Reseñas Bibliográficas


Cassimiro, P. H., & Lynch, C. O populismo reacionário: ascensão e legado do bolsonarismo.Contracorrente, 2022. 100 pp.*

Título en español: Populismo reaccionario: ascenso y legado del bolsonarismo.


Mário Jorge de Paiva1

1 Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Brasil).
0000-0001-7158-4371
mariojpaiva91@gmail.com



O livro O populismo reacionário é uma análise rica sobre fenômenos políticos contemporâneos que são complexos, pela quantidade de material existente e pelo seu caráter propositalmente errático. Assim, a obra, está em diálogo com toda uma leva de estudos sobre tal direita no Brasil e no mundo, vide produções de autores como Cas Mudde (2000), Fausto (2017), Giuliano da Empoli (2020), Rocha (2023), Jairo Nicolau (2020), nossa própria produção sobre o tema, (Paiva, 2021), etc. Sendo esse um aporte que ao ser analisado em conjunto, com suas discordâncias e particularidades, aponta, de algum modo, para um novo fortalecimento da direita na era da internet, e há um risco da direita radical, porque estão florescendo ideias contrárias aos princípios democráticos, que desgastam instituições republicanas aos poucos e até por dentro da própria máquina pública.

Nesse sentido, o estudo do quadro brasileiro é útil para outros países, porque vemos um caso em que tais instituições, com suas dificuldades, conseguiram barrar a guerra cultural bolsonarista e olavista. Valendo destacar essa importância das resistências jurídicas; Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, surgiu como um dos principais adversários do projeto golpista em curso.

O livro O populismo reacionário, além de introdução e conclusão, é formado por quatro capítulos. Ele aborda o ressurgimento de fissuras no projeto ideológico das democracias liberais, com feridas que vão desde os atentados de 11 de setembro até a crise econômica de 2008. Há discursos de que tal democracia liberal já não conseguiria expressar uma vontade popular. Uma representação verdadeira exigiria reaproximação com o autêntico povo, indo contra distorções produzidas pelos agentes das elites. Essa forma de representação, que evita mediação entre o povo e seus representantes, é o que os autores chamam de populismo, podendo ser de esquerda ou direita, moderado ou exacerbado (Cassimiro & Lynch, 2022, pp. 13-18).

A definição é: estilo de fazer política, típico, de espaços democráticos ou de massas praticado por um líder carismático, que diz representar uma maioria contra o restante da sociedade, com discursos preferencialmente baseados em afetos. É uma manifestação contemporânea do que Pierre Rosanvallon chama de representação encarnada (Cassimiro & Lynch, 2022, pp. 15-16).

Os autores apontam, como estilo, três características marcantes: o apelo ao povo, o politicamente incorreto e a percepção de que existiria uma ameaça contra o povo. O politicamente incorreto é importante para ir contra o tecnocrático. Já o uso retórico de um perigo iminente envolveria um poder extra para o líder, de medidas excepcionais de salvação (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 17).

Populistas de direita no Brasil foram Jânio Quadros, Carlos Lacerda e Fernando Collor. Tal modelo de direita busca uma preservação da dita ordem pelo recurso da autoridade. O povo é formado por empresários e famílias, de valores tradicionais, ameaçados por uma minoria subversiva (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 18).

O populismo moderado é visto como algo que pode mesmo fortalecer o sistema democrático. Já o radical desafia o Estado de Direito, em nome de uma democracia iliberal. O populista radical cria deliberadamente conflitos, sua gestão incompetente é encarada como autenticidade. Para obter engajamento, hoje, temos Fake News produzidas e emitidas em linguagem chula, com marcas de urgências, deboches e violência. Em um desejo irrestrito à liberdade de expressão, porque isso favorece seus métodos de mentira e difamação (Cassimiro & Lynch, 2022, pp. 19-20).

O reacionário é visto como uma força contra processos de democratização, liberalização e secularização, que marcam o mundo moderno. Os reacionários datam, sobretudo, dos esforços contrarrevolucionários durante e depois da Revolução Francesa (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 23). Nesse sentido é um conservadorismo radical; o conservador deseja mudança dentro da ordem, o reacionário quer regeneração de uma mítica ordem perdida. Frequentemente o reacionário busca uma revolução conservadora, envolvendo uma sensação decadentista e temores apocalípticos (Cassimiro & Lynch, 2022, pp. 23-24). A apregoada civilização judaico-cristã ocidental dos reacionários é anti-iluminista, rechaçando valores como tolerância, Estado de Direito e laicidade (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 74).

A novidade do reacionário populista de hoje está mais em seus meios. Para irem além de uma roda de católicos ultramontanos, a direita se atualizou, ampliando seu público, com técnicas de mobilização e radicalização adaptadas do fascismo, com um apelo ao irracionalismo e teorias da conspiração (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 25).

No Brasil os reacionários eram um grupo minoritário, enquanto a direita orbitava por um conservadorismo estatal1 ou atores sociais que colocavam ênfase no livre desenvolvimento das forças de mercado.2 Existindo também uma via de um conservadorismo culturalista, com José de Alencar, Gilberto Freyre e Almir de Andrade. Versão radical da direita era a de figuras reacionárias católicas, vide Brás Florentino e Jackson de Figueiredo. Do flerte da direita com o nazismo e o fascismo, vale lembrar, existindo também o integralismo de Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso.

O capítulo 1, A crise da nova república: ascensão, fastígio e declínio do judiciarismo, é um capítulo bastante interessante, mesmo que pareça um desvio do tema central do livro. Nele se aborda uma revolução judiciarista, nos anos de 1990, que fomentou uma judicialização da política. O que possui relação com o ativismo jurídico expresso pela operação Lava Jato, e a formação de um bloco de direita de oposição ao PT, Partido dos Trabalhadores.

O judiciarismo é um discurso velho, tendo tido um amadurecimento no território com a própria atuação de Rui Barbosa. Mas seu ambiente mais favorável só surge nos anos 90, com o fim da tutela autoritária dos militares e com nossa nova constituição. Em uma ascensão de novos atores jurídicos coroados pelo neoconstitucionalismo, que recebeu influência do pensamento liberal, através de Raymundo Faoro, Rawls, Dworkin etc. E Luís Roberto Barroso, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, é um liberal democrata que aposta nessa atuação jurídica como instrumento de superação do atraso.

O cenário conturbado, jurídico, econômico etc., abriu espaço para várias manifestações em 2013, e criou-se o ambiente propício para o surgimento de um candidato presidencial antissistema. Essa ação proativa do direito, contra os políticos, terminou gerando resistências e jogos de forças. O ex-presidente Temer é visto como uma força para proteger essa oligarquia política contra os expurgos judiciários.

Já Bolsonaro, seu sucessor, é lido como um político de direita radical, com uma clientela habitual nostálgica da Ditadura Militar. Esse na presidência pode explorar, mais, um sentimento contra o sistema, em uma guerra cultural amparada em diversas técnicas de propaganda e permanente intimidação dos críticos (Cassimiro & Lynch, 2022, pp. 66-67).

Sobre essa revolução jurídica, os autores dizem que ela, como na Itália da operação Mãos Limpas, terminou ajudando na desmoralização do sistema político (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 66). Curioso como o capítulo não aborda, de forma mais contundente, atuações de certos atores de destaque do Supremo Tribunal, como o próprio Joaquim Barbosa.

O capítulo 2, O populismo reacionário no poder: uma radiografia ideológica da presidência de Bolsonaro (2018-2021), faz análise das forças políticas em disputa, examinando características ideológicas. Os autores relembram como governos normais tendem ao centro, seja de direita ou esquerda, buscando uma administração eficiente. Mas, Bolsonaro não ilustra tempos normais (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 73).

A leitura deles sobre a obra de Olavo de Carvalho poderia ser mais detalhada, mas o ponto central é esse: Olavo representa uma direita com elementos de decadentismo, receio de elites cosmopolitas, o globalismo, a distinção entre amigos vs inimigos etc. Em um conflito entre bem e mal; em que o mal é representado, por exemplo, pelo que ele define como marxismo cultural, com falas contra a secularização (Cassimiro & Lynch, 2022, pp. 77-79).

Olavo lê e articula intelectuais conservadores, contudo também se utiliza de clássicos da literatura reacionária, somados com autores ocultistas ou irracionalistas, vide Guénon, Evola e Carl Schmitt. Também falando os autores do uso de Voegelin e Dugin, igualmente lidos nessa chave de reacionários.

Citando Carvalho (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 81), eles relembram como Olavo disse que era para denunciar cada filho da puta, atirar na cara dele, recusar tolerância ou respeito. Defendendo descriminação, opressão e achincalhamento; tudo isso seria justificado.

O governo Bolsonaro foi uma soma de forças de direita. Algumas conservadoras, vide certa ala militar, outras mais liberais, vide o então ministro Sérgio Moro, e uma ala mais reacionária, que criou o Gabinete do Ódio, envolvendo até parte da própria família Bolsonaro. Existindo, dentro de tal direita, um elemento econômico neoliberal, que também detesta o Estado, e está representado por Paulo Guedes. Lembrando os autores (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 108) como essa relação entre liberalismo político e econômico é mais complexa do que pode parecer. Roberto Campos, um dos maiores autores liberais do Brasil, mostrou descaso com o regime democrático (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 110). Os autores apontam, assim, que o ponto fraco dos neoliberais é a impopularidade de seu programa, o que pode levar a esse aliar-se com soluções autoritárias (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 111).

O capítulo 3, Estratégia política e organização do populismo reacionário no poder, fala mais do caráter paradoxal e dúbio dessa forma de governo. Bolsonaro ataca nossa democracia falando de uma defesa da democracia, acusa o guardião legal da Constituição de inconstitucionalidade, e por aí vai.

O conceito de democracia iliberal e a obra de Schmitt são úteis para análise desse tipo de governo. Discutindo Donoso Cortès, os autores falam que o milagre desse tipo de líder reacionário é a capacidade de dar um golpe de Estado, como um ato de legítima defesa, combatendo heresias socialistas e liberais (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 125). O bolsonarismo possui uma interpretação teratológica do art. 142 da Constituição (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 130). É uma soma frágil doutrinária entre a teoria reacionária de Cortès, uma reelaboração de Carl Schmitt e uma própria tradição brasileira de golpismo.

É um governo de negacionismo estrutural, como o de Donald Trump. Em discursos que precisam desqualificar fontes legítimas de conhecimento dentro do mundo moderno (Cassimiro & Lynch, 2022, pp. 136-138). Outro elemento interessante, o conspiracionismo é emoção para pessoas frustradas, ressentidas, com a mediocridade de suas vidas (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 158). Lembrando os autores, em outro momento do livro, como esse bolsonarismo foi porta de entrada pública para uma série de atores sociais antes desconhecidos; esses ganharam relevância ou poder, mesmo concorrendo a cargos legislativos.

O capítulo 4, Uma revolução reacionária frustrada?, aponta para algo que se confirmou. A tentativa de golpe de Estado não se sustentou. Falando os autores da questão de um possível autogolpe e arruaça eleitoral.

Os autores apontam que hoje nossas Forças Armadas possuem menos incentivos, internos e externos, em comparação com o golpe de 64. Por isso, a eterna promessa de Bolsonaro sobre um golpe militar parece um blefe. Suas ameaças são vagas e calculadamente ambíguas.

Os autores, porém, previram que Bolsonaro ia criar um cenário de caos para barganhar sua entrega do poder, em uma busca por imunidade mesmo jurídica (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 170). O que é interessante para o Centrão do Legislativo, essa ideia de um Executivo e um Judiciário enfraquecido, até para eles tentarem ganhar mais poder (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 182).

É interessante ler, junto ao livro de Cassimiro e Lynch, também a obra de João Cezar de Castro Rocha (2023), que termina sendo uma atualização, em alguns pontos, sobre como foi conturbada tal transição de Bolsonaro.

O livro fecha com uma conclusão, chamada O paradoxo do parasita. Nela voltamos para o ponto de que não há democracia sem crises de legitimidade. O paradoxo do parasita, para os autores, envolve o fato de que esses políticos vivem de explorar o ódio ao sistema democrático, contudo não sabem se sobreviveriam fora dele. Talvez eles morressem junto com essa democracia. O livro encerra falando que pelo prejuízo que causam não devem ser tolerados. Conhecer seus dilemas e estratégias é tarefa para que possamos combatê-los (Cassimiro & Lynch, 2022, p. 192).

Nossas considerações finais envolvem dizer que o livro é bastante rico e útil para se estudar tal direita contemporânea. A obra mostra que, através de diferentes formas, tal direita sempre esteve presente no Brasil, seja no Império ou em certos partidos fisiológicos do Centrão atual. A direita está aí desde o Império, o que aconteceu foi então uma radicalização.



Notas

1 José Bonifácio, Bernardo Pereira de Vasconcelos, Visconde de Uruguai, Alberto Torres e Oliveira Vianna.

2 Alberto e Campos Sales, Joaquim Murtinho e Eugênio Gudin.


Referências

Cassimiro, P. H., & Lynch, C. (2022). O populismo reacionário: ascensão e legado do bolsonarismo. Contracorrente.

Empoli, G. da. (2020). Os engenheiros do caos. Vestígio.

Fausto, R. (2017). Caminhos da esquerda: elementos para uma reconstrução. Companhia das Letras.

Mudde, C. (2000). The ideology of the extreme right. Manchester University Press.

Nicolau, J. (2020). O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. Zahar.

Paiva, M. J. de. (2021). Analisando a qualidade da democracia brasileira: a ascensão de Olavo de Carvalho como um reflexo da desconfiança política e da falta de accountability. Leviathan (São Paulo), 17, 1-20. https://www.revistas.usp.br/leviathan/article/view/158671

Rocha, J. C. de. C. (2023). Bolsonarismo: da guerra cultural ao terrorismo doméstico. Autêntica.




Inicio