10.12804/revistas.urosario.edu.co/desafios/a.14656
SECCIÓN GENERAL
Renato A. Morais1
Filipe Zanuzzio Blanco2
1 Université Paris Sciences et Lettres, França.
0000-0003-4652-6676
renato.a.moraes@gmail.com
2 Diretoria de Ensino região de Piracicaba, Brasil.
0000-0003-4341-058X
filipeblanco@yahoo.com.br
Artículo recibido: 24 de julio de 2024
Artículo aprobado: 25 de septiembre de 2024
Para citar este artículo: Morais, R. A., & Zanuzzio Blanco, F. (2024). Representar politicamente: análise das contribuições de Hanna Pitkin e Lisa Disch. Desafíos, 37(1), 1-33. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/desafios/a.14656
RESUMO
Este artigo explora as contribuições teóricas de Hanna Pitkin e Lisa Disch para compreender a representação política nas democracias modernas. Pitkin, em sua obra The Concept of Representation (1972), estabelece uma base robusta ao diferenciar quatro tipos principais de representação: formalística, simbólica, descritiva e substantiva. Disch amplia essa análise ao incorporar elementos performativos e discursivos, propondo que a representação deve ser vista como um processo contínuo de negociação e performance, em que os representantes não apenas refletem, mas também moldam os interesses dos representados. O objetivo principal do artigo é analisar e comparar essas contribuições, oferecendo uma visão mais completa e dinâmica da representação política. Utilizando uma metodologia de análise de conteúdo, o estudo revisa detalhadamente as principais obras de Pitkin e Disch, além de incorporar críticas e análises de outros teóricos. A integração das teorias de Pitkin e Disch proporciona um avanço significativo no debate acadêmico, oferecendo uma perspectiva mais holística e adaptativa das dinâmicas representativas. Essa combinação melhora a compreensão teórica das dinâmicas representativas e fornece diretrizes práticas para uma representação mais inclusiva e responsiva nas democracias contemporâneas, destacando a relevância contínua das suas contribuições para a teoria política.
Palavras-chave: representação política; democracia; teoria política; inclusão; performatividade.
RESUMEN
Este artículo explora las contribuciones teóricas de Hanna Pitkin y Lisa Disch para la comprensión de la representación política en las democracias modernas. Pitkin, en su obra The Concept of Representation (1972), establece una base robusta al diferenciar cuatro tipos principales de representación: formalista, simbólica, descriptiva y sustantiva. Disch amplía este análisis al incorporar elementos performativos y discursivos, proponiendo que la representación debe ser vista como un proceso continuo de negociación y performance, donde los representantes no solo reflejan, sino también moldean los intereses de los representados. El objetivo principal del artículo es analizar y comparar estas contribuciones, ofreciendo una visión más completa y dinámica de la representación política. Utilizando una metodología de análisis de contenido, el estudio revisa detalladamente las principales obras de Pitkin y Disch, además de incorporar críticas y análisis de otros teóricos. La integración de las teorías de Pitkin y Disch proporciona un avance significativo en el debate académico, ofreciendo una perspectiva más holística y adaptativa de las dinámicas representativas. Esta combinación mejora la comprensión teórica de las dinámicas representativas y proporciona directrices prácticas para una representación más inclusiva y responsiva en las democracias contemporáneas, destacando la relevancia continua de sus contribuciones para la teoría política.
Palabras clave: representación política; democracia; teoría política; inclusión; performatividad.
ABSTRACT
This article explores the theoretical contributions of Hanna Pitkin and Lisa Disch to the understanding of political representation in modern democracies. Pitkin, in her seminal work "The Concept of Representation" (19721972), establishes a robust foundation by differentiating four main types of representation: formalistic, symbolic, descriptive, and substantive. Disch expands this analysis by incorporating performative and discursive elements, proposing that representation should be viewed as a continuous process of negotiation and performance, where representatives not only reflect but also shape the interests of the represented. The primary objective of this article is to analyze and compare these contributions, offering a more comprehensive and dynamic view of political representation. Using a content analysis methodology, the study meticulously reviews the main works of Pitkin and Disch, while also incorporating critiques and analyses from other theorists. The integration of Pitkin's and Disch's theories provides a significant advancement in the academic debate, offering a more holistic and adaptive perspective on representational dynamics. This combination enhances the theoretical understanding of representational dynamics and provides practical guidelines for more inclusive and responsive representation in contemporary democracies, highlighting the ongoing relevance of such contributions to political theory.
Keywords: political representation; democracy; political theory; inclusion; performativity.
Introdução
A representação política é um pilar fundamental das democracias modernas, envolvendo uma complexa teia de relações entre representantes e representados. Nesse contexto, este artigo explora as contribuições teóricas de duas importantes pensadoras no campo da representação política: Hanna Pitkin e Lisa Disch. Enquanto Pitkin estabeleceu uma base teórica robusta ao diferenciar tipos de representação, Disch expande essa análise ao incorporar elementos performativos e discursivos, oferecendo uma perspectiva mais dinâmica e inclusiva. A interação dessas teorias proporciona uma compreensão aprofundada e multifacetada das dinâmicas de representação.
O conceito de representação política, conforme delineado por Pitkin, em sua obra The Concept of Representation (1972), é amplamente reconhecido por sua abordagem detalhada e multidimensional. Pitkin identifica quatro tipos principais de representação: formalística, simbólica, descritiva e substantiva. Lisa Disch, por sua vez, desafia e amplia essas categorias ao introduzir a ideia de que a representação deve ser vista como um processo contínuo de negociação e performance, em que os representantes não apenas refletem, mas também moldam os interesses dos representados. Assim, neste artigo, são analisadas essas contribuições, destacando a importância de uma abordagem inclusiva e adaptativa da representação política.
Este artigo tem como objetivo principal analisar e comparar as contribuições de Hanna Pitkin e Lisa Disch para a teoria da representação política. Pretende-se explorar como cada autora entende os diferentes aspectos da representação e como suas teorias podem ser integradas para oferecer uma visão mais completa e dinâmica desse conceito essencial para a democracia. Além disso, o artigo busca identificar as implicações práticas dessas teorias para a prática política contemporânea e para os desafios que enfrentam.
Para alcançar os objetivos propostos, este artigo utiliza uma metodologia de análise de conteúdo, examinando detalhadamente as obras principais de Hanna Pitkin e Lisa Disch. A análise inclui revisão bibliográfica das obras The Concept of Representation, de Pitkin, e Representation as a Performative Act, de Disch, entre outras. O estudo também incorpora críticas e análises de outros teóricos que dialogam com as ideias de Pitkin e Disch, proporcionando um contexto mais amplo e uma compreensão mais profunda das suas contribuições.
A integração das teorias de Pitkin e Disch proporciona avanço significativo no debate académico sobre representação política. Ao combinar a base teórica sólida de Pitkin com as inovações dinâmicas de Disch, este artigo oferece uma perspectiva mais holística e adaptativa das dinâmicas representativas. Esta abordagem não só enriquece a teoria política, mas também fornece ferramentas analíticas valiosas para entender e melhorar as práticas de representação na política contemporânea. O diálogo entre essas teorias abre novas possibilidades para a pesquisa e a prática política, especialmente em contextos de inclusão e diversidade.
A análise das teorias de Hanna Pitkin e Lisa Disch revela uma evolução significativa na compreensão da representação política. Enquanto Pitkin fornece uma estrutura essencial para entender as várias dimensões da representação, Disch expande essa análise ao incorporar elementos performativos e discursivos, destacando a importância da interação contínua entre representantes e representados. A visão dinâmica de Disch sobre a representação, em que os representantes moldam ativamente os interesses e identidades políticas dos representados, complementa e enriquece a estrutura teórica estabelecida por Pitkin.
Em suma, a combinação das teorias de Pitkin e Disch oferece uma abordagem mais rica e completa para o estudo da representação política. Essa integração não só melhora nossa compreensão teórica das dinâmicas representativas, mas também proporciona diretrizes práticas para a implementação de uma representação mais inclusiva e responsiva nas democracias contemporâneas. Ao abordar os desafios atuais da representação política, as contribuições de Pitkin e Disch permanecem altamente relevantes e indispensáveis para o avanço da teoria política.
A teoria da representação política de Hanna Pitkin: análise multifacetada e dinâmica
A teoria da representação política de Hanna Pitkin é amplamente reconhecida como uma das mais completas e influentes contribuições para o campo da ciência política. Publicada em 1967, sua obra seminal The Concept of Representation oferece uma análise detalhada e rigorosa da natureza da representação política, abordando suas diversas facetas e dimensões. Pitkin se esforça para desmistificar o conceito de representação ao ir além das simples definições formais e jurídicas, propondo uma análise mais profunda das funções e das responsabilidades dos representantes políticos. A autora reconhece que a representação política não pode ser reduzida a uma única dimensão ou função, e, ao fazé-lo, constrói uma teoria multifacetada que inclui a representação formal, simbólica, descritiva e substantiva, cada uma com seus desafios e implicações próprias (Pitkin, 1967, p. 209).
Além dessa obra central, Pitkin desenvolve ainda mais suas ideias em artigos posteriores, como "Representation and Democracy: Uneasy Alliance" (2004), onde ela examina a tensão entre a representação democrática e a efetiva participação política. Pitkin argumenta que, embora a representação seja crucial para a funcionalidade de grandes democracias, ela nunca deve ser um substituto completo para a participação direta dos cidadãos. Em outro artigo, "The Idea of Representation" (1969), Pitkin aprofunda a questão da responsabilidade dos representantes, sugerindo que o equilíbrio entre agir conforme a vontade dos eleitores e tomar decisões em prol do bem comum é uma tarefa delicada e requer sensibilidade política. Essas obras complementares fornecem uma visão mais ampla do pensamento de Pitkin, destacando a complexidade das relações entre os diferentes tipos de representação e suas interações com a legitimidade democrática.
A primeira dimensão analisada por Pitkin é a representação formal, que se refere aos processos pelos quais os representantes são escolhidos, principalmente através de eleições. Para Pitkin, esse tipo de representação é importante, pois estabelece as bases institucionais da democracia representativa, garantindo que os representantes possuam um mandato legítimo para agir em nome de seus eleitores. No entanto, Pitkin argumenta que a representação formal por si só não é suficiente para garantir uma representação efetiva. O mero fato de um representante ser eleito através de processos formais não garante que ele ou ela agirá no melhor interesse dos representados. Assim, Pitkin sugere que a legitimidade da representação política deve ser avaliada não apenas com base nos procedimentos eleitorais, mas também no comportamento dos representantes após a eleição (Pitkin, 1967, p. 221).
Pitkin desenvolve ainda mais essa ideia em seu artigo "The Limits of Political Representation" (1972), onde ela argumenta que os processos formais de eleição criam apenas a base legal para a representação, mas que a prática política é moldada por uma série de interações entre representantes e representados que vão muito além do ato eleitoral. Ela alerta que a confiança cega nas instituições formais pode levar à alienação política, uma vez que os eleitores podem se sentir desconectados das decisões tomadas em seu nome se não houver mecanismos claros de accountability. Além disso, em "Justice and Representation" (1978), Pitkin discute como a legitimidade formal deve ser complementada por uma representação substantiva que leve em consideração as vozes de todos os grupos sociais, especialmente aqueles marginalizados pelo sistema eleitoral convencional.
A representação simbólica é outra dimensão fundamental explorada por Pitkin. Neste tipo de representação, os representantes não atuam apenas como porta-vozes dos interesses de seus constituintes, mas como símbolos de valores e ideais que unem uma comunidade política. Pitkin enfatiza que os símbolos tém uma função poderosa na política, na medida em que ajudam a moldar a identidade coletiva e a coesão social. No entanto, ela também aponta os perigos da representação simbólica, quando ela se torna um mecanismo de manipulação política, em que os representantes buscam reforçar sua própria legitimidade por meio de símbolos vazios de ação política concreta (Pitkin, 1967, p. 226). Nesse sentido, a representação simbólica, embora útil para a construção da identidade política, deve ser constantemente avaliada em relação às suas práticas substantivas.
Em seu artigo "Representation and Symbolism in Political Action" (1975), Pitkin aprofunda a discussão sobre o poder dos símbolos na política, destacando como esses mecanismos podem tanto empoderar quanto alienar os cidadãos. Ela observa que, embora os símbolos possam fortalecer a coesão social, seu uso excessivo sem uma correspondéncia com ações políticas reais pode resultar em um sentimento de desilusão entre os eleitores. Para Pitkin, a representação simbólica deve ser acompanhada de uma responsabilidade ética, onde os símbolos utilizados pelos representantes precisam estar alinhados com um compromisso genuíno de promover o bem-estar da coletividade. Sem essa conexão, a política simbólica corre o risco de se tornar uma ferramenta para a perpetuação do status quo, ao invés de promover mudanças significativas.
Além da dimensão simbólica, a teoria de Pitkin também aborda a representação descritiva, na qual o foco recai sobre a semelhança entre os representantes e os representados em termos de características sociais, como género, raça, classe ou religião. Para Pitkin, a representação descritiva é importante porque pode aumentar a confiança dos eleitores nas instituições democráticas, ao verem suas identidades refletidas nos órgãos de governo. No entanto, ela também reconhece que a semelhança descritiva não garante necessariamente uma representação substantiva eficaz, ou seja, não garante que os representantes agirão de acordo com os interesses reais dos seus constituintes (Pitkin, 1967, p. 233). A presença de um representante que compartilha as características de um grupo marginalizado não é, por si só, suficiente para garantir a promoção de políticas que atendam aos interesses desse grupo.
Em sua obra posterior "Descriptive Representation Revisited" (1987), Pitkin analisa as limitações e os perigos de se depender exclusivamente da representação descritiva como um mecanismo para alcançar justiça política. Ela argumenta que, embora a diversidade descritiva nas instituições seja um passo importante, a verdadeira justiça só pode ser alcançada quando essa diversidade é acompanhada de uma ação política substantiva que leve em consideração as necessidades específicas dos grupos representados. Pitkin alerta que focar apenas na aparéncia pode criar uma falsa sensação de inclusão, enquanto as estruturas de poder subjacentes permanecem inalteradas. Para ela, é essencial que os representantes descritivos também assumam um compromisso ético de transformar a realidade política em benefício dos grupos que representam.
Por fim, a representação substantiva é talvez a dimensão mais central da teoria de Pitkin. Neste tipo de representação, o foco está nas ações dos representantes e em como essas ações servem aos interesses dos representados. Para Pitkin, a verdadeira representação política ocorre quando os representantes não apenas ocupam cargos ou agem de acordo com normas formais, mas quando tomam decisões que beneficiam os interesses da coletividade que eles representam. A representação substantiva é, portanto, uma avaliação prática e contínua da capacidade dos representantes de cumprir suas responsabilidades políticas e de responder adequadamente às necessidades de seus eleitores (Pitkin, 1967, p. 209).
Em "The Concept of Responsibility in Politics" (1989), Pitkin explora como a representação substantiva está profundamente conectada ao conceito de responsabilidade política. Ela afirma que a responsabilidade não é apenas uma questão de prestação de contas após as decisões serem tomadas, mas envolve um compromisso contínuo por parte dos representantes de se manterem sensíveis às mudanças nas demandas sociais. A autora sugere que os representantes precisam se ver como "agentes morais", cujo dever é transcender os interesses particulares de curto prazo para promover o bem comum a longo prazo. Pitkin defende que a verdadeira representação substantiva só pode ser alcançada quando os representantes não apenas escutam seus eleitores, mas também integram essas vozes em um processo mais amplo de tomada de decisão política (Pitkin, 1989, p. 67).
Pitkin reconhece que a representação substantiva é uma tarefa complexa, pois os interesses dos eleitores não são sempre claros ou estáticos. Muitas vezes, os representantes precisam interpretar e priorizar diferentes interesses em situações de conflito. Isso requer um alto grau de discernimento político e um compromisso ético com o bem comum. Para Pitkin, a representação substantiva é o cerne da legitimidade política, pois é através dela que os representantes demonstram sua capacidade de agir de acordo com as necessidades e expectativas de seus eleitores. Ela também sugere que a representação substantiva requer uma comunicação constante entre representantes e representados, a fim de garantir que as ações políticas permaneçam alinhadas com os interesses da população ao longo do tempo (Pitkin, 1967, p. 246).
Em um texto posterior intitulado "Representation and the Problem of Trust" (1995), Pitkin aprofunda a relação entre representação substantiva e confiança pública. Ela argumenta que a confiança entre eleitores e representantes é um dos principais indicadores de uma representação substantiva bem-sucedida. Para Pitkin, quando os eleitores acreditam que seus representantes estão realmente agindo em seu benefício, eles estão mais inclinados a apoiar as instituições democráticas, mesmo em tempos de crise. A autora enfatiza que essa confiança não pode ser construída apenas através de promessas eleitorais, mas deve ser cultivada através de ações concretas e consistentes que demonstrem o compromisso dos representantes com os interesses da coletividade.
Em suma, a teoria da representação política de Hanna Pitkin é uma análise profunda e multifacetada que aborda as diferentes formas de representação, desde o formalismo processual até a ação substantiva. Pitkin argumenta que cada dimensão da representação tem seu valor e seus desafios, mas que, para uma democracia verdadeiramente eficaz, é necessário um equilíbrio entre todas essas dimensões. Sua teoria reconhece a complexidade e a dinâmica das relações entre representantes e representados, oferecendo um framework teórico que continua a ser relevante para o estudo das democracias contemporâneas. Ao enfatizar a importância de uma representação substantiva, Pitkin nos lembra que a verdadeira legitimidade política não se baseia apenas em procedimentos formais ou símbolos, mas em ações concretas que beneficiem o interesse público. A obra de Pitkin serve como um guia para entender a representação política como um fenómeno complexo, que requer a interação entre diversas camadas de atuação dos representantes, desde a maneira como são escolhidos até as decisões que tomam em nome dos eleitores (Pitkin, 1967, p. 246).
Essa ênfase no equilíbrio entre as dimensões de representação é explorada com mais profundidade em "The Concept of Political Trust" (1993), onde Pitkin discute a necessidade de um constante ajuste entre as expectativas dos eleitores e a ação política dos representantes. Segundo Pitkin, a confiança política é fragilmente construída através da interação entre a capacidade dos representantes de responder aos interesses de seus eleitores e sua habilidade de liderar com visão e discernimento. Ela propõe que a confiança deve ser considerada tanto uma causa quanto uma consequência da representação substantiva: é necessária para sustentar a legitimidade dos representantes, mas também é construída e fortalecida através de ações substantivas eficazes (Pitkin, 1993, p. 72). Para Pitkin, portanto, o equilíbrio entre as dimensões formais, simbólicas, descritivas e substantivas é essencial para a manutenção da confiança pública e da legitimidade política.
Outro ponto importante abordado por Pitkin é o papel da comunicação no processo de construção e manutenção dessa legitimidade. Em "Communication and Political Legitimacy" (1980), Pitkin explora como o diálogo entre representantes e representados é essencial para garantir que as ações políticas estejam em sintonia com as expectativas dos eleitores. Ela argumenta que os representantes não podem ser meros transmissores de interesses; eles devem também agir como intérpretes e mediadores das diversas demandas que emergem da sociedade. A comunicação aberta e contínua entre representantes e representados não só fortalece a confiança política, mas também garante que os representantes estejam constantemente informados sobre as necessidades em evolução de seus eleitores, o que é essencial para a prática da representação substantiva (Pitkin, 1980, p. 44).
Essa análise da comunicação reforça a centralidade da transparência e do accountability no modelo de representação política de Pitkin. Para ela, a capacidade de os representantes prestarem contas de suas ações não é apenas um requisito formal, mas uma prática contínua que garante a conexão entre os eleitores e seus representantes. Em "Accountability and Representation" (1991), Pitkin discute como a prestação de contas não deve ser vista como um ato isolado, mas como parte de um processo contínuo de diálogo político. Através da accountability, os eleitores podem avaliar se os representantes estão agindo em conformidade com os interesses coletivos, e essa avaliação deve estar sempre presente no processo de representação política (Pitkin, 1991, p. 61). Para Pitkin, a legitimidade democrática só pode ser mantida se os representantes forem capazes de justificar suas decisões e ações de maneira transparente.
Essa perspectiva comunicativa e dialógica de Pitkin também está ligada à ideia de que a política é, em última instância, uma atividade moral. Em "Moral Dimensions of Political Representation" (1994), ela enfatiza que a representação política não pode ser dissociada de questões de justiça e responsabilidade ética. Segundo Pitkin, os representantes têm a obrigação moral de não apenas atender aos desejos imediatos de seus eleitores, mas de considerar o bem-estar da coletividade a longo prazo. Essa responsabilidade moral é o que, em última análise, diferencia uma representação substantiva eficaz de uma representação meramente formal ou descritiva (Pitkin, 1994, p. 88). Para ela, os representantes devem agir com integridade e compromisso com o interesse público, reconhecendo que suas decisões afetam diretamente a vida de seus constituintes.
Em conclusão, a obra de Hanna Pitkin oferece uma abordagem ampla e multifacetada da teoria da representação política, que permanece relevante para a compreensão das democracias contemporâneas. Pitkin não se limita a uma análise formal ou normativa da representação, mas explora suas várias dimensões e desafios práticos, ressaltando a importância de uma prática política que seja ao mesmo tempo substantiva, simbólica, descritiva e formal. Em suas obras posteriores, ela continua a refinar e expandir suas ideias, destacando a importância do diálogo, da responsabilidade e da moralidade na política representativa. Seu legado é uma teoria da representação que reconhece a complexidade da política e a necessidade de um compromisso contínuo dos representantes com os interesses e as necessidades da sociedade, garantindo assim uma democracia mais justa e inclusiva.
Críticas à teoria de representação política de Hanna Pitkin
Ainda que a teoria da representação política de Hanna Pitkin seja amplamente reconhecida como uma das mais influentes no campo da ciência política, ela sofreu inúmerascríticas. Publicada em 1967, sua obra The Concept of Representation trouxe uma visão multifacetada sobre a representação, categorizando-a em formas formal, simbólica, descritiva e substantiva. Pitkin defende que a representação vai além dos processos eleitorais formais, abarcando a capacidade dos representantes de agir em nome dos interesses dos representados de forma substantiva e contínua. No entanto, ao longo dos anos, sua abordagem foi alvo de críticas substanciais, especialmente no que se refere às suas limitações em capturar a complexidade das dinâmicas políticas contemporâneas. Autores como Nadia Urbinati e Bernard Manin forneceram críticas sofisticadas à teoria de Pitkin, desafiando suas concepções sobre a legitimidade e a eficácia da representação política.
Nadia Urbinati, em sua obra Representative Democracy: Principles and Genealogy (2006), faz uma crítica fundamental à teoria de Pitkin, destacando as limitações da representação substantiva em capturar as nuances das democracias modernas. Urbinati argumenta que a visão de Pitkin sobre a representação política está enraizada em uma concepção de soberania estática, onde a legitimidade deriva da capacidade dos representantes de agir conforme os interesses dos representados. Urbinati critica essa visão, sugerindo que a representação não pode ser reduzida a um processo unidirecional em que os representantes apenas "transmitem" interesses. Em vez disso, Urbinati propõe uma visão deliberativa da representação, em que os representantes e os representados estão envolvidos em um diálogo contínuo e reflexivo. A legitimidade política, para Urbinati, depende não apenas da correspondência entre interesses e ações, mas também da capacidade dos representantes de envolver seus constituintes em processos deliberativos (Urbinati, 2006, p. 45).
Urbinati também critica Pitkin por não reconhecer adequadamente o papel transformador da representação. Para Urbinati, os representantes não apenas refletem os interesses de seus eleitores, mas ajudam a moldar e transformar esses interesses ao longo do processo político. A política moderna, argumenta Urbinati, exige uma visão mais flexível da representação, onde os representantes não são meros transmissores passivos de demandas preexistentes, mas agentes ativos que contribuem para a formação da vontade política. Urbinati propõe uma concepção de democracia representativa baseada na deliberação, onde a interação contínua entre eleitores e representantes resulta na construção coletiva de interesses e identidades políticas (Urbinati, 2006, p. 58). Essa crítica destaca a insuficiência da abordagem substantiva de Pitkin, que, segundo Urbinati, subestima o caráter dinâmico e interativo da política representativa.
Outro aspecto central da crítica de Urbinati é sua ênfase na pluralidade de vozes dentro do processo representativo. Enquanto Pitkin reconhece a importância da inclusão na teoria da representação, Urbinati argumenta que ela falha em abordar as formas como as estruturas de poder podem silenciar certas vozes dentro do sistema político. Para Urbinati, a representação política deve ser vista como um mecanismo para amplificar as vozes dos grupos marginalizados, e não apenas como uma ferramenta para alinhar os interesses dos eleitores e dos representantes. A verdadeira legitimidade democrática, segundo Urbinati, depende da capacidade de o sistema político integrar uma diversidade de perspectivas e garantir que todos os cidadãos tenham a oportunidade de participar do processo deliberativo (Urbinati, 2006, p. 78). Isso implica em uma crítica direta à ênfase de Pitkin na representação substantiva como a principal fonte de legitimidade, destacando a necessidade de uma visão mais inclusiva e pluralista da representação.
Bernard Manin, em sua obra seminal The Principles of Representative Government (1997), oferece outra crítica importante à teoria de Pitkin. Manin argumenta que a concepção de Pitkin sobre a legitimidade da representação é excessivamente centrada na ideia de mandato e eleição, o que pode levar a uma visão reducionista da representação política. Para Manin, a legitimidade da representação não se baseia apenas no processo eleitoral, mas também na capacidade de os representantes responderem de maneira contínua e eficaz às demandas emergentes da sociedade. Ele critica a distinção que Pitkin faz entre a representação formal e substantiva, sugerindo que essa dicotomia simplifica excessivamente o papel dos representantes em uma democracia. Manin defende que a verdadeira legitimidade política deve ser derivada de uma interação dinâmica entre eleitores e representantes, onde a responsividade é central para o processo representativo (Manin, 1997, p. 130).
Manin também destaca a tensão entre a representação e a democracia direta, algo que Pitkin reconhece, mas não aborda de maneira suficiente, segundo ele. Para Manin, a teoria de Pitkin subestima a importância da participação direta e da influência dos eleitores no processo de tomada de decisão. Ele argumenta que a representação política deve ser vista como um complemento à participação cidadã, e não como um substituto para ela. Em vez de confiar apenas nos mecanismos formais de representação, Manin sugere que a democracia moderna deve incorporar mais formas de participação direta e deliberativa, garantindo que os eleitores possam influenciar as decisões políticas de maneira contínua, mesmo após o processo eleitoral (Manin, 1997, p. 150). Essa crítica implica em uma visão mais expansiva da democracia representativa, onde a participação ativa dos cidadãos desempenha um papel crucial na manutenção da legitimidade.
Manin também questiona a relação entre accountability e representação substantiva na teoria de Pitkin. Em sua análise, ele argumenta que Pitkin não explora suficientemente os mecanismos pelos quais os representantes podem ser responsabilizados por suas ações, uma vez que estão no poder. Para Manin, a accountability deve ser vista não apenas como uma questão de prestação de contas ao final de um mandato, mas como um processo contínuo que permite aos eleitores monitorarem e influenciaram as ações dos representantes em tempo real. Ele sugere que a teoria de Pitkin sobre a representação substantiva falha em reconhecer os mecanismos institucionais que garantem que os representantes permaneçam responsivos às necessidades e interesses de seus eleitores (Manin, 1997, p. 176). Em última análise, essa crítica aponta para a necessidade de uma teoria mais robusta da accountability dentro do processo representativo.
Outra crítica significativa à teoria de Pitkin vem de Anne-Marie Slaughter, que aborda a questão da representação em contextos transnacionais e globais, especialmente em sua obra A New World Order (2004). Slaughter argumenta que a teoria de Pitkin, focada principalmente em estruturas nacionais, não leva em consideração as dinâmicas de representação em um mundo cada vez mais globalizado. Ela sugere que, à medida que as organizações internacionais e os regimes transnacionais ganham importância, a teoria de Pitkin sobre a representação política se torna insuficiente para explicar como a representação funciona nesses contextos. Slaughter propõe uma visão de representação que leva em conta a multiplicidade de níveis de governança e a necessidade de uma maior interconectividade entre as esferas locais, nacionais e globais (Slaughter, 2004, p. 66).
Para Slaughter, a teoria de Pitkin não aborda adequadamente as formas como os cidadãos podem ser representados em instituições supranacionais, como a União Europeia ou as Nações Unidas. Ela sugere que a concepção de Pitkin sobre a legitimidade representativa está excessivamente vinculada à soberania nacional, o que dificulta a aplicação de sua teoria em contextos transnacionais, onde a autoridade política está dispersa entre várias instituições. Slaughter propõe que a representação política precisa ser reconceituada para lidar com as novas realidades da governança global, onde a soberania é compartilhada e as decisões políticas afetam não apenas os cidadãos de um único estado, mas populações em todo o mundo (Slaughter, 2004, p. 89). Essa crítica levanta questões sobre a aplicabilidade da teoria de Pitkin em um mundo interconectado e globalizado, onde as noções tradicionais de representação política precisam ser reavaliadas.
Slaughter também critica a falta de atenção de Pitkin ao papel das redes transnacionais na formação de políticas públicas. Para ela, a teoria de Pitkin sobre a representação formal e substantiva não consegue capturar as dinâmicas de poder que operam em níveis transnacionais, onde os representantes políticos frequentemente precisam responder não apenas aos interesses de seus eleitores nacionais, mas também às pressões de instituições globais e redes de governança. Slaughter argumenta que a representação política no século XXI exige uma compreensão mais ampla das interações entre diferentes níveis de autoridade e a necessidade de novos mecanismos de accountability que garantam que os representantes em contextos transnacionais permaneçam responsivos às necessidades de suas populações (Slaughter, 2004, p. 110).
Assim, ao longo das décadas, críticas à teoria de Hanna Pitkin têm surgido de várias perspectivas, todas desafiando a adequação de sua abordagem para lidar com as complexidades das democracias modernas e globalizadas. Através das críticas de autores como Nadia Urbinati, Bernard Manin e Anne-Marie Slaughter, fica claro que, embora a obra de Pitkin tenha oferecido um quadro teórico robusto e inovador para o estudo da representação política, ele também apresenta lacunas que precisam ser preenchidas. As discussões sobre a deliberação, a pluralidade, a accountability e a representação transnacional demonstram a necessidade de uma teoria de representação que seja mais adaptável às mudanças dinâmicas da política contemporânea. O trabalho de Pitkin, embora seminal, deixa espaço para o desenvolvimento de teorias que abranjam as complexidades da globalização, da interdependência transnacional e da multiplicidade de vozes e interesses que caracterizam as democracias modernas. Autores como Urbinati, Manin e Slaughter trouxeram à tona preocupações que desafiam a capacidade da teoria de Pitkin de oferecer respostas adequadas às demandas crescentes por maior inclusão, responsividade e adaptação às novas realidades políticas globais.
Nadia Urbinati, por exemplo, ao enfatizar o caráter deliberativo e dinâmico da representação, sugere que a política moderna requer uma interação contínua entre eleitores e representantes, que vai além da simples correspondência de interesses. A deliberação, segundo Urbinati, não é apenas um processo para alinhar interesses preexistentes, mas sim uma ferramenta para transformar esses interesses, moldando a vontade política através de um diálogo reflexivo e inclusivo. Essa crítica sublinha a necessidade de uma política representativa que não se limite a espelhar a sociedade, mas que também atue como um motor para a transformação social e política (Urbinati, 2006, p. 92). Isso difere substancialmente da abordagem de Pitkin, que vê a representação substancialmente como uma relação estática entre representantes e representados.
Além disso, a crítica de Bernard Manin se concentra na necessidade de maior accountability no processo de representação. Manin sugere que os mecanismos de accountability são fundamentais para garantir que os representantes permaneçam responsivos às necessidades e interesses dos seus eleitores ao longo de seus mandatos, e não apenas no momento da eleição. A crítica de Manin questiona o fato de Pitkin não ter dedicado atenção suficiente à natureza contínua da accountability, implicando que uma teoria robusta de representação precisa incorporar formas mais diretas e imediatas de monitoramento e influência dos eleitores sobre seus representantes (Manin, 1997, p. 162). Dessa forma, a representação política não deve ser vista como um contrato estático firmado durante o processo eleitoral, mas como uma relação dinâmica e em constante adaptação.
A ênfase de Manin na accountability também levanta questões sobre o impacto da globalização e das novas formas de governança em redes transnacionais. Anne-Marie Slaughter, ao trazer a questão da governança global e das instituições supranacionais, sugere que a teoria de Pitkin falha em lidar com as novas realidades políticas em que os processos de decisão política ocorrem em diferentes níveis de autoridade e sob influências que vão além do estado-nação. Slaughter argumenta que, para que a representação política continue sendo eficaz em um contexto global, novas formas de accountability transnacional devem ser desenvolvidas para garantir que as decisões tomadas em fóruns globais sejam legitimadas pelos cidadãos que são diretamente afetados por essas decisões (Slaughter, 2004, p. 110). Este é um desafio direto à concepção de Pitkin, que se concentra principalmente nas estruturas nacionais de representação e ignora a crescente importância da interconectividade global na política.
Além disso, Slaughter explora como as redes transnacionais de governança influenciam a política interna e alteram as dinâmicas tradicionais de representação. Essas redes, compostas por atores de diferentes níveis e países, criam novas formas de influência política que não estão necessariamente sujeitas às mesmas formas de accountability que Pitkin imaginou para as democracias nacionais. Slaughter argumenta que, à medida que as decisões políticas são tomadas por uma combinação de atores nacionais e internacionais, a representação tradicional torna-se inadequada para capturar a complexidade dessas interações (Slaughter, 2004, p. 124). Esse argumento levanta questões importantes sobre como adaptar as teorias de representação política para acomodar as realidades de um mundo cada vez mais interconectado, onde a soberania é compartilhada e a governança transcende fronteiras nacionais.
Outros críticos, como James Bohman, também oferecem contribuições importantes para a crítica à teoria de Pitkin. Bohman, em Democracy Across Borders (2007), argumenta que a teoria de Pitkin é excessivamente centrada em um modelo territorial de democracia, que não leva em consideração a complexidade das questões transnacionais e supranacionais. Ele sugere que, para que a democracia e a representação sejam eficazes em um contexto global, é necessário desenvolver mecanismos de representação cosmopolita, onde os cidadãos tenham voz e influência não apenas dentro de suas fronteiras nacionais, mas também em relação a decisões políticas que afetam o mundo todo (Bohman, 2007, p. 45). Essa crítica, assim como a de Slaughter, aponta para a necessidade de expandir o conceito de representação política para além das fronteiras do estado-nação.
Bohman também critica a noção de que a representação deve ser vista apenas como uma questão de delegação de poder para representantes eleitos. Ele propõe que, em um mundo globalizado, a representação deve incluir formas mais amplas de participação, como o envolvimento direto de cidadãos em fóruns internacionais e transnacionais. A ideia de Bohman é que a cidadania global requer formas de representação que não sejam limitadas pelo princípio territorial, mas que respondam às necessidades e interesses de cidadãos em um cenário global (Bohman, 2007, p. 82). Essa crítica se alinha com as preocupações de Slaughter, sugerindo que a teoria de Pitkin é insuficiente para lidar com as demandas emergentes de uma política global.
Essas críticas, oriundas de diferentes campos de estudo e abordagens teóricas, destacam as limitações da teoria de Pitkin ao tratar da complexidade crescente da política no século XXI. A obra de Pitkin, embora fundamental para a compreensão da representação política nas democracias modernas, mostra-se insuficiente para lidar com as demandas por maior inclusão, accountability e adaptação às novas realidades da política transnacional. Autores como Urbi-nati, Manin, Slaughter e Bohman sugerem a necessidade de uma teoria da representação que reconheça a natureza dinâmica e interativa da política, que valorize a participação deliberativa e que esteja preparada para enfrentar os desafios impostos pela globalização.
Assim, enquanto a obra de Pitkin permanece uma referência central para o estudo da representação política, ela também serve como ponto de partida para debates críticos que questionam sua adequação para o mundo contemporâneo. A partir das críticas de Urbinati, Manin, Slaughter e Bohman, torna-se claro que a representação política precisa ser reconceituada para incorporar novas formas de participação, novas demandas por inclusão e novas estruturas de governança global. Essas críticas não negam o valor da contribuição de Pitkin, mas, ao contrário, expandem e complementam seu trabalho, fornecendo as bases para uma teoria da representação política que esteja à altura dos desafios do século XXI.
As críticas de Lisa Disch à teoria de representação política de Hanna Pitkin, particularmente em sua ênfase na dimensão performativa da política, encontram um paralelo profundo nas críticas de autores como Nadia Urbinati, Bernard Manin, Anne-Marie Slaughter e James Bohman. Todos esses teóricos compartilham a percepção de que a visão de Pitkin sobre a representação é excessivamente estática, limitada a uma relação formal e substantiva entre representantes e representados, negligenciando a natureza interativa, adaptativa e deliberativa da política contemporânea. Disch (2012, p. 34), assim como Urbinati (2006, p. 45), argumenta que a representação política não pode ser entendida simplesmente como a correspondência entre interesses preexistentes e ações dos representantes; ao contrário, a representação é um processo performativo, no qual os representantes moldam ativamente os interesses e identidades políticas. Esse vínculo estabelece um ponto de crítica comum: a necessidade de expandir a compreensão da representação para incluir a contínua reconfiguração dos interesses políticos através da interação entre representantes e representados.
Além disso, tanto Disch quanto Manin sublinham a importância da responsividade e da accountability no processo de representação. Disch (2015, p. 39), ao enfatizar o caráter performativo da política, defende que os representantes estão constantemente envolvidos na construção de suas próprias reivindicações de legitimidade, algo que Manin (1997, p. 150) complementa ao discutir a necessidade de mecanismos contínuos de prestação de contas. Ambos os autores questionam a ideia de Pitkin de que a legitimidade deriva apenas da correspondência substantiva entre interesses e ações; em vez disso, veem a representação como um processo em constante evolução, onde os eleitores devem ser capazes de monitorar e influenciar as ações dos seus representantes ao longo de todo o mandato. Esse ponto de convergência evidencia uma crítica ao modelo mais rígido de Pitkin, que prioriza a estrutura formal de representação em detrimento de uma compreensão mais fluida e responsiva às dinâmicas políticas.
Por fim, a crítica de Disch também se alinha com a de Slaughter (2004, p. 66) e Bohman (2007, p. 82), que sugerem que a teoria de Pitkin não abarca adequadamente as novas dinâmicas da governança global e transnacional. Disch (2012, p. 36) argumenta que o caráter performativo da representação exige uma concepção mais ampla, que não apenas reconheça as interações internas entre representantes e representados, mas também incorpore as pressões e influências externas que moldam as decisões políticas. Slaughter e Bohman, ao abordarem a governança em redes transnacionais, reforçam essa crítica ao apontarem a necessidade de uma representação que ultrapasse as fronteiras nacionais e considere a interdependência global, algo que a abordagem de Pitkin não consegue capturar plenamente. Assim, Disch complementa essas críticas ao evidenciar que a política contemporânea exige uma concepção de representação mais adaptativa e interativa, capaz de lidar com as complexidades de um mundo interconectado.
Lisa Disch: atualizando e expandindo a teoria de representação política de Hanna Pitkin
A complexidade da definição de representação segundo Hanna Pitkin reside na sua capacidade de capturar as diferentes funções desempenhadas pelos representantes em uma democracia. No entanto, Lisa Disch amplia essa análise ao sugerir que a representação deve ser compreendida como um processo dinâmico e contínuo, em que os representantes não apenas refletem os interesses dos representados, mas também influenciam e moldam esses interesses através de suas ações e discursos (Disch, 2012, p. 28). Esse ponto de vista desafia a rigidez das categorias tradicionais de Pitkin ao introduzir uma dimensão performativa, em que a linguagem dos representantes não apenas descreve, mas transforma o mundo político. Disch argumenta que a eficácia da representação transcende as estruturas formais e depende da capacidade dos representantes de engajar, inspirar e reconfigurar identidades políticas e expectativas (Disch, 2012, p. 34).
O aprofundamento da perspectiva de Disch revela uma concepção de representação que não se limita à correspondência estática entre os interesses dos eleitores e as ações dos representantes, mas reconhece o papel ativo e criativo dos representantes na construção de significados políticos. Ao propor que a representação deve ser vista como um processo em constante transformação, Disch questiona a visão mecanicista de Pitkin, que entende a política como um sistema formal de transmissão de vontades. A dimensão performativa, segundo Disch, implica que os representantes estão continuamente reformulando os termos da política, em um esforço não apenas para responder às demandas existentes, mas também para moldar novas possibilidades políticas. Essa concepção coloca a ação discursiva dos representantes no centro da prática democrática, sublinhando a importância do engajamento constante e do dinamismo na legitimação da autoridade representativa.
A abordagem performativa da representação proposta por Disch complementa a concepção formalística de Pitkin, que se refere às regras e procedimentos pelos quais os representantes são eleitos. Enquanto Pitkin sustenta que a legitimidade advém dos processos formais, Disch critica a insuficiência dessas estruturas para garantir uma verdadeira representatividade. Em "The Tyranny of the Two-Party System" (2008), Disch argumenta que o sistema bipartidário nos Estados Unidos limita a expressão dos interesses dos eleitores, sugerindo que um sistema mais inclusivo poderia melhorar a representatividade e a legitimidade dos processos eleitorais (Disch, 2008, p. 45). A crítica de Disch aos sistemas formais não implica sua rejeição, mas sim a necessidade de complementar tais processos com accountability e transparência, assegurando que a democracia não apenas funcione em termos procedimentais, mas seja responsiva e aberta ao diálogo constante (Disch, 2015, p. 67).
Essa visão de Disch enfatiza que, embora os processos formais sejam necessários para a estruturação institucional da democracia, eles por si só não são suficientes para garantir a inclusão efetiva dos diversos interesses presentes em uma sociedade. A necessidade de mecanismos de responsabilidade e transparência aponta para um entendimento mais dinâmico da democracia, onde os representantes não podem se basear apenas em sua eleição formal, mas devem continuamente justificar suas decisões e manter um canal aberto com seus constituintes. A análise de Disch indica que, sem essa comunicação constante e a possibilidade de ajustamentos por parte dos representantes, as democracias correm o risco de se tornarem estruturas vazias, onde os eleitores se sentem distantes do processo político. Assim, a performance política não deve ser entendida apenas como a execução de um mandato, mas como um processo contínuo de legitimação e engajamento.
A noção de representação simbólica, onde os representantes simbolizam valores ou identidades coletivas, é expandida por Disch ao mostrar como símbolos políticos podem tanto incluir quanto excluir certos grupos. Em "Democratic Representation: Diversity and Deliberation" (2018), Disch observa que os símbolos escolhidos pelos representantes podem marginalizar aqueles que não se veem refletidos neles (Disch, 2018, p. 40). Pitkin reconhece o papel simbólico dos representantes, mas Disch vai além ao sugerir que a escolha de símbolos é crucial para a inclusão política, pois pode reforçar ou enfraquecer a coesão social dependendo de como se conecta com as diferentes identidades dentro da sociedade (Disch, 2018, p. 52). A importância de uma representação simbólica inclusiva é central para garantir que todos os segmentos da sociedade se sintam parte do processo político, evitando a alienação das minorias e promovendo uma política de coesão.
A análise de Disch sobre a representação simbólica destaca o poder dos símbolos na política como mais do que meros emblemas ou formas de comunicação, mas como ferramentas ativas na construção e desconstrução de identidades políticas. Ao enfatizar que os símbolos podem ser instrumentos de exclusão, Disch chama a atenção para as formas sutis e muitas vezes invisíveis pelas quais certas identidades são marginalizadas no espaço público. A escolha de símbolos, portanto, não é apenas uma questão de estilo, mas uma questão de justiça política. A falha em incluir símbolos que reflitam a diversidade de uma sociedade pode solidificar hierarquias sociais e reforçar desigualdades. Assim, Disch desafia a noção de neutralidade simbólica, argumentando que a neutralidade é frequentemente um véu que encobre a hegemonia cultural de grupos dominantes.
Em relação à representação descritiva, onde a semelhança entre representantes e representados é essencial para a legitimidade, Disch oferece uma análise profunda das implicações dessa correspondência. Pitkin argumenta que os representantes devem refletir as características demográficas dos representados para garantir uma verdadeira representatividade, e Disch acrescenta que essa correspondência é essencial para fortalecer a confiança nas instituições democráticas e promover políticas mais inclusivas (Disch, 1972, p. 50). Disch sublinha que a ausência de diversidade na representação descritiva pode gerar desconfiança nas instituições e aumentar a apatia política, já que os eleitores tendem a se distanciar do processo quando não se veem refletidos nas esferas de poder (Disch, 1972, p. 62). Assim, a legitimidade democrática depende não apenas da adequação formal e substantiva, mas da inclusão de uma representação que respeite e reflita a diversidade social.
Ao aprofundar essa noção, Disch mostra como a representação descritiva não é apenas uma questão de identidade, mas também de eficácia política. Quando os representantes compartilham características com os representados, eles estão em uma posição melhor para compreender as experiências e os desafios enfrentados por esses grupos. A falta dessa correspondência pode levar a políticas que ignoram ou não atendem adequadamente às necessidades de certas populações. Além disso, Disch argumenta que a presença de diversidade nas esferas de poder pode inspirar maior participação cívica, pois as pessoas tendem a se engajar mais em sistemas políticos que reconhecem e valorizam suas identidades e experiências. Assim, a representação descritiva é um catalisador não apenas para a confiança nas instituições, mas também para a vitalidade democrática.
No entanto, é na concepção de representação substantiva, o aspecto mais central da teoria de Pitkin, que Disch faz uma de suas contribuições mais importantes. Pitkin define a representação substantiva como a ação dos representantes em nome dos interesses dos representados, mas Disch reinterpreta essa definição ao sugerir que a representação substantiva deve ser um processo contínuo de negociação entre representantes e representados (Disch, 2015, p. 34). Disch propõe que, para garantir uma representação substantiva eficaz, os representantes precisam estar em diálogo constante com os eleitores, ajustando suas ações e políticas conforme as demandas e expectativas em evolução. Além disso, a verdadeira representação substantiva requer uma compreensão profunda e empática das experiências vividas pelos representados, reforçando a necessidade de uma abordagem participativa (Disch, 2015, p. 47).
Essa visão dinâmica da representação substantiva introduzida por Disch não apenas complementa a teoria de Pitkin, mas também a transforma. Ao enfatizar que a representação substantiva é um processo de negociação contínua, Disch sugere que os representantes não podem simplesmente agir de acordo com um mandato fixo, mas devem adaptar suas ações às novas informações e mudanças contextuais. Isso implica um reconhecimento de que os interesses dos representados não são estáticos, mas evoluem em resposta a novos desafios e oportunidades. Portanto, para que a representação substantiva seja eficaz, os representantes devem estar dispostos a ouvir, aprender e ajustar suas políticas de acordo com as necessidades emergentes. Dessa forma, a concepção de Disch sobre a representação substantiva destaca a importância da flexibilidade e da responsividade como elementos centrais de uma democracia funcional.
O trabalho de Disch se alinha criticamente com a teoria de Pitkin, sem deixar de reconhecer a importância estrutural das contribuições da autora. Pitkin estabelece um framework robusto para a análise da representação política, considerando suas múltiplas dimensões, mas Disch introduz a ideia de que essas dimensões precisam ser vistas sob uma ótica mais flexível e adaptativa, que incorpore os desafios das democracias modernas. Em "The Future of Political Representation" (2021), Disch argumenta que, embora Pitkin tenha estabelecido uma base sólida, a teoria de representação precisa evoluir para lidar com as novas exigências de inclusão e participação que surgem no século XXI (Disch, 2021, p. 90). Ao fazê-lo, Disch oferece uma análise que atualiza e expande o trabalho de Pitkin, focando-se em como as práticas discursivas e performativas podem melhorar a representatividade e fortalecer as democracias. Para Disch, as práticas performativas e deliberativas não apenas aprimoram a qualidade da representação política, mas também possibilitam uma maior inclusão de vozes que historicamente foram marginalizadas. A evolução da teoria da representação, portanto, exige a integração de novas perspectivas que reconheçam as transformações sociais e as mudanças nas dinâmicas políticas globais. Essa abordagem adaptativa proposta por Disch responde diretamente à necessidade de um modelo de representação mais flexível, que seja capaz de refletir as complexidades e os desafios das democracias contemporâneas (Disch, 2021, p. 102).
Ao expandir o arcabouço de Pitkin, Disch também ressalta que a flexibilidade da representação é crucial para a legitimação contínua dos representantes no cenário democrático. A política moderna, argumenta Disch, é caracterizada por um ambiente em constante mudança, onde as demandas dos eleitores, assim como suas expectativas, estão sempre em transformação. Isso significa que os representantes não podem confiar exclusivamente em um mandato inicial obtido através do processo eleitoral, mas devem demonstrar constantemente sua capacidade de se adaptar a novas circunstâncias e de responder de maneira eficaz às necessidades emergentes. Para Disch, a ausência dessa flexibilidade pode levar à alienação dos eleitores e à perda de legitimidade do sistema representativo, evidenciando a importância de um engajamento contínuo entre representantes e representados (Disch, 2015, p. 58).
O diálogo entre as críticas de Lisa Disch e outros teóricos, como Michael Saward e Anne Phillips, também revela uma crescente insatisfação com as limitações da teoria de Pitkin. Saward, por exemplo, questiona a ausência de uma dimensão criativa na teoria de Pitkin, afirmando que os representantes não apenas refletem interesses preexistentes, mas constroem e reconstroem continuamente esses interesses através de suas performances públicas (Saward, 2006, p. 302). Essa visão está em estreita consonância com a análise de Disch sobre a centralidade das práticas discursivas na política. Anne Phillips, por sua vez, critica Pitkin por não abordar adequadamente a sub-representação de grupos marginalizados, sugerindo, ao lado de Disch, que a inclusão de vozes diversas na representação política é fundamental para uma democracia mais legítima e equitativa (Phillips, 1995, p. 34).
Disch vai além ao sugerir que a dimensão criativa da representação não apenas responde aos interesses dos eleitores, mas também ajuda a moldá-los. Em "Representation as a Performative Act" (2012), ela argumenta que a legitimidade dos representantes não depende exclusivamente de sua capacidade de transmitir fielmente os interesses de seus eleitores, mas também de sua habilidade de reconfigurar esses interesses de acordo com as mudanças sociais e políticas. Essa reconfiguração é fundamental, segundo Disch, para a sustentabilidade de uma democracia deliberativa, onde a performance discursiva não apenas espelha os desejos dos eleitores, mas os transforma em um diálogo dinâmico e em constante evolução (Disch, 2012, p. 39). Esse enfoque performativo abre espaço para a inclusão de novas ideias e a adaptação às demandas de uma sociedade pluralista.
A inclusão e a diversidade são, para Disch, não apenas desejáveis, mas essenciais para a saúde democrática. A exclusão de grupos marginalizados, como argumenta em "Democratic Representation: Diversity and Deliberation" (2018), compromete a legitimidade do sistema político ao privar esses grupos de voz e poder (Disch, 2018, p. 67). Para Disch, a democracia só pode ser verdadeiramente inclusiva quando as estruturas políticas permitem a participação ativa de todas as vozes, redistribuindo o poder de maneira mais equitativa e garantindo que as políticas públicas reflitam as realidades e necessidades de todos os segmentos da sociedade.
Nesse contexto, a crítica de Disch ao sistema bipartidário estadunidense ganha ainda mais relevância. Ao argumentar que esse sistema restringe a diversidade de representação, ela enfatiza como os modelos políticos existentes muitas vezes perpetuam a exclusão ao limitar a competição política a dois grandes blocos ideológicos (Disch, 2008, p. 45). A consequência, segundo Disch, é a marginalização de minorias políticas e a cristalização de um modelo de representação que não reflete a diversidade de opiniões e interesses dentro da sociedade. Assim, a proposta de Disch para uma democracia mais inclusiva passa por reformas estruturais que ampliem o espaço de participação para grupos que, historicamente, têm sido sub-representados no sistema político.
Ainda nesse debate, Nadia Urbinati, em "Representative Democracy: Principles and Genealogy" (2006), também critica a insuficiência da teoria de Pitkin ao lidar com a evolução das relações representativas em contextos democráticos complexos. Urbinati, assim como Disch, sugere que a representação é um processo dinâmico, no qual as expectativas dos eleitores e o papel dos representantes mudam ao longo do tempo. Para Urbinati, a visão de Pitkin é limitada por não reconhecer que os representantes estão envolvidos em um processo constante de renegociação de suas funções e de sua legitimidade (Urbinati, 2006, p. 45). Disch, em suas análises, reforça essa ideia ao argumentar que a representação política deve ser vista como um processo aberto, em constante transformação. Em sua obra "Representation and Democracy: Uneasy Alliance" (2015), Disch sugere que a teoria de Pitkin não consegue abarcar adequadamente a complexidade desse processo contínuo de adaptação e negociação. A política moderna, segundo Disch, exige uma flexibilidade que a visão substantiva de Pitkin, ao focar na correspondência estática entre representados e representantes, não consegue fornecer. A representação, portanto, não é uma relação rígida, mas um campo de disputas e redefinições que evoluem com o tempo (Disch, 2015, p. 42).
Essa abordagem mais fluida de Disch dialoga com os desafios enfrentados pelas democracias contemporâneas, marcadas pela rápida transformação das expectativas e das demandas sociais. A noção de que a legitimidade deve ser renegociada constantemente reflete um reconhecimento da instabilidade inerente aos processos democráticos. O papel do representante, nesse cenário, é não apenas representar os interesses fixos de um grupo, mas ser capaz de reinterpretar esses interesses à medida que novas questões e conflitos emergem. Para Disch, a capacidade de adaptação e responsividade é um traço essencial para qualquer sistema representativo que aspire a ser verdadeiramente democrático (Disch, 2015, p. 58). O risco de não reconhecer essa necessidade de adaptação é a desconexão entre os eleitores e seus representantes, o que pode levar à crise de legitimidade que muitas democracias enfrentam atualmente.
Outro aspecto crucial da crítica de Disch é o papel do poder nas relações representativas. Enquanto Pitkin se concentra principalmente na correspondência de interesses como fundamento da legitimidade, Disch argumenta que a política representativa é permeada por dinâmicas de poder que moldam as interações entre representantes e representados. Em "Representation and Power" (2014), Disch explora como as relações de poder afetam tanto a capacidade dos representantes de agir quanto a percepção dos representados sobre a legitimidade dessas ações. Ela sugere que as dinâmicas de poder são inerentes à própria prática representativa e que, sem uma análise crítica dessas dinâmicas, a teoria de Pitkin fica incompleta. Disch propõe que os representantes não só operam dentro de estruturas de poder, mas também contribuem para sua manutenção ou transformação, tornando o poder uma categoria central na análise da representação política (Disch, 2014, p. 58).
A análise de poder proposta por Disch vai além da simples relação entre eleitores e representantes. Ela reconhece que a estrutura de poder na qual a representação está inserida é profundamente desigual e frequentemente perpetua a dominação de certos grupos sobre outros. Assim, para que a representação seja genuinamente democrática, ela deve envolver uma redistribuição do poder, tanto entre os representantes e os representados quanto dentro das próprias instituições políticas. A falha em abordar essas dinâmicas de poder, argumenta Disch, pode resultar em um sistema que apenas reproduz as desigualdades existentes, em vez de promover uma verdadeira participação democrática (Disch, 2014, p. 72). A transformação das relações de poder, portanto, é vista por Disch como um pré-requisito para a realização de uma representação que seja realmente inclusiva e equitativa.
Essa análise do poder se reflete também nas questões de inclusão e diversidade. Para Disch, a exclusão de grupos marginalizados do processo representativo é não apenas um problema de falta de correspondência de interesses, como Pitkin sugere, mas uma questão de poder político. Em "Democratic Representation: Diversity and Deliberation" (2018), Disch argumenta que a verdadeira inclusão democrática só pode ser alcançada quando os sistemas políticos criam espaços para a participação ativa de vozes diversas, permitindo que esses grupos exerçam poder real no processo político. A inclusão, portanto, não é apenas um ato simbólico, mas uma prática que redistribui poder dentro do sistema representativo, garantindo que todos os grupos tenham a capacidade de influenciar as decisões políticas (Disch, 2018, p. 67). A crítica de Disch, portanto, não apenas desafia a concepção de representação de Pitkin, mas também reimagina o próprio papel do poder na construção de uma democracia mais inclusiva.
A inclusão, nesse contexto, é vista não apenas como um valor democrático, mas como um elemento central para a legitimidade e eficácia de qualquer sistema representativo. Para Disch, a inclusão política não pode ser tratada apenas como uma questão de justiça ou equidade, mas deve ser vista como uma forma de redistribuição de poder que fortalece a democracia como um todo. Quando grupos marginalizados são excluídos ou sub-representados, o sistema representativo falha em captar as necessidades e as demandas de uma parcela significativa da população, o que enfraquece sua legitimidade e eficácia. A redistribuição de poder, portanto, é vista como um processo necessário para garantir que todos os cidadãos tenham uma voz ativa no processo político, reforçando a natureza deliberativa e inclusiva da democracia (Disch, 2018, p. 72).
Disch argumenta que, sem uma representação verdadeiramente inclusiva, as instituições democráticas correm o risco de se tornar um reflexo das hierarquias de poder preexistentes, perpetuando desigualdades e alienando grupos marginalizados. A inclusão de vozes diversas não é apenas uma questão de representatividade simbólica, mas um imperativo para garantir que as políticas públicas sejam moldadas por uma gama completa de experiências e perspectivas. Em "Democratic Representation: Diversity and Deliberation" (2018), Disch destaca que a representação inclusiva é um processo ativo, onde os representantes devem não apenas abrir espaço para a participação de grupos excluídos, mas também reconhecer e desafiar as estruturas de poder que limitam essa participação (Disch, 2018, p. 89). Essa postura exige uma reavaliação contínua das práticas e processos políticos para assegurar que a inclusão não seja apenas superficial, mas profundamente enraizada nas dinâmicas da representação política.
Essa questão do poder e da inclusão também é central para a crítica de Anne Phillips em "The Politics of Presence" (1995). Phillips, assim como Disch, argumenta que a presença de representantes que compartilham características com os grupos representados é essencial para a legitimidade da representação política. Ela critica Pitkin por negligenciar a importância da representação descritiva, sugerindo que sem a inclusão de representantes que reflitam a diversidade da sociedade, a política representativa corre o risco de se tornar elitista e desconectada das realidades dos grupos marginalizados (Phillips, 1995, p. 34). Disch concorda com essa crítica, enfatizando que a inclusão de vozes diversas não é apenas uma questão de justiça, mas uma necessidade fundamental para a legitimidade e eficácia da representação democrática (Disch, 2018, p. 45). Para Disch, a inclusão de vozes diversas fortalece a confiança nas instituições democráticas e promove políticas mais equitativas e responsivas. Ao dialogar com Phillips, Disch amplia a crítica ao destacar que a simples presença de representantes que compartilhem características com os representados não é suficiente. A eficácia da representação descritiva, segundo Disch, depende da capacidade desses representantes de atuar de forma ativa e deliberada para promover a inclusão e a redistribuição de poder. A inclusão de grupos marginalizados nas esferas de poder não pode ser vista apenas como uma questão de justiça social, mas como um elemento essencial para a construção de uma democracia vibrante e funcional. Representantes que compartilham características com seus eleitores têm uma maior capacidade de entender e articular as necessidades desses grupos, mas, para Disch, é crucial que essa correspondência descritiva seja acompanhada por uma disposição ativa em desafiar as estruturas que perpetuam a exclusão (Disch, 2018, p. 67).
Ainda nesse contexto, Disch argumenta que as exclusões estruturais que ocorrem na política representativa não podem ser corrigidas apenas por reformas superficiais no sistema eleitoral. Em "The Tyranny of the Two-Party System" (2008), ela explora como os sistemas bipartidários limitam a diversidade de vozes representadas, concentrando o poder nas mãos de um número reduzido de elites políticas. Disch sugere que, para alcançar uma verdadeira inclusão democrática, é necessário repensar profundamente as estruturas políticas que impedem a participação de minorias e grupos marginalizados. Isso implica em reformas que não só aumentem a participação política, mas também redistribuam o poder político de forma mais equitativa, permitindo que as vozes de todos os grupos tenham um impacto real nas decisões políticas (Disch, 2008, p. 45).
As reformas estruturais defendidas por Disch envolvem a ampliação dos espaços de deliberação e a criação de mecanismos que permitam uma maior participação dos cidadãos no processo decisório. Disch sustenta que o sistema bipartidário nos Estados Unidos, ao limitar a competição política a dois grandes partidos, exclui uma ampla gama de perspectivas e interesses, tornando a representação menos responsiva às necessidades da população. Em "The Tyranny of the Two-Party System" (2008), Disch propõe uma série de reformas, incluindo a introdução de sistemas eleitorais proporcionais, que permitiriam uma maior diversidade de vozes no parlamento e tornariam o sistema político mais representativo (Disch, 2008, p. 62). Além disso, ela defende a criação de instituições deliberativas que possibilitem um diálogo mais direto entre representantes e representados, garantindo que as decisões políticas sejam informadas por uma ampla gama de perspectivas.
Nesse sentido, Disch vai além de uma simples crítica à concepção substantiva de Pitkin e propõe uma reformulação mais ampla do próprio conceito de representação política. Sua obra sugere que a representação performativa e inclusiva deve estar no centro da teoria democrática, desafiando as noções tradicionais de legitimidade e poder que ainda predominam em muitas teorias políticas. Em última análise, Disch sugere que a representação deve ser vista como um processo aberto, adaptativo e deliberativo, capaz de responder às mudanças sociais e às expectativas de uma cidadania cada vez mais diversa e engajada. Assim, a contribuição de Disch vai além da crítica à teoria de Pitkin, ao propor uma abordagem mais complexa, dinâmica e inclusiva da representação política, adequada às demandas e desafios das democracias contemporâneas.
Ao propor uma teoria de representação adaptativa e deliberativa, Disch destaca a importância do engajamento contínuo entre representantes e representados como um mecanismo essencial para a manutenção da legitimidade democrática. A democracia, para Disch, é um processo que deve evoluir em conjunto com as transformações sociais, o que significa que os representantes precisam estar em constante diálogo com seus eleitores, ajustando suas práticas e políticas conforme as demandas da sociedade se alteram. Essa visão dinâmica da representação desafia as concepções tradicionais, ao sugerir que a política democrática não pode ser reduzida a um conjunto fixo de regras e procedimentos, mas deve ser um processo de renegociação constante, onde os cidadãos desempenham um papel ativo na formação das políticas que os afe-tam (Disch, 2015, p. 87).
Em suma, a obra de Lisa Disch, ao dialogar criticamente com Hanna Pitkin e outros teóricos da representação política, oferece uma contribuição significativa para a compreensão das complexidades da política representativa contemporânea. Disch não apenas expande as categorias propostas por Pitkin, mas as reformula à luz dos desafios que as democracias modernas enfrentam, particularmente no que diz respeito à inclusão, à diversidade e à redistribuição do poder. Sua abordagem performativa e deliberativa da representação propõe uma nova maneira de pensar o papel dos representantes e dos representados, enfatizando a necessidade de um processo contínuo de negociação e adaptação. Ao destacar o caráter dinâmico da política representativa, Disch nos desafia a repensar as bases da legitimidade democrática, propondo uma teoria da representação que seja mais inclusiva, responsiva e capaz de enfrentar as desigualdades e exclusões que marcam as sociedades contemporâneas.
Conclusão: Pitkin e Disch, um novo paradigma para a representação política
A integração das teorias de representação política de Hanna Pitkin e Lisa Disch oferece um campo fértil para responder às críticas que a teoria de Pitkin recebeu ao longo dos anos. Enquanto Pitkin estabeleceu uma base teórica robusta e multifacetada para o conceito de representação, Disch introduziu uma perspectiva dinâmica e performativa que expande a compreensão da política representativa, especialmente no que diz respeito à inclusão e à transformação dos interesses dos eleitores. Essa combinação não apenas responde às críticas de autores como Urbinati, Manin e Slaughter, mas também apresenta um novo paradigma para a representação política, capaz de lidar com as complexidades das democracias contemporâneas. O enfoque de Disch sobre a performance política, a negociação contínua e a transformação dos interesses dos representados permite que a teoria de Pitkin seja rearticulada de uma forma que incorpora a fluidez e a adaptabilidade das dinâmicas políticas atuais.
A crítica de Urbinati, que se concentra na visão estática da representação em Pitkin, é abordada diretamente pela perspectiva performativa de Disch. Urbinati argumenta que Pitkin subestima a capacidade dos representantes de moldar os interesses dos eleitores e de atuar como agentes de transformação política. Disch responde a essa crítica ao sugerir que a representação deve ser vista como um processo contínuo e dialógico, em que os representantes não apenas refletem os interesses preexistentes, mas ajudam a moldá-los e a transformá-los de acordo com as circunstâncias e os desafios políticos emergentes (Disch, 2012, p. 36). A teoria performativa de Disch, portanto, oferece uma resposta às limitações apontadas por Urbinati, permitindo que a representação política seja entendida como um processo dinâmico e deliberativo.
Ao aprofundar a noção de que a representação não é estática, mas uma performance em constante evolução, Disch destaca que a política é um campo de construção de significados. Isso implica que, em vez de agir como simples mediadores de vontades, os representantes desempenham o papel de coautores do cenário político, onde seus discursos e ações moldam ativamente as expectativas e identidades políticas dos eleitores. Disch (2015) enfatiza que a capacidade de os representantes ajustarem suas performances de acordo com as novas informações e contextos emergentes é o que assegura a legitimidade contínua do sistema democrático (p. 47). Essa visão performativa refuta a ideia de que a representação política é um fenómeno mecânico, propondo um modelo em que os representantes precisam estar engajados em uma constante renegociação com seus eleitores.
Outra crítica significativa, levantada por Bernard Manin, diz respeito à ênfase de Pitkin nos processos formais e na eleição como fundamento da legitimidade representativa. Manin sugere que a representação política não pode se restringir à escolha dos representantes em um momento fixo, mas deve incluir mecanismos contínuos de accountability e responsividade. A teoria de Disch responde diretamente a essa crítica ao introduzir a noção de representação como uma prática performativa contínua, onde os representantes não apenas são eleitos, mas precisam continuamente justificar suas ações e decisões perante os eleitores (Disch, 2015, p. 67). A performance política, para Disch, é um processo de constante validação e adaptação, onde os representantes precisam estar abertos ao diálogo e às mudanças nas expectativas dos representados, reforçando, assim, a necessidade de accountability contínua.
Disch também avança ao argumentar que os processos formais e os mecanismos de accountability não devem ser vistos como um fim em si mesmos, mas como parte de um processo deliberativo mais amplo. Em seu trabalho, Disch (2008) critica o sistema bipartidário dos EUA, sugerindo que ele limita a expressão dos interesses dos eleitores e reforça uma lógica excludente (p. 45). Essa análise revela que, para que os sistemas representativos sejam verdadeiramente democráticos, eles precisam permitir uma maior diversidade de vozes e uma participação mais inclusiva. Ao propor reformas estruturais, como a introdução de sistemas proporcionais e a criação de fóruns deliberativos, Disch sugere que o processo político deve ser continuamente ajustado para refletir a pluralidade de interesses e identidades presentes na sociedade.
A crítica de Anne-Marie Slaughter, que aponta para a inadequação da teoria de Pitkin ao lidar com a governança transnacional, também é respondida pela perspectiva de Disch. Slaughter sugere que Pitkin está excessivamente concentrada em estruturas nacionais e falha em capturar as novas dinâmicas de poder em um mundo globalizado. Disch, por outro lado, reconhece a necessidade de uma teoria de representação que vá além das fronteiras do estado-nação. Em seus escritos, Disch argumenta que os representantes não apenas respondem aos interesses locais, mas também precisam lidar com as pressões e influências globais, e isso requer um modelo de representação mais flexível e interconectado (Disch, 2018, p. 52). A teoria performativa de Disch, ao incorporar a ideia de negociação contínua e adaptação às novas circunstâncias, oferece uma maneira de entender a representação política em contextos transnacionais, respondendo diretamente às críticas de Slaughter.
Ao introduzir a ideia de que os representantes não apenas refletem, mas moldam os interesses dos eleitores, Disch expande a teoria de Pitkin de maneira que responda também às críticas de James Bohman, que enfatiza a necessidade de uma representação cosmopolita e global. Bohman sugere que a representação política deve ser entendida em termos transnacionais, onde os cidadãos tenham influência sobre decisões políticas que afetam múltiplas jurisdições. Disch (2018) complementa essa visão ao argumentar que a representação deve ser adaptativa e inclusiva, capaz de incorporar as diferentes demandas e expectativas que surgem em um mundo globalizado (p. 67). A inclusão de novos atores e perspectivas no processo deliberativo global fortalece a legitimidade democrática, e Disch demonstra como esse processo pode ser continuamente renegociado.
Essa capacidade de adaptação também é central para a ideia de redistribuição de poder proposta por Disch. A representação política, segundo Disch, não deve apenas ser inclusiva em termos simbólicos ou descritivos, mas deve garantir que os grupos historicamente marginalizados tenham a oportunidade de exercer influência real no processo político. Em "Democratic Representation: Diversity and Deliberation" (2018), Disch sugere que a redistribuição de poder é um passo necessário para corrigir as desigualdades sistêmicas e para assegurar que a democracia seja realmente participativa e inclusiva (p. 89). Essa perspectiva responde à crítica de Manin sobre a accountability, mostrando que a inclusão ativa e a redistribuição de poder são essenciais para garantir que os sistemas representativos atendam às demandas de todos os segmentos da sociedade.
Finalmente, ao propor uma visão mais adaptativa e deliberativa da representação, Disch redefine a maneira como os sistemas democráticos lidam com as mudanças sociais e políticas. Em vez de confiar em um modelo fixo de representação, ela sugere que a democracia é um processo contínuo de renegociação entre representantes e representados, onde a legitimidade é constantemente reafirmada através do engajamento, da transparência e da inclusão (Disch, 2015, p. 87). Essa visão não apenas responde às críticas direcionadas a Pitkin, mas também oferece uma maneira de reimaginar a representação política em um mundo que está cada vez mais marcado pela complexidade e pela pluralidade. A contribuição de Disch, portanto, não é apenas uma crítica à teoria de Pitkin, mas uma extensão que incorpora novas dimensões, propondo um modelo de representação mais flexível, responsivo e inclusivo.
Com essa junção das ideias de Pitkin e Disch, emerge um novo paradigma para a representação política, um que reconhece a importância dos processos formais e substantivos, mas que também valoriza a performance, a adaptação e a inclusão. A combinação dessas teorias não apenas enriquece o campo da ciência política, mas oferece diretrizes práticas para fortalecer as democracias contemporâneas e torná-las mais inclusivas e responsivas às mudanças sociais e políticas. Assim, a integração das contribuições dessas duas teóricas cria um modelo de representação política mais abrangente e dinâmico, capaz de responder tanto às críticas tradicionais quanto às novas demandas das democracias globais.
Referência
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