modalidades, a saber: i) promoção de exportações ou turismo estrangeiro (paradiplomacia comercial); ii) captação de recursos financeiros externos (paradiplomacia financeira); iii) atração de investimentos externos diretos (paradiplomacia inversionista); e iv) absorção e transmissão de conhecimentos e tecnologia pela via da cooperação técnica (paradiplomacia cooperativa). (Bessa Maia, 2012, p. 146).

Dado o significativo peso do volume de recursos externos ora captados por entes subnacionais em diversos países e a escassez de trabalhos e pesquisas sobre esta modalidade de atuação paradiplomática, é que se considerou relevante empreender a presente pesquisa para buscar o entendimento mais claro das formas, o alcance e os efeitos da captação de recursos de fontes internacionais por governos subnacionais em um contexto de federalismo fiscal. Portanto, as demais modalidades de paradiplomacia econômica não serão abordadas neste artigo e, uma vez que elas já foram objeto de outros esforços de investigação 1 .

2.1. O Conceito e Objetivos da Paradiplomacia Financeira

A noção de “diplomacia de múltiplas camadas” de Hocking como característica da paradiplomacia é adotada neste artigo, uma vez que se considera que existem pontos de convergência entre os interesses dos governos centrais e dos governos subnacionais. Entre estes pontos, destaca-se a disposição de ampliar as relações econômicas de um dado país como um todo com o resto do mundo (Hocking, 1999, p. 20).

No entanto, em virtude da ampla difusão do termo “paradiplomacia” nos meios acadêmicos, governamentais e de organismos internacionais, o mesmo é empregado com ajustes neste trabalho conforme definição já consagrada elaborada por Cornago Prieto (2004, p. 251) para expressar:

[...] o envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios com entidades estrangeiras públicas e privadas, objetivando promover resultados socioeconômicos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional.

Com base nesta definição geral de Prieto, define-se “paradiplomacia financeira como a iniciativa própria e autônoma de um governo sub-nacional no sentido de negociar e contratar diretamente a captação de recursos externos ofertados por fontes internacionais, oficiais ou privadas, e/ou governamentais estrangeiras com vistas a complementar suas necessidades de financiamento de investimento público”. Trata-se de uma conceituação operacional e precisa do fenômeno que será necessária para realizar eventuais exercícios de verificação empírica sobre o fenômeno.

A respeito da paradiplomacia financeira, Lachapelle (2003, p. 10) afirma que:

Substate governments also frequently make international loan requests to help consolidate their region’s economic development. These days, cities and regions act in the same manner as any other country when the time comes to make international loans. The cost of borrowing today is set on an international rate based on bond and credit markets. As suggested [by Hocking]: “Regions today differ from countries only in ways that are quite subtle.

A definição de Lachapelle refere-se mais apropriadamente à posição de entes subnacionais de países avançados que levantam recursos diretamente nos mercados de capitais internacionais (os chamados muni bond markets) por meio de emissão de bônus sem apresentar quaisquer garantias de seus governos centrais. Trata-se de situação ainda pouco presente na atualidade entre os governos subnacionais de países emergentes, que dependem fortemente de empréstimos ou financiamentos de fontes oficiais, multilaterais e bilaterais, com aval dos respectivos governos centrais 2 .

De fato, a paradiplomacia financeira nos chamados países emergentes assume hoje majoritariamente a forma de operações de crédito externo oferecidas por organismos internacionais ou agências de cooperação ao desenvolvimento de governos estrangeiros. Conforme assinala Ezquerro (2008, pp. 3-4) referindo-se ao caso argentino:

En los tempranos noventa, los bancos aprobaron las primeras operaciones destinadas a las provincias argentinas que se instrumentan mediante convenios subsidiarios de traspaso de fondos con la Nación. A partir de 1995, los bancos [organismos multilaterales de crédito, nuestro énfasis] incorporan las provincias como parte de su estrategia permanente de financiamiento al país. Así, el financiamiento a las provincias tomó dos tipos de modalidad; por un lado, las negociaciones financieras directas con las provincias y, por el otro, financiamiento indirecto mediante préstamos con convenios subsidiarios de traspaso de fondos entre la Nación y las provincias.

Ainda no que se refere à Argentina, De Marsilio (2006, p. 11) afirma:

En relación con el sector financiero, las provincias se convirtieron en tomadoras de financiamiento externo de origen diverso desde hace más de una década. Los préstamos públicos están principal, aunque no exclusivamente, gestionados ante y otorgados por los dos Grupos de la Banca Multilateral. Así, las provincias han hecho un uso importante de las líneas de crédito del Banco Mundial (BM) y del BID. Además, y sin entrar en detalles, las provincias, al menos en la década del noventa, utilizaron también de manera bastante indiscriminada financiamiento de banca privada, en varios casos de origen extranjero.

A paradiplomacia financeira assume em geral uma postura pragmática e utilitarista, tendo por objetivos: i) assegurar recursos externos para financiar projetos de investimento público (a “regra de ouro” do empréstimo externo 3 ); ii) obter recursos externos a custos menores do que no mercado interno e a prazos maiores de amortização; iii) angariar recursos adicionais para “fugir” da restrição orçamentária dada pelas receitas próprias e transferências fiscais do governo central; iv) ter acesso a melhores práticas para a formulação de políticas e a gestão de projetos a partir da cooperação técnica e financeira dos organismos internacionais, e v) projetar-se internacionalmente como um parceiro credível e confiável com vistas a credenciar-se a atrair investimentos privados estrangeiros.

3. Paradiplomacia Financeira e Federalismo: análise de Política Comparada

Antes de dar início à análise comparada propriamente dita, convém explicitar o conceito de federalismo adotado, justificar a escolha dos países selecionados neste artigo e quantificar o número de atores subnacionais nesta amostra potencialmente aptos a atuar como agentes de paradiplomacia.

Com relação ao conceito de federalismo, optou-se por usar a definição de Kincaid (2001), segundo o qual o federalismo é um sistema voluntário de governo autônomo e de poder compartilhado, o que está implícito na derivação da palavra latina ‘foedus’ que significa aliança ou pacto. Uma aliança por sua vez significa uma parceria obrigatória entre membros iguais em que as partes aliadas conservam a sua identidade individual e integridade enquanto se cria uma nova entidade política, que também tem sua própria identidade e integridade, a União federal. A aliança também significa um compromisso moral perante o qual as partes do todo se comportam entre si de acordo com o espírito da lei e não simplesmente com a letra da lei.

O federalismo proporciona uma abordagem de organização constitucional que possibilita a ação por um governo compartilhado para determinados finalidades comuns, juntamente com a ação autônoma (descentralização fiscal e competências próprias) por parte das unidades constituintes do governo para os fins relacionados à manutenção da sua identidade como entes federados, com cada nível diretamente responsável perante seu próprio eleitorado. Em outras palavras, o sistema de governo federativo seria o mais capaz para permitir dentro da unidade o reconhecimento da diversidade, dos interesses comuns e da identidade das diversas subunidades que formam um dado estado-nação. Neste aspecto, sua vinculação ao regime democrático é essencial para conferir efetividade, legitimidade e sustentabilidade a uma federação.

Surgido a partir da independência e união das 13 colônias inglesas no que viria a ser os Estados Unidos da América (1781) e da refundação da confederação suíça (1848), o sistema federalista vem se propagando pelo mundo. Conforme anunciado pelo Forum of Federations, após a recente adoção do federalismo por estados-nações tradicionalmente unitários como a Espanha e a África do Sul, existem, na atualidade, 25 países com sistemas federativos. Outros dois (Iraque e Sudão) estão em transição para a federalização, sem falar em outros (como o Sri Lanka e a Itália) que cogitam em adotar dispositivos federativos em suas constituições nacionais 4 .

Dentre os critérios de seleção dos países emergentes escolhidos, além de todos serem caracterizados por sistemas federativos, levou-se em conta o estágio mais avançado em que se encontram em termos de manifestações de ações paradiplomáticas registradas na literatura acadêmica, assim como pela longevidade (mais de 15 anos) de seus sistemas federativos e importância geopolítica e geoeconômica que detêm no sistema internacional. Em conjunto, esses cinco países respondem por 22,5% da superfície terrestre, 24,9% da população global e quase 11% da economia mundial (PIB avaliado em dólares correntes.

Todos os países emergentes escolhidos se caracterizam por regimes considerados democráticos (livres ou parcialmente livres e com processos eleitorais) e razoável grau de descentralização política (Freedom House, 2013 5 ). Conforme pode ser visto no quadro acima, existem na amostra selecionada 203 governos subnacionais em escala regional (estados ou províncias) com potencial de exercer iniciativas de natureza paradiplomática, em especial de paradiplomacia financeira.

Tabela 1
Países Emergentes Selecionados com Estrutura de Governo Federativo - indicadores básicos
Países Emergentes Selecionados com Estrutura de Governo Federativo -
indicadores básicos

(*) dólares a preços correntes. (**) estados federados autônomos, exclusive territórios geridos pelo poder central.(***) 69 províncias (oblas ts ) e 21 repúblicas autônomas.

Fonte: IMF databas e; fontes nacionais ; elaboração: os autores

4. A Paradiplomacia Financeira em Federações de Países Emergentes

4.1. O Caso da Argentina

A Argentina é um país democrático com sistema federativo e uma tradição de fortes governos provinciais que remonta à fase de pré-independência. O País é dividido em 24 jurisdições políticas autônomas, sendo 23 províncias e a cidade de Buenos Aires, a capital da República. Com cerca de metade das despesas públicas totais ocorrendo no nível subnacional é o país mais descentralizado da América Latina. Ao mesmo tempo, os impostos mais importantes são recolhidos a nível nacional, o que implica um grau significativo de desequilíbrio fiscal vertical. (Nicolin, 2002, p. 4).

Ainda conforme Nicolin (2002, p. 5), no sistema federativo argentino, a autonomia política dos governos subnacionais é bastante elevada. Além disso, a política provincial é um elemento importante da política nacional devido à natureza do sistema eleitoral. Assim, o alto grau de descentralização fiscal (pelo menos do lado da despesa) juntamente com elevada autonomia institucional e política e a heterogeneidade regional tornam Argentina um caso muito interessante para estudar a interação de fatores institucionais e políticos no funcionamento das finanças públicas em uma federação.

O retorno à democracia em 1983 e a reforma constitucional de 1994 fizeram com que o federalismo argentino avançasse de uma relação competitiva entre o Estado federal e as províncias para um arranjo mais cooperativo e consensual. Este novo esquema abriu um horizonte de oportunidades às províncias como resultado do aprofundamento da globalização e o fim da Guerra Fria.

O processo de integração regional no âmbito do Mercosul (criado em março de 1994), também contribuiu para estimular as províncias argentinas a exercitar iniciativas paradiplomáticas. Este movimento de interação entre as províncias argentinas e estados brasileiros e departamentos uruguaios e paraguaios (estados unitários) evoluiu de tal sorte que levou à institucionalização dessa participação dos governos subnacionais, com a criação, em dezembro de 2004, do Fórum Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncas e Departamentos (FCCR) que veio a reforçar a iniciativa preexistente da rede de Mercocidades 6 .

A reforma constitucional argentina de 1994, por meio do artigo 124 introduziu uma série de mudanças destinadas a fortalecer o federalismo argentino na área de relações internacionais. Com efeito, o citado artigo estabelece que:

Las provincias podrán crear regiones para el desarrollo económico y social y establecer órganos con facultades para el cumplimiento de sus fines y podrán también celebrar convenios internacionales en tanto no sean incompatibles con la política exterior de la Nación y no afecten las facultades delegadas al gobierno federal o el crédito público de la Nación, con conocimiento del Congreso Nacional. La ciudad de Buenos Aires tendrá el régimen que se establezca a tal efecto. Corresponde a las provincias el dominio originario de los recursos naturales existentes en su territorio.

O artigo 125, por seu turno, esclarece que tais convênios internacionais devem atender dentre outros, seus interesses econômicos e atração de investimentos e captação de recursos externos desde que com “conhecimento do Congresso Nacional”:

Las provincias pueden celebrar tratados parciales para fines de administración de justicia, de intereses económicos y trabajos de utilidad común, con conocimiento del Congreso Federal; y promover su industria, la inmigración, la construcción de ferrocarriles y canales navegables, la colonización de tierras de propiedad provincial, la introducción y establecimiento de nuevas industrias, la importación de capitales extranjeros y la exploración de sus ríos, por leyes protectoras de estos fines, y con sus recursos propios.

Em função dessa diretriz, pode-se afirmar que a reforma constitucional argentina teve como resultado a ampliação do federalismo, garantindo aos governos provinciais uma maior autonomia formal em suas áreas de atuação, permitindo-lhes maior capacidade para buscar recursos no exterior com vistas a potencializar seu desenvolvimento econômico e social, num contexto de maior articulação entre as diversas esferas de seus entes federativos.

Antes de entrar especificamente no modelo argentino de paradiplomacia financeira, cabe discorrer sobre o arcabouço normativo que rege o endividamento subnacional no País. Conforme Schwartz & Liuksila (1997, pp. 404-405), historicamente, todos os entes de governo na Argentina podiam contratar empréstimos no País e no exterior. Nos anos 80, tanto o Governo Federal como as províncias se endividaram excessivamente como reflexo da precária gestão fiscal naquele período. O descontrole foi maior em nível subnacional levando os governos provinciais a responder por 40% do déficit do setor público consolidado. Tais déficits eram financiados por transferências discricionárias do poder central e financiamento “espúrio” pelos bancos provinciais, além de atrasos nos encargos de juros, fornecedores e salários de servidores públicos. Uma situação de inadimplência quase generalizada.

Com a introdução do currency board em 1991 (Ley de La convertibilidad) é que o governo argentino começou a disciplinar o endividamento dos governos subnacionais, impondo-lhes controles e sanções e privatizando a maioria dos bancos provinciais. Em 1994, ao mesmo tempo em que a reforma constitucional já referida concedia mais autonomia às províncias em suas relações internacionais, o governo federal conseguiu introduzir as exigências de autorização pelo Ministério da Economia (Resolução no 1075/93) e a aprovação legislativa pelo Congresso para empréstimos subnacionais em moeda estrangeira. Porém, como permaneceu inexistindo regra semelhante para operações de crédito interno, a maioria das províncias continuou sobreendividada e em recorrente risco de inadimplência sobre o serviço de suas dívidas.

Conforme Zabala (2004), a Constituição argentina faculta a cada província definir regras sobre seu endividamento, com os procedimentos variando entre as províncias. Em geral, as cartas magnas provinciais exigem: aprovação do órgão local de controle (procuradoria ou contadoria geral); autorização legislativa; destinação somente para financiar investimentos e limites de endividamento em relação às receitas provinciais (de 20 a 25%). No entanto, os bancos só podem emprestar às províncias (em moeda local ou estrangeira) ou subscrever títulos provinciais se houver autorização expressa do Ministério da Economia.

Ademais, Zabala destaca outra regra disciplinadora ditada pelo governo federal argentino, ainda que não plenamente efetiva:

The Ministry of Economy sets the criteria for lenders to subnational borrowers. Among these, the most notable are experience in local or international subnational debt markets, a sound financial position, and good loan terms (interest rate, maturity, interest payments, amortization payments and upfront fees). In cooperation with the largest bond custody company and the major stock exchanges, the Ministry of Economy has developed ways to better monitor provincial bonds. The bottom line is that the Ministry of Economy can monitor, but not control, subnational borrowers.

Desde os anos 50 do século XX, a Argentina tem mantido relações com instituições internacionais de financiamento (IFIs na sigla em inglês), tais como o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No entanto, os empréstimos diretos às províncias são mais recentes, a partir de meados dos anos 1990, como parte de uma nova estratégia de fomento ao desenvolvimento de tais organismos no sentido de descentralizar suas operações de crédito para entes subnacionais.

Ao longo do tempo, a concessão de crédito externo às províncias se deu sob duas modalidades: i) os créditos diretos, nos quais as províncias são os mutuários da operação e acertam com o organismo internacional os conteúdos e condições contratuais, tendo o Governo Federal apenas como avalista ou garantidor; e ii) os créditos indiretos, em que o Governo Federal contrata a operação e repassa os recursos às províncias para executar o projeto, sem autonomia, porém, para fixar ou mudar prioridades.

Dentre as províncias argentinas, as mais ativas na captação de recursos externos são as de Buenos Aires, Córdoba, Santa Fe e Mendoza, que são as mais ricas da federação. Mas mesmo as menos desenvolvidas (como Formosa, Chaco, Jujuy e Rio Negro) também recorreram intensamente ao crédito externo. Em dezembro de 2001, o estoque de dívida externa das províncias ascendia a 10% da dívida total ou cerca de US$ 3 bilhões (quando a paridade era de um peso igual a um dólar). O processo de captação foi interrompido com a crise econômica e o calote (default) da dívida externa argentina de 2001-2002, ocasião em que muitas operações de crédito provincial foram reformuladas para atender ao plano de emergência nacional.

Conforme afirma Zabala (2004), a crise econômica e fiscal e a consequente desvalorização cambial deixaram os governos provinciais em situação difícil em função do forte aumento no serviço da dívida externa. Foi então necessário um acordo entre o Governo Federal (fevereiro de 2002) e as províncias para atenuar o problema mediante a concessão de ajuda para estas poderem voltar a pagar os encargos das operações de crédito externo. Nesse contexto, 17 províncias (do total de 24) tiveram de fazer forte ajuste fiscal e privatizar seus bancos.

As condições ou exigências para as províncias argentinas poderem ter acesso ao crédito externo foram alteradas ao longo do tempo, tal como ocorreu em outros países de estrutura federativa. A crise de 2001-2002 foi o divisor de águas após o que se recalibrou a autoridade das províncias em relação ao Governo Federal argentino, não apenas no tocante às receitas e gastos públicos, mas também na contratação de créditos junto a organismos internacionais. Com a edição do Programa de Conversión de Deuda Provincial (Decreto no 1.387/2001) e Programa de Financiamiento Ordenado (PFO), este sancionado em novembro de 2002, o Governo Federal conseguiu impor de vez como pré-requisito à contratação de operações de crédito externo a autorização do Ministério da Economia, o que, na prática, significou a limitação das províncias em captar livremente recursos externos.

Em 2004, num contexto macroeconômico peculiar caracterizado por um forte crescimento do PIB (8,3%) e alta arrecadação tributária, foi sancionada a Ley de Responsabilidad Fiscal (LRF), a qual estabelece regras para orçamentos e o endividamento do setor público. As províncias foram convidadas a aderir à nova legislação, tendo para tal que receber a aprovação pelas respectivas assembleias legislativas. Com a LRF, o processo de autorização para a contratação de empréstimos externos pelas províncias passa pela atuação de dois órgãos do Ministério da Economia: i) Subsecretaria de Relações com as Províncias (SRP), a quem cabe analisar a viabilidade dos projetos candidatos a financiamento externo e a capacidade de endividamento de cada província, e ii) A Direção Nacional de Projetos com Organismos Internacionais de Crédito (DNPOI), que supervisiona a execução dos projetos de empréstimo e realiza o monitoramento e avaliação de resultados. O arranjo legal e institucional posto em prática permitiu ao Governo Federal disciplinar melhor o endividamento externo das províncias. No entanto, conforme destacado por Iglesias (2008, p. 167), “en la prática, esto favoreció a que solo unas pocas provincias pudieran acceder a préstamos directos”.

Como resultado das mudanças institucionais e da evolução da conjuntura econômica na Argentina, as províncias retomaram a sua capacidade de captar recursos financeiros no exterior, ainda que de forma mais concentrada em poucas províncias, mas em montantes maiores do que no passado. Apenas para dar uma ideia dos valores captados, o já referido estudo de Iglesias (2008) registra, de 1997 a 2007, seis operações de crédito com o BID em um montante acumulado de US$ 1,386 bilhão, dos quais 70% foram captados apenas pelas províncias de Buenos Aires e Córdoba. Com relação ao Banco Mundial (BIRD), os financiamentos concedidos a três províncias, entre 2000 e 2007, atingiram US$ 688,89 milhões, dos quais só a província de Buenos Aires concentrou 64% do total.

Por último, a experiência de paradiplomacia financeira argentina revela não só a preferência das províncias em contratar diretamente os créditos externos ao invés de receber aportes de recursos externos via governo federal, uma vez que a interlocução direta com os órgãos de financiamento internacional e a condição de mutuários diretos (apenas com a garantia da República) lhes permite maior autonomia e flexibilidade no uso dos recursos externos em maior sintonia com as prioridades e interesses locais. No entanto, o caso argentino também revela a enorme assimetria de capacidades institucionais e fiscais entre os governos subnacionais, o que limita o pleno acesso das províncias mais pobres e menores ao crédito internacional.

4.2. O Caso do Brasil

Após 20 anos de centralismo fiscal e político pelo regime autoritário no Brasil, o poder federal voltou ao controle civil em 1985. As mudanças no âmbito das finanças estaduais constituíram uma das faces do processo de redemocratização e de revisão do pacto político no País. A determinação federal de intervir na liberdade fiscal dos Estados perdeu força e os estados ganharam ânimo para questionar a presença da União, bem como lutar por melhor partilha nas receitas tributárias.

A volta à normalidade democrática, reafirmando velhos traços da tradição política brasileira, implicou fortalecimento dos governadores e do poder regional com reflexos na distribuição institucional da renda e no poder de gasto e de taxação dos governos subnacionais. Assim, os estados recuperaram prerrogativas perdidas no período anterior e passaram a dispor de melhores condições de defesa de seus interesses no jogo político nacional.

No entanto, a crise econômica (com a implosão do Plano Cruzado no final de 1986, a inflação fora de controle e baixo crescimento) e o quadro de debilidade nas finanças públicas em geral, limitaram as implicações do novo arranjo político. Embora fortalecidos politicamente e tendo conseguido aumentar sua participação na distribuição das receitas de impostos na Assembleia Constituinte de 1987-1988, os estados continuaram reféns da armadilha financeira imposta pelo forte e descontrolado endividamento do passado. Conforme bem assinala Lopreato:

A crise estadual e a indefinição do quadro das relações intergovernamentais exacerbaram a dimensão política da negociação de verbas, com as liberações de recursos e créditos oficiais passando a compor um verdadeiro balcão de negócios. Assim, a frágil situação dos estados influenciou os arranjos políticos e abriu espaços a toda sorte de pressões, debilitando o poder de barganha das várias unidades [da Federação] e colocando em mãos da União um poder de arbitragem econômica acima do que poderia se prever com o fim do regime militar e a perda de suas prerrogativas no campo político. (2002, p. 175)

Os processos de consolidação e refinanciamento da dívida pública dos estados brasileiros se sucederam do final dos anos 80 ao final dos anos 90. O primeiro episódio de refinanciamento, em 1989, ao amparo da Lei Federal n° 7.976/89, teve por objetivo principal o equacionamento de problemas originalmente causados pelo elevado endividamento externo observado na década de 70 cujos saldos haviam sido federalizados. O segundo, em 1993, promovido pela Lei Federal n° 8.727/93, procurou viabilizar o pagamento de dívidas contratuais junto a bancos oficiais federais, reforçando as garantias tradicionais com as receitas próprias dos governos subnacionais.

Os desequilíbrios nas finanças estaduais seriam exacerbados após a implementação do Plano Real (em junho de 1994), exigindo a adoção de medidas para fazer frente às precárias condições fiscais e financeiras então observadas. O Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados (PAF), instituído pelo Governo Federal em 1995, logrou estabelecer novos marcos institucionais para a gestão orçamentária, cujos pilares se assentaram na ideia-força de assegurar a solvência intertemporal das contas públicas.

No entanto, após superada a fase de crise e ajuste, e diante da geração continuada de superávits primários pelos governos estaduais desde 1997, a maioria deles acabou recuperando, no início da década 2001-2010, a capacidade de endividamento, voltando a captar volumes expressivos e crescentes de recursos externos junto aos organismos multilaterais. Assim, no caso específico do Brasil, com a democracia, um sistema federativo descentralizado e o estabelecimento de um padrão adequado de gestão pública, os governos estaduais, ao terem acesso a financiamento externo, passam a assumir um papel importante no plano subnacional, podendo reforçar e dar maior abrangência e profundidade às ações no campo fiscal e nas relações financeiras internacionais do País 7 .

No Brasil, os governos subnacionais ora têm autonomia para a captação de recursos externos. Todavia, o processo tornou-se estritamente regulamentado pelo governo federal, a partir de finais da década de 1980, quando passou a exigir o cumprimento de um extenso check-list de formalidades. Tal processo exclui na prática a possibilidade de o ente subnacional tomar empréstimos externos sem obter a autorização do Senado Federal e a garantia (aval) da República, condição indispensável para a celebração de contrato de empréstimo (loan agreement) com os organismos internacionais ou bilaterais de cooperação financeira.

Conforme sintetizado por Bessa Maia (2012), tal como dispõem as normas em vigor, a preparação do projeto passível de financiamento externo somente tem início após a aprovação da respectiva carta-consulta pela Comissão Interministerial de Financiamentos Externos (Cofiex). De acordo com o ciclo específico de cada Agente Financiador, este realiza missões técnicas junto ao ente subnacional candidato a mutuário com vistas a detalhar a proposta. Concluída essa etapa, o Agente Financiador elabora as minutas contratuais e as encaminha ao Ministério do Planejamento que, na qualidade de órgão coordenador da negociação, as distribui à Secretaria do Tesouro Nacional (STN/MF), Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN/MF), ao proponente mutuário e ao órgão executor 8 .

Consolida-se então a posição que subsidia a delegação brasileira nas negociações com o agente financiador. Somente depois de cumpridas todas as formalidades exigidas, inclusive a autorização do Senado Federal, o ministro da Fazenda assina o despacho de aval da União. O contrato de crédito externo pode então ser firmado pelas partes diretamente envolvidas. Na assinatura do contrato de empréstimo ou de garantia, o Ministro da Fazenda ou, por delegação, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN/MF) ou o embaixador brasileiro no exterior, representa a União, na qualidade de garantidora da operação 9 .

No entanto, à parte do processo de autorização de aval para o pleito de empréstimo externo, costuma haver negociação prévia entre o estado candidato a mutuário e o agente financiador. Na prática, esse relacionamento se dá sem envolvimento da parte federal, a qual so-mente entra no momento de viabilizar os trâmites para a contratação da operação. A formatação do projeto e a definição de seu escopo, prioridades, ações, custos recursos externos e contrapartida local são realizadas exclusivamente pela interlocução das equipes do estado e do agente financiador. Em outras palavras, há uma articulação direta entre o ente subnacional e o organismo internacional, fato que formalmente só poderia ocorrer, por suposto, na fase após a aprovação do pleito pela Cofiex.

Essa articulação entre o mutuário subnacional e o agente financiador constitui um componente da paradiplomacia financeira, uma vez que revela a genuína capacidade de iniciativa do governo estadual e de sua interlocução com um organismo internacional ou agência de cooperação financeira estrangeira. A qualidade e intensidade dessa interlocução tende a se aprofundar à medida que o Estado acumula vários projetos financiados com aquele agente financiador em questão e caso tenha se notabilizado por um bom desempenho na execução física e financeira de projetos, aferido pelos níveis de desembolsos e sistemas de monitoramento e avaliação de resultados.

A relação próxima entre as instâncias subnacional e internacional, de certa forma ao largo da supervisão do governo central, mereceria uma análise mais detida em futuras pesquisas, uma vez que tal relacionamento institucional entre atores tão distintos do sistema internacional (governos subnacionais e organismos internacionais) acaba tendo implicações nada desprezíveis sobre o desenvolvimento local dos entes subnacionais e a relação mais ampla do país com os organismos internacionais.

No período 1980-2009, o setor público estadual brasileiro (administração direta e empresas públicas) contratou no exterior 204 operações de crédito, totalizando a cifra de US$ 20,97 bilhões a preços históricos. Desse valor total, mais da metade (51%), ou US$ 10,7 bilhões, proveio do Banco Mundial (99 operações), ao passo que o BID respondeu por 34,9% ou US$ 7,32 bilhões (71 operações). Isso implicou que os dois organismos multilaterais aportaram em conjunto 85,9% do total captado pelos estados brasileiros durante as três últimas décadas. Confirma-se, assim, o elevado peso desses dois organismos na oferta de recursos externos para os estados brasileiros, praticamente repetindo a sua participação relativa como fonte de financiamento externo para todo o setor público nacional.

Segundo dados mais recentes, o número de as operações de crédito de governos estaduais brasileiros, tanto em preparação, negociação e /ou em execução, ascendiam a 306 projetos no final de 2014, totalizando empréstimos de US$ 40,03 bilhões, os quais correspondem a 58,51% do valor total dos projetos de investimento desses entes contemplados por financiamentos externos, sendo o restante cobertos por contrapartidas locais 10 .

4.3. O caso da Índia

O segundo país mais populoso e o sétimo maior em superfície domundo, a Índia é uma democracia formada pela união de 28 estados e sete territórios administrados pela União. A sua Constituição data de 1950 e assume crescentemente características de uma forma de governo federativo. Até 1993, seus governos locais (municipais) não eram sequer citados pela Carta Magna, cabendo aos estados definiremas competências de seus municípios. Os estados da Índia têm um forte papel na elaboração e na implementação de políticas e desenvolvimento econômico. Nos termos da Constituição indiana, os governos têm várias competências em setores como a agricultura, indústria, infraestrutura, saúde, educação e assistência social. Os governos estaduais são, portanto, responsáveis por gastos em áreas críticas para fomentar o crescimento e promover a redução da pobreza.

Os estados têm autonomia político-administrativa, com governos em estilo parlamentar e órgãos legislativos e judiciários próprios. Apesar da concentração de poderes no governo central, as relações federativas têm evoluído e passado por fases diversas de cooperação e competição entre o governo central e os governos estaduais. O período até os anos 60 caracterizou-se por extrema centralização. No entanto, após a morte do líder Jawaharlal Nehru (1964), a ascensão de partidos políticos locais distintos do partido no poder em nível nacional levou, nos anos 70 e 80, a demandas de descentralização rumo aos estados.

As emendas 73 e 74 à Constituição de 1992 e a criação do “Conselho Interestatal” finalmente trouxeram uma onda de descentralização de poder e recursos, fortalecendo os estados como atores importantes na federação e na democracia indianas.

A Constituição indiana atribui à União a competência exclusiva sobre assuntos de relações exteriores e defesa nacional. No entanto, mesmo sem competências constitucionais nessas matérias, os estados indianos começaram a se movimentar, desde o início dos anos 1990, no sentido de exercitar iniciativas paradiplomáticas. Quatro fatores favoreceram esse movimento:

No que toca à paradiplomacia financeira, a Constituição indiana veda aos estados a captação de recursos privados no exterior e exige autorização do Governo da União caso o estado já tenha dívida com o governo central, o qual até bem pouco tempo era praticamente a principal fonte de financiamento aos governos estaduais. Ademais, os bancos comerciais de capital nacional eram obrigados a manter em suas carteiras títulos estaduais em um determinado montante. Operacionalmente, o Banco Central (RBI) gerencia a dívida dos estados e dos governos locais. Segundo Hemming, Mates e Potter (1997, p. 534), o estoque das dívidas estaduais atingiu a marca de 20% do PIB no ano fiscal 1992/93, dos quais 2/3 eram devidos ao governo central. No ano fiscal 2010/11, essa relação aumentou para 26,7% do PIB 11 .

De todo modo, como reflexo da modernização do sistema financeiro indiano, segundo Singh (2007, p. 21), os empréstimos estaduais começam a migrar de operações concedidas pelo Governo Central para contratações de recursos junto a bancos comerciais no mercado interno, cuja parcela no estoque das dívidas estaduais teria chegado a 20% do total nacional no ano fiscal 2005-2006, sendo a maioria das operações de crédito realizadas via colocações privadas (private placements) e a taxas de juros controladas, mas com alguns estados já captando recursos por meio de leilões de bônus a taxas de mercado.

Os empréstimos do governo central aos estados também incluem recursos externos de organismos multilaterais ou agências bilaterais, que são vinculados a programas específicos de interesse do governo central. No entanto após as reformas de 1991 e 1993, os estados passaram a ter maior liberdade de negociar diretamente com os organismos multilaterais, como o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Asiático de Desenvolvimento (ABD), cabendo ao governo central os papéis de intermediário e de avalista da operação de crédito. Neste aspecto, Jenkins (2003, p. 11) afirma que

The actor that has most caught the eye of commentators alert to issues of subnational diplomacy is the World Bank. Negotiations and agreements between state governments and the World Bank do, of course, represent a form of “diplomacy”, and the extent of such external linkages has been on the increase in recent years. The funds raised through these sources provide opportunities for state governments to pursue a wide range of activities – restructuring their electricity regulatory systems, building community-based organizations, improving health services and so forth. These activities represent the modified form of shared sovereignty, one which states increase their capacity to influence their own developmental performance.

No final da década de 1990, o governo central da Índia começou a levar mais a sério as reformas no setor público estadual, em particular no campo fiscal. No entanto, a frágil coalizão que governou o país no período 1996-1999 limitou a capacidade do centro para influenciar a política estadual. Diante disso, o governo central estimulou o BIRD a participar do diálogo sobre políticas em nível estadual. Em 2000, a Comissão de Finanças da Índia, que tinha a tarefa de formular as regras de repartição das receitas do governo central aos governos estaduais para o quinquênio 2000-2005, recebeu a incumbência do governo de formular um programa de reforma fiscal para os entes subnacionais. O resultado foi a criação de uma linha de crédito para reforma fiscal estadual de US$ 2,2 bilhões, com aportes do BIRD, que foi disponibilizada aos estados mais comprometidos com o ajuste fiscal.

A iniciativa do BIRD, na década de 1990, para promover reformas nos estados, principalmente via empréstimos subnacionais baseadas em políticas (S-PBL), começou, em 1995, com a Estratégia de Assistência ao País (CAS na sigla em inglês) para a Índia 12 . Ao contrário dos dois CAS anteriores (1992 e 1994), que se concentravam no apoio às reformas do governo central, este CAS de 1995 deu prioridade às reformas setorial e fiscal em nível estadual. O Banco se propôs a realizar mais análises fiscais e setoriais no âmbito dos estados e dar maior atenção à sustentabilidade financeira dos empréstimos do Banco (a maior parte dos quais se destinaria aos estados). No entanto, a mudança radical veio com o CAS de 1997 que definiu uma agenda de reforma específica para os estados indianos. Conforme expresso pelo BIRD (CAS, 1997, p. 9).

As the focus of the reforms has shifted to the states over the past few years, the Bank Group’s assistance strategy is itself being reoriented to focus mainly on those states that have chosen to embark on a comprehensive program of economic reforms.

A partir de então, os programas do Banco com foco em reformas nos estados seria baseada não apenas em setores que o Banco poderia apoiar, mas no “marco geral de políticas” dos estados. Conforme Howes, Mishra e Ravishankar (2007, p. 6), o BIRD propôs então reduzir sua carteira de empréstimos ao governo central de 61% para 27% e remanejar os recursos para os estados. A mudança para os estados fazia sentido e a focalização de esforços do Banco em poucos ao invés de muitos estados se justificava plenamente (Howes, Mishra e Ravishankar, 2007 13 ).

Diferentemente do que ocorre em outros países (a exemplo do Brasil e Argentina), os empréstimos de organismos multilaterais para osestados da Índia são desembolsados pelo Banco ao governo central, que, por seu turno, converte o valor em moeda local e o repassa ao estado em questão. Os empréstimos de ajuste estrutural são em geral uma combinação de 50-50% ou 67-33% de empréstimos do BIRD e créditos concessionais da Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), de modo que uma parte do crédito (BIRD) é repassadaao governo da Índia como um empréstimo comercial, ao passo que a outra parte (AID), é um empréstimo a juros nulos. Até 2005, este montante foi transferido do governo central aos estados como 70% de empréstimo e 30% de subsídio. Seguindo as recomendações da 12ª Comissão de Finanças (desde 1950), os termos do reempréstimo (on-lending) foram alterados, de modo a transferir aos estados mutuários o risco cambial.

De 1998 a 2007, os estados indianos contrataram nove operações de crédito com o BIRD, totalizando US$ 2,3 bilhões, a maioria dos quais na modalidade de ajuste estrutural. Os estados que mais captaram foram Andhra Pradesh, Uttar Pradesh, Karnataka, Tamil Nadu e Orissa (Howes, Mishra & Ravishankar, 2007, p. 6). A este respeito, os mesmos autores resumem a experiência indiana afirmando (2007, p. 1).

The story of policy-based lending by the World Bank to the states of India over the last decade – the context that led to its creation, its impact on the ground and lessons learnt from its operation – is a fascinating story, with successes, failures, and several near-misses and mid-course corrections. It is one of the largest at the subnational level. It is revealing in what it teaches about the political economy of reform at the state-level in India and equally instructive in the context of the ongoing debate over the effectiveness of policy-based lending.

Embora, o governo central tenha buscado tratar das deficiências do sistema de normas que disciplinam o endividamento subnacional e o repasse de recursos entre os entes federativos por meio de vinculação entre empréstimos e subsídios, maior descentralização gerencial, adoção de leis de responsabilidade fiscal nos estados, entre outras medidas, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar um modelo de paradiplomacia financeira com maior autonomia para os estados. Uma reforma no sentido de maior exposição à disciplina de mercado e sem possibilidade de resgates (bail-outs) aos estados continua a ser um grande desafio à federação indiana. (Ortiz et al, 2005, p. 38 14 ).

4.4. O caso do México

O México é uma república federativa composta de três níveis de governo: o federal, 31 estados e o distrito federal e 2.477 municípios. Como outros países da América Latina, o País se caracteriza por fortes disparidades regionais: enquanto o distrito federal e os estados de México e Nuevo León respondem juntos por 40% do PIB mexicano, Chiapas, Guerrero, Hidalgo e Oaxaca perfazem apenas 6,8% do PIB, sendo os estados do Sul os mais pobres (Fausto e Smith-Ramírez, 2009, p. 5).

O México tem sido tradicionalmente uma federação altamente centralizada em que os estados e os governos locais têm limitada autonomia fiscal. O governo federal recolhe os principais impostos (de renda das empresas e pessoas físicas, sobre valor agregado e impostos especiais sobre consumo) que constituem 95% da receita tributária do setor público total. Dessa arrecadação, 20% são redistribuídos automaticamente entre os estados e municípios. Recentemente, o governo federal tem buscado descentralizar o sistema, porém mais do lado das despesas, pouco compartilhando de suas receitas. Além disso, o processo foi anárquico e respondeu mais às pressões políticas do que aos fins de eficiência (Hernández, 1998).

O endividamento subnacional no México é regulado pela Constituição federal (artigo no 117), que proíbe aos estados de se endividarem no exterior e/ou em moeda estrangeira e exclusivamente para investimentos produtivos (regra de ouro). Os detalhes para garantir créditos aos estados estão contidos na Ley Nacional de Coordenación Fiscal (de 1980), a qual estipula que essas entidades podem tomar empréstimos junto a bancos comerciais e/ou de desenvolvimento nacionais e emitir bônus para financiar projetos de investimento sujeitos à prévia autorização da assembléia legislativa estadual.

Essa limitação constitucional compromete bastante o exercício da paradiplomacia financeira no México, uma vez que mesmo as operações de crédito externo junto a organismos multilaterais (como o BIRD e BID) são contratadas pelo Banco Nacional de Obras y Servicios Públicos (Banobras) com garantia do governo federal, sendo que os recursos externos são convertidos em moeda local e repassados por reempréstimo (subsidiary loans) aos estados. A despeito da proibição, alguns estados mexicanos muito ativos em termos de paradiplomacia têm conseguido captar recursos externos para programas de desenvolvimento local, a exemplo do Estado de Chiapas, o qual logrou receber mediante convênios 31,8 milhões de euros doados por governos e organismos internacionais, entre os quais a União Europeia (Gelfenstein, 2004, p. 14).

Antes da chamada Crise Tequila (de 1994-95), quando um único partido político (o Partido Republicano Institucional-PRI) dominava o País, o endividamento subnacional era praticamente decidido de forma unilateral pelo governo federal que detinha controle direto sobre os governos estaduais (Díaz Cayeros; McLure, 2000). Mais tarde, como consequência da rápida democratização do México, esse controle acabou. A nova situação permitiu aos estados tirar proveito das preocupações do governo federal, tanto para com o sistema bancário (quase falido, como resultado da Crise Tequila), quanto da capacidade dos estados em prestar serviços públicos (Hernández, 1998).

No início dos anos 90 do século XX, o governo federal mexicano envolveu-se inadvertidamente no processo de endividamento estadual por meio de transferências negociadas (usadas como colaterais de empréstimos) e garantias implícitas de dívidas. Isso levou ao endividamento excessivo e ao desleixo dos bancos credores quanto a real capacidade dos mutuários, em um caso típico de risco moral. Os estados mais endividados (Distrito Federal, México e Nuevo León) respondiam por 65% do estoque total das dívidas estaduais. A mencionada Crise Tequila expôs essa deficiência estrutural e foi necessário ao Tesouro Nacional mexicano assumir um oneroso resgate (bailout) dos estados inadimplentes (Hochman e Valadez, 2004 15 ).

Com vistas a evitar a recorrência de indisciplina fiscal e retirar-se da obrigatoriedade de prover empréstimos aos governos estaduais, o governo mexicano instituiu, em 2000, reformas que induziram os governos subnacionais a obter avaliações de risco de crédito (rating) aceitáveis internacionalmente, ou seja, impôs um novo marco regulatório que exige um mecanismo baseado no mercado para controlar o endividamento dos entes subnacionais. Assim, os governos estaduais e os credores foram induzidos a tomar as medidas necessárias na caução (colateralization) de dívidas por meio das transferências federais, assumindo todos os riscos legais envolvidos. Com isso foi estabelecido o vínculo entre o risco dos empréstimos bancários para governos subnacionais e a nota de risco de crédito do governo estadual (Trillo & Ramírez, 2009, p. 7).

Essa reforma estimulou não só surgimento de uma cultura de análise de risco entre credores e devedores no setor público subnacional mexicano como também de um segmento de bônus estaduais no mercado de capitais nacional. Conforme Hochman e Valadez (2004, p. 300), os estados mexicanos de fato descobriram que podem financiar grandes projetos a custos mais baixos via mercado de bônus do que por meio de financiamento bancário. Para estimular o endividamento sustentável, o governo mexicano, por intermédio do Ministério de Finanças, criou uma estrutura de fundo de fideicomisso (trust fund) para as emissões de bônus subnacionais, uma estrutura profissionalizada que passou a ser vista de forma favorável por agências de rating e que contribuiu para reforçar as notas de risco de crédito dos emissores em várias operações.

Apesar dessa inovação, no entanto, a concessão de financiamentos externos a governos subnacionais mexicanos continuou a ser problemática devido às disposições constitucionais que vedam a contratação de empréstimos em moeda estrangeira e de instituições financeiras internacionais e também ao spread cobrado sobre o custo de recursos do BIRD pelo intermediário financeiro local (no caso o bancodesenvolvimento estatal Banobras) para os estados, o que resultava em um custo global não competitivo. Além disso, os intermediários financeiros que se protegiam da exposição cambial através do citado fundo de fideicomisso, concentravam todo o risco cambial relativo a empréstimos em moeda estrangeira repassados aos governos subnacionais nas mãos do governo federal. Isso contribuía para uma estrutura de preços pouco atrativa para empréstimos do BIRD aos governos estaduais no México e uma alocação ineficiente de exposição cambial para o governo federal.

Com o objetivo de criar um mecanismo para fornecer de forma eficiente financiamento em moeda local a governos subnacionais mexicanos a um custo competitivo e, ao mesmo tempo, reduzir os riscos de taxa de juro e de variação cambial para o Banobras e o fiador (o Governo do México), o BIRD colocou em prática uma forma eficiente de fornecer financiamento em moeda nacional para os mutuários subnacionais usando o desenvolvido mercado de swap de câmbio mexicano. Desse modo, a transação passou a eliminar completamente o risco cambial para o governo subnacional, o banco de desenvolvimento nacional e o governo federal 16 .

Por último, a manutenção da vedação constitucional aos estados mexicanos de captarem recursos no exterior se justificou numa época de descontrole do endividamento subnacional. Porém, à medida que as condições institucionais e de mercado evoluem e a descentralização fiscal avança no País, a proibição deve ser revista, uma vez que já existem boas oportunidades de financiamento internacional, tanto de fontes oficiais multilaterais quanto privadas, para a infraestrutura física e social dos estados mexicanos. A adoção de um sistema de controle de endividamento subnacional baseado numa abordagem de cooperação entre os diferentes níveis de governo, nos termos de Ter-Minassian (1997, p. 18), tornaria os argumentos contrários menos contundentes e criaria condições para o desenvolvimento de uma verdadeira paradiplomacia financeira na federação mexicana 17 .

4.5. O caso da Rússia

A federação russa, com 17,075 milhões de km2 é o maior país do mundo e se compõe de 89 entes federados, distribuídos entre o governo federal e repúblicas autônomas, estados (oblasts), territórios (krais), distritos autônomos (okrugs) e cidades autônomas (Moscou e São Petersburgo). Tais unidades subnacionais formam o segundo nível de governo (regiões) e variam consideravelmente em termos de autonomia, composição étnica, porte econômico e características geográficas. O terceiro nível é formado por 12.260 governos locais, dos quais 1.117 correspondem a municípios e os demais a distritos urbanos e rurais.

Embora o sistema administrativo herdado da antiga União Soviética (URSS) seja formalmente federativo, as relações formais entre os diversos níveis de governo ainda mantêm traços de um regime altamente centralizado. O ensaio de federalismo fiscal implantado desde 1992 foi mais de forma do que de conteúdo, de modo que os arranjos de transferências intergovernamentais ainda permanecem pouco transparentes e sujeitos à negociação política. (Alam, Titov & Petersen, 2004).

Com o fim do comunismo e a queda do regime soviético em 1991, houve um período conturbado na federação russa, em especial no governo Boris Yeltsin (1991-1999), o que levou a súbita descentralização política e ao concomitante fortalecimento dos governos regionais. O surto de iniciativas paradiplomáticas foi tão intenso a ponto de muitos analistas acreditarem na inviabilidade do novo estado russo e no esfacelamento da federação. Por esta razão, a academia russa exibiu no período 1993-1999, uma fase de intensa pesquisa e produção sobre o fenômeno da paradiplomacia. No entanto, desde então se verificou uma guinada nesta tendência centrífuga no federalismo russo.

De fato, embora o interesse geral de acadêmicos e analistas no País para com questões de federalismo tenha se mantido desde então, o foco da pesquisa sobre a dimensão regional do desenvolvimento russo, depois da forte atenção recebida na década de 1990, enfraqueceu nos anos 2000. A razão subjacente a esta mudança tem a ver com fortes mudanças políticas no governo central da Rússia, a partir no início da década de 2000, uma vez que desde então o nível de governo regional perdeu a influência que adquirira logo após o colapso da URSS (Kourliandskaia, Nikolayenko e Golovanova, 2003).

De fato, fica patente que as reformas políticas voltadas à recentralização e à consolidação do poder em poucas mãos lançada pelo presidente Vladimir Putin, no início da década de 2000, tolheram a autonomia política e econômica das unidades federadas e, portanto, tiveram impacto direto sobre as atividades de internacionalização das diversas regiões do País. Assim, ao sufocar a iniciativa paradiplomática das regiões russas, o fortalecimento do poder central levou a uma súbita perda de interesse no assunto pelos pesquisadores, sendo visto desde então como fenômeno de menos importância no contexto da Rússia de Putin (1999-2008) (Bahry, 2005).

A reviravolta no federalismo russo foi tão drástica que a reforma do sistema político, operada pelo então presidente, levou à extinção pura e simples de mandatos eletivos nos 89 governos regionais e sua substituição por dirigentes nomeados pelo governo federal, subsistindo apenas o poder legislativo independente em nível regional. Com isso, os principais determinantes internos da explosão de paradiplomacia na Rússia nos anos 90, tais como o nacionalismo, os impasses na construção da nação e a federalização desordenada, deixaram de atuar depois de 2000, a partir da reconcentração do poder político em Moscou. Desde então, os fatores internacionais e tecnológicos (globalização econômica) ainda impulsionam os governos subnacionais ao exterior, mas sua capacidade de iniciativa enfrenta amiúde reações contrárias das autoridades centrais, o que tem dificultado, na prática, o avanço da paradiplomacia nas regiões russas.

No que toca à paradiplomacia financeira, o processo de descentralização que se seguiu ao colapso do estado soviético e que ocorreu pari passu à desorganização institucional do novo estado federativo russo estimulou os governos regionais a captar recursos nos mercados interno e externo via emissão de bônus, sem praticamente qualquer regulação do poder central, o qual, aliás, concedeu isenção de imposto de renda sobre os juros dos bônus subnacionais como forma de torná-los mais atrativos. Seguiu-se, pois, um verdadeiro “festival” de endividamento dos governos regionais russos. A esse respeito Alam; Titov; Petersen (2004, p. 576) afirmam

[Russian] regional governments started issuing bonds in 1992 (despite high inflation), and by 1997 most were using borrowed resources. Several types of bonds quickly emerged, including bonds much like the federal government´s treasury bills, housing bonds and arbitrage bonds. Much of the borrowing of the era, all of which was short term, was undertaken to cover operating deficits or invest in higher-yielding assets. Little of the borrowing was done to finance capital projects.

Desde o início ficaram claras as diferenças de solidez fiscal dos governos regionais russos e logo os mais fortes, como os de Moscou e São Petersburgo, municípios autônomos com status de estados (oblasts) começaram a captar nos mercados internacinais de capitais. Inúmeros governos regionais (Tatarstão, Yamal-Nenets, Novograd etc) e municípios (Samara, Sverdlovsk etc) passaram a vender um volume crescente de bônus através de bolsas de valores que surgiam em toda parte. O Ministério das Finanças russo registrou 43 emissões de bônus pelas entidades subnacionais entre 1992 e 1995. Somente em 1997, o número foi de 307 emissões, sendo três grandes nos mercados europeus de eurobônus, totalizando mais de US$ 3 bilhões. A maioria de tais bônus vencia em menos de um ano e pagava juro altíssimo, um reflexo de seu elevado risco (Alam, Titov & Petersen, 2004 18 ).

Sobre as emissões subnacionais russas nos mercados internacionais de capitais, o governo federal buscou normatizar de alguma forma (através da lei sobre mercado de títulos de 1996), no entanto, cabe mencionar que, no biênio 1997-98, vários decretos do presidente Boris Yeltsen autorizaram 12 governos regionais a emitir bônus nos mercados europeus. Mesmo com a imposição de limites ao endividamento, a legislação permitia o refinanciamento de dívidas externas, o que autorizava os mutuários com dívidas em moeda estrangeira a continuar endividando-se para pagar o serviço das dívidas (Martínez-Vázquez, Timofeev & Boex, 2006).

A combinação desastrosa de uma política monetária apertada, política fiscal frouxa, regime de câmbio fixo, excessivo endividamento público e o contágio da Crise Asiática levaram à crise macroeconômica e financeira da Rússia em agosto de 1998. O governo federal decretou então default sobre sua dívida mobiliária interna e teve de abandonar o câmbio fixo, o que gerou forte desvalorização da moeda nacional e uma crise bancária. Isso, por sua vez, levou ao estouro da inflação (para mais de 80% ao ano) e queda no PIB de 4,9% ao ano. Os impactos da crise sobre os governos regionais e locais foram imensos, levando ao colapso nas receitas próprias e transferências federais e ao default quase generalizado dos emissores de bônus.

Após o calote dos entes regionais e locais, o governo federal russo editou o Budget Code (em vigor desde janeiro de 2000), que proibiu desde então a emissão de dívida externa pelos entes subnacionais exceto em circunstâncias especiais, limitada ao serviço de dívida de 15% das despesas correntes e somente para financiar investimentos (regra de ouro). A nova legislação também proibiu o governo federal de garantir bônus emitidos pelos entes subnacionais e extinguiu os bancos de propriedade de estados e municípios.

Com tais medidas disciplinadoras, o governo russo lançou as bases para uma recentralização de poderes efetuada no governo Vladimir Putin, o que limitou desde então a paradiplomacia financeira no País, restrita a alguns governos regionais de maior credibilidade e base fiscal, como Moscou e São Petersburgo, que ainda emitem bônus em moeda estrangeira, assim como à captação de empréstimos externos concedidos por organismos internacionais como o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) e o Banco Mundial 19 .

Em suma, os limites ora impostos pelo governo federal russo restringem os déficits e os estoques das dívidas dos governos subnacionais, além da forma e finalidade do endividamento nos níveis regional e local. Com isso, a Federação Russa evoluiu de uma postura permissiva sobre a dívida de seus entes federados, que se baseava em um precário modelo de disciplina de mercado, conforme as categorias de controle de endividamento de Ter-Minassian (1997, p. 18), para a modalidade de controle baseado em regras. Tais controles assumem a forma de aprovação do governo federal sobre as emissões de dívidas dos governos subnacionais, de vinculação dos recursos captados para investimentos e de uma tentativa de induzir a sustentabilidade da dívida pela associação do endividamento à capacidade de arrecadação e a limites de serviço da dívida nos orçamentos dos governos regionais e locais.

5. O Quadro Comparativo

A análise dos países emergentes pesquisados revela uma nítida diferenciação da paradiplomacia financeira entre eles. No primeiro grupo (Argentina e Rússia) prevalece um misto de cooperação federativa e disciplina de mercado como mecanismos de controle do endividamento subnacional e a consequente existência de captação direta (via emissão de bônus) em mercados privados de capitais internacionalizados. No segundo grupo de países (Índia e México), observa-se claramente a prevalência dos controles baseados em regras ou em controles administrativos, mas com o repasse dos recursos captados junto entidades bilaterais e multilaterais feito via intermediação do governo federal, e proibição expressa de acesso direto a outras fontes internacionais de financiamento (Ter-Minassian et al, 1997 20 ).

O Brasil, por sua vez, situa-se numa situação distinta, uma vez que o processo de captação de recursos pelos entres subnacionais é regido tanto por controles administrativos quanto por controles baseados em regras, mas, ao mesmo tempo, que permite aos governos estaduais e municipais negociar livremente créditos a projetos junto a organismos bilaterais e multilaterais, facultando a efetivação das operações em função de aprovação de aval pelo governo federal e a concessão de contragarantias pelos entes subnacionais. No entanto, permanece a vedação à captação direta de recursos via emissão de títulos “subsoberanos” nos mercados externos.

Nos países da amostra verificam-se peculiaridades quanto à operacionalização da captação de recursos externos pelos entes subnacionais. Mesmo na Rússia, um país com certa abertura financeira ao resto do mundo, além da disciplina de mercado, coexistem os demais tipos de controle de endividamento, fato que pode ser atribuído à cultura financeira centralizadora do período soviético e à evolução histórica do federalismo russo.

Também entre os países da amostra, observam-se distinções mar-cantes em especial nas modalidades de captação externa. Os governos subnacionais, à exceção os da Rússia, praticamente dependem de empréstimos a projetos ofertados por organismos internacionais de financiamento, sendo que apenas os governos subnacionais da Argentina e do Brasil têm a capacidade de contratar diretamente operações de crédito de tais organismos com garantias soberanas dos respectivos governos federais.

Tabela 2
Resumo Comparativo da Paradiplomacia Financeira em Federações Selecionadas
Resumo Comparativo da Paradiplomacia Financeira em
Federações Selecionadas


Fonte: Bessa Maia (2012); elaboração: os autores.

Na Índia, México e Rússia, os organismos multilaterais preparam projetos em conjunto com os governos federal e subnacionais, mas somente tomam empréstimos diretamente junto ao governo federal, o qual mediante relendings repassa os recursos externos concedidos por organismos internacionais em moeda local para os governos subnacionais. Essa intermediação do poder central compromete ou retarda o desenvolvimento da paradiplomacia financeira nessas três federações, uma vez que restringe a interlocução direta e o relacionamento operacional entre os atores subnacionais e os organismos bilaterais e multilaterais de financiamento.

Conclusões

A experiência internacional revela que o fenômeno da paradiplomacia financeira se encontra disseminada também em países emergentes de estrutura de governo federativo. Nos países avançados, a captação de recursos externos se dá em geral nos mercados de capitais internacionalizados por meio da emissão de bônus, sem qualquer garantia dos governos centrais e sob o respaldo apenas da credibilidade fiscal e financeira dos entes subnacionais mutuários, atestada pelas análises convencionais de risco de crédito pelas agências especializadas de risco de crédito (rating).

Nos países emergentes, por seu turno, a descentralização fiscal ainda se encontra em estágio inferior de autonomia federativa, o que, em vários casos, limita ou dificulta o exercício pleno da paradiplomacia financeira pelos governos subnacionais, que ficam obrigados a captar nos mercados de crédito domésticos a custos em geral bem superiores ao mercado internacional e/ou terem de aceitar a intermediação do governo central na contratação de empréstimos junto aos organismos internacionais e posterior reempréstimo ou repasse.

Além de perpetuar a tutela das autoridades federais sobre os entes subnacionais, isso reduz o potencial de interação do governo subnacional com os organismos internacionais, do que resultam projetos de investimento definidos pelo governo central e financiados por recursos externos para os governos subnacionais nem sempre adequados às genuínas necessidades locais, como também maiores custos de transação em função da usual demora que existe na liberação das parcelas de receitas dos empréstimos aos mutuários pelas burocracias dos governos federais.

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Notas

1 Em relação específica à paradiplomacia comercial vale fazer menção à obra de Bueno (2012).

2 Historicamente, os estados brasileiros e províncias argentinas já captaram expressivos volumes de recursos de fontes privadas internacionais, em especial no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Mais recentemente, contudo, o episódio da moratória de US$ 200 milhões do estado de Minas Gerais no mercado de eurobônus (em janeiro de 1999) praticamente encerrou a fase de permissão dos estados brasileiros em captar nos mercados privados de capitais no exterior via emissão de bônus, limitando o acesso a recursos externos somente de fontes oficiais, multilaterais e/ou bilaterais.

3 Segundo a chamada regra de ouro das finanças (golden rule), as receitas correntes só podem (ou apenas devem) financiar despesas correntes, ao passo que as receitas de capital (operações de crédito) só podem (ou apenas devem) financiar despesas de capital (investimentos).

4 O Forum of Federations é uma organização de governança internacional fundada pelo Governo do Canadá e apoiada por nove outros governos parceiros. O Fórum preocupa-se com a contribuição que federações e outras formas de governo descentralizado dão para a manutenção e construção de sociedades e governos democráticos. Disponível em: acesso em 27 fev. 2014.

5 Para qualificar se um dado país é ou não democrático, os indicadores mais utilizados pelos analistas e politólogos são aqueles fornecidos pela organização não governamental internacional Freedom House, a qual mantém há 70 anos o monitoramento regular dos países e territórios no tocante aos direitos políticos, liberdades civis e processos eleitorais. Dos países de nossa amostra, apenas a Rússia é qualificada como “não livre” e tendo pontuações muito desfavoráveis para os demais indicadores que caracterizam um efetivo regime democrático. Tabelas e quadros publicados no sítio da Freedom House na rede mundial de computadores [file:///F:/PARADIPLOMACIA/FIW%202013%20Booklet.pdf]. Disponibilidade: 10/11/2014.

6 O Fórum foi incorporado formalmente na estrutura regional em março de 2007 durante a Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro, sendo seus regulamentos aprovados pelo Grupo Mercado Comum (o braço executivo do bloco) em setembro daquele ano. O Fórum tem oferecido um espaço para a troca de experiências em nível subnacional no âmbito do Mercosul e de discussão de desafios comuns de tais entes de governo. A Rede Mercocidades, por seu turno, é uma rede de cooperação horizontal criada desde 1995, formada por 181 cidades dos países que integram o Mercosul. Hoje é uma importante ferramenta de articulação política e social que aproxima os governos locais dos órgãos decisórios do Mercosul, tornando o processo de integração regional no Cone Sul mais democrático. Cf. Vigevani (2004).

7 Para uma avaliação do processo de ajuste fiscal e financeiro dos estados após o Plano Real, com um balanço dos resultados obtidos, cf. Vieira (2009).

8 No caso da STN, a análise do processo examina se a documentação exigida está completa e adicionalmente verifica os seguintes itens: a) os limites de endividamento; b) a capacidade de pagamento; c) a inserção da operação no Contrato ou Programa de Ajuste Fiscal, quando aplicável; d) a adimplência do proponente mutuário com a União e suas entidades controladas; e) os limites para concessão de garantia; f) a lei autorizativa estadual para concessão das contragarantias; g) as contragarantias oferecidas; e h) a inclusão do projeto no Plano Plurianual estadual. Quando for o caso, solicita manifestação de outros órgãos da esfera federal ou da própria esfera do proponente mutuário relacionados com a operação.

9 Para os complexos detalhes da tramitação das providências para os processos de apresentação de carta-consulta, preparação de projeto, negociação dos documentos contratuais de financiamentos externo e contratação, ver Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) Secretaria de Assuntos Internacionais (SEAIN). Manuel de Financiamentos Externos: Setor Público com Organismos Multilaterais e Agências Bilaterais de Crédito. Brasília, 2005. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/secretaria.asp?cat=18&sub=347&sec=3 . Acesso em: 10 jul. 2010.

10 Para detalhamento das estatísticas de operações de crédito por estados brasileiros, consultar a página na internet do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG): disponível em: http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/seain/downloads/2014/141017_Projetos_por_Fonte_de_Financiamento.pdf , acesso: 02 janeiro 2015.

11 Dados conforme divulgado no press release do Ministério das Finanças da Índia. Cf. State´s Fiscal Consolidation, 14 January 2011.

12 A Estratégia de Assistência ao País (sigla CAS em inglês) é um plano de ação trienal elaborado pelo BIRD para cada país-membro do Banco e da AID. A CAS leva em conta a visão do próprio país sobre o seu desenvolvimento. É elaborada em consulta com autoridades do país, organizações da sociedade civil, agências de desenvolvimento e outras partes envolvidas. O objetivo é estabelecer um programa seletivo de apoio do Banco vinculado à estratégia de desenvolvimento do país e com base na vantagem comparativa das agências do Grupo Banco. A CAS busca promover a colaboração e coordenação entre os parceiros de desenvolvimento de um dado país. A partir desta avaliação é que se determinam o nível e a composição dos empréstimos e da assistência técnica ao país.

13 Para uma detalhada e abrangente avaliação de dez anos (1997-2007) da política de descentralização das operações de crédito do Banco Mundial na Índia, ver Howes; Mishra; Ravishankar (2007), pp. 1-34.

14 Para uma análise mais completa da evolução da situação fiscal, da experiência internacional e das alternativas de reforma seguidas pelos estados indianos no período 1990-2004, ver: Ortiz et al (2005).

15 O resgate das dívidas estaduais mexicanas, no período 1994-98, se deu através do programa de fortalecimento financeiros dos estados (PFFE), que custou ao governo federal recursos da ordem de 17% de suas transferências correntes e 10% do estoque das dívidas estaduais consolidadas. Para mais detalhamento sobre o assunto, ver: Trillo; Cayeros; Gonzales (2002).

16 Cf. World Bank, Local Curreny financing at sub-national level in Mexico – Case Study. Disponível em: http://treasury.worldbank.org/bdm/pdf/Mexico_SHF_Hedging.pdf Acesso 10. Set. 2011.

17 Dentre os argumentos contrários à permissão para os estados mexicanos captarem recursos diretamente no exterior inclusive de organismos multilaterais estão os seguintes: i) necessidade de evitar efeitos de eventuais choques externos sobre a dívida externa em moeda estrangeira; ii) impedir fragmentação na captação de recursos externos por parte de diversos estados com possíveis efeitos sobre os juros cobrados; iii) evitar risco de contágio de eventuais defaults de um estado sobre os demais e a própria federação; e iv) dispensar o uso de garantias do governo federal comumente exigidas pelos organismos internacionais em operações de crédito com entes subnacionais. Para uma análise mais detalhada, ver Giugale, Marcelo M. e Webb Steven B. Achievements and challenges of fiscal decentralization: lessons from Mexico. Washington, D.C.: The World Bank, 2000. p. 255.

18 Conforme pode-se concluir, o marco legal para endividamento subnacional na Rússia no período era extremamente permissivo, uma vez que os governos regionais e locais podiam emitir dívida quase sem limites para cobrir déficits orçamentários, capitalizar empresas públicas e investir em atividades mais próprias do setor privado. Por isso o Banco Mundial (BIRD) alertava sobre os riscos de default generalizados de tais governos nos idos de 1996, ver, a propósito: World Bank. Russian Federation: toward medium-term viability, Washington, D.C, 1996.

19 Os créditos do BERD para os governos regionais russos não se processam diretamente, mas sim por meio de empréstimos ao governo federal, o qual faz o repasse (on-lending) aos governos subnacionais agraciados. O Banco tem escritórios nas cidades de Moscou, São Petersburgo, Yekaterimburg, Samara, Vladivostok, Rostov-on-Don e Kranosyarsk. As prioridades estratégicas globais do BERD na Rússia são a competitividade, modernização e diversificação da economia real. Para tal, o Banco apoia o desenvolvimento de infraestrutura, a diversificação econômica e mecanismos de financiamento eficiente. Conforme descrito na estratégia do Banco para a Rússia no quadriênio 2009-2012, a busca da eficiência energética tornou-se item importante da assistência do BERD à Rússia. O Banco aborda o lado da demanda de energia pela redução do desperdício de energia e das emissões de efeito estufa em todos os setores que sejam importantes para apoiar a competitividade das empresas e combater as mudanças climáticas. Cf. Berd, (2011).

20 As categorias de mecanismos de controle de endividamento subnacional utilizados são extraídas de Ter-Minassian et al (1997, pp. 18-21), a saber: i) disciplina de mercado; ii) cooperação federativa; iii) controles baseados em regras legais, e iv) controles administrativos. Tais mecanismos refletem os diferentes arranjos federalistas de cada país e os respectivos graus de descentralização fiscal na repartição de receitas e assunção de gastos entre os entes federados. Tais mecanismos são analisados em mais detalhe na seção 2 do capítulo 6 desta tese.

Autor notes

* Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UNB) e chefe de assuntos monetários e financeiros internacionais da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda do Brasil. Correio eletrônico: jose.bessa.maia@fazenda.gov.br.

** PhD em História e Relações Internacionais da Universidade de Birmingham e Professor no Instituto de Relações Internacionais (IREL) da Universidade de Brasília (UNB). Correio eletrônico: fsaraiva@unb.br.

Informação adicional

Para citar este artículo: Bessa Maia, J., & Sombra Saraiva, J. (2016). A paradiplomacia financeira em países emergentes de estrutura federativa. Desafíos, 28(I), 121-163. Doi: http://dx.doi.org/10.12804/desafios28.1.2016.03