Avances en Psicología Latinoamericana
ISSN:1794-4724 | eISSN:2145-4515

Representações de família em calouros de Psicologia: estudo longitudinal

Representaciones de familia en novatos de Psicología: estudio longitudinal

Family Representations in Psychology Freshmen: A Longitudinal Study

Lucas Rossato, Tales Vilela Santeiro, Valéria Barbieri, Fabio Scorsolini-Comin

Representações de família em calouros de Psicologia: estudo longitudinal

Avances en Psicología Latinoamericana, vol. 40, núm. 2, 2022

Universidad del Rosario

Lucas Rossato a

Universidade de São Paulo, Brasil


Tales Vilela Santeiro

Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil


Valéria Barbieri

Universidade de São Paulo, Brasil


Fabio Scorsolini-Comin

Universidade de São Paulo, Brasil


Recepção: Julho 14, 2021

Aprovação: Junho 21, 2022

Informação adicional

Para citar este artigo: Rossato, L., Santeiro, T. V., Barbieri, V., & Scorsolini-Comin, F. (2022). Representações de família em calouros de Psicologia: estudo longitudinal. Avances en Psicología Latinoamericana, 40(2), 1-14. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.9234

Resumo: Este estudo longitudinal teve por objetivo conhecer as representações de família por parte de estudantes de um curso de Psicologia a partir de dois momentos da formação: no início do curso, na transição para a universidade, e ao final do primeiro semestre letivo. Participaram 16 estudantes de Psicologia de uma universidade pública com idades entre 17 e 21 anos, entrevistados individualmente nesses dois momentos e submetidos a uma intervenção grupal que contou com a discussão de filmes que retratavam o tema família. Nas primeiras entrevistas a família emergiu como espaço afetivo-relacional que transcende laços consanguíneos, em uma concepção ampliada. Nas entrevistas finais, emergiu a dificuldade para definição de uma representação única que englobe todas as possibilidades de ser família. O exercício de reflexão promovido pelas atividades permitiu que os estudantes transitassem de uma representação mais cristalizada do que é família para uma leitura mais flexível sobre o que pode ser essa instituição e suas configurações. Em um contexto sociocultural permeado por discursos sociopolíticos em defesa de uma única representação familiar, atividades como a apresentada neste estudo podem fornecer condições para formação de psicólogos críticos e comprometidos com as diferentes possibilidades de ser família na atualidade.

Palavras-chave: família, características da família, psicologia, ensino superior.

Resumen: Este estudio longitudinal tuvo como objetivo conocer las representaciones de la familia por parte de los estudiantes de un curso de psicología, a partir de dos momentos en la formación: inicio del curso en la transición a la universidad, y al final del primer semestre académico. Participaron 16 estudiantes de psicología entre 17 y 21 años de una universidad pública, entrevistados individualmente en estos dos momentos y sometidos a una intervención grupal que incluyó la discusión de películas que retrataban el tema de la familia. En las primeras entrevistas, la familia surgió como un espacio afectivo-relacional que trasciende los lazos consanguíneos, en una concepción expandida. En las entrevistas finales, se evidenció la dificultad de definir una sola representación que abarque todas las posibilidades de ser familia. El ejercicio de reflexión promovido por las actividades permitió a los estudiantes pasar de una representación más cristalizada de lo que es una familia a una lectura más flexible de lo que puede ser esta institución y sus configuraciones. En un contexto sociocultural permeado por discursos sociopolíticos en defensa de una representación familiar única, actividades como la presentada pueden brindar condiciones para la formación de psicólogos críticos comprometidos con las diferentes posibilidades de ser familia actualmente.

Palabras clave: familia, composición familiar, psicología, educación superior.

Abstract: This longitudinal study aimed to know the representations of family by students of a psychology class at two moments of their educational training: the beginning of the course, during the transition to university, and the end of the first academic semester. Sixteen psychology students from a public university aged between 17 and 21 participated, were individually interviewed during those two moments and submitted to a group intervention that included the discussion of films that portrayed the theme of family. In the first interviews, the family emerged as an affective-relational space that transcends consanguineous ties in an expanded conception. In the final interviews, the difficulty emerged in defining a single representation that encompasses all the possibilities of being a family. The reflection exercise promoted by the activities allowed the students to move from a more crystallized representation of what a family is to a more flexible reading of what this institution and its configurations can be. In a sociocultural context permeated by discourses defending a single family representation, activities such as the one presented in this study can provide conditions to train critical psychologists committed to the different possibilities of being a family today.

Keywords: Family, family characteristics, psychology, higher education.

A profissão de Psicologia foi regulamentada no Brasil há pouco menos de 60 anos pela Lei n° 4119, de 27 de agosto de 1962 (Brasil, 1962). Desde então, essa profissão tem passado por diversas transformações, a partir de iniciativas que procuram repensá-la em seus múltiplos aspectos, como a produção de conhecimento acerca da ciência psicológica, a atuação profissional, o ensino e a sua organização (Antunes, 2012).

Desde 2004 a formação tem sido orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Psicologia (dcn), que foram atualizadas em 2011. As dcn fornecem orientações sobre a organização curricular e os princípios, fundamentos, condições de oferecimento e procedimentos para o planejamento, a implementação e a avaliação deste curso no Brasil (Brasil, 2011). Elas foram resultado de um longo debate que ainda permanece em movimento (Bastos & Gondim, 2010; Cury & Ferreira Neto, 2014; Feitosa, 1999; Yamamoto & Costa, 2010).

As dcn ponderam que a formação em Psicologia deve possibilitar ao estudante, por meio de disciplinas e estágios obrigatórios, básicos e específicos, de atividades complementares e, eventualmente, de estágios não obrigatórios, a compreensão dos sujeitos, de instituições e comunidades, levando em conta as relações que estabelecem entre si e as influências que exercem uns sobre os outros. O processo formativo deve se basear em princípios e compromissos que proporcionem a produção de conhecimentos e a atuação em diferentes domínios, considerando-se os múltiplos referenciais, capazes de abarcar a complexidade dos fenômenos psicológicos, além de fomentar a compreensão crítica de aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais do país (Baima & Guzzo, 2015; Brasil, 2011).

Deste modo, é necessário que desde o processo de formação, os estudantes compreendam os aspectos relacionados ao desenvolvimento dos sujeitos e suas inter-relações com o espaço social e institucional, considerando que pessoas e instituições estão em constante mudança. Entre as instituições, a familiar é destacada neste estudo, pois se constitui como uma das mais relevantes do ponto de vista sociocultural, um vértice fundamental dentro do desenvolvimento humano (Falceto & Waldemar, 2013; Leerkes et al., 2020; Morris et al., 2017). Assim, estudar o conceito de família durante o processo de formação em Psicologia é uma forma de compreender o humano e a sua organização, sua socialização e também as inequívocas relações com a formação da personalidade e da estruturação do psiquismo desde as primeiras relações (Féres-Carneiro, 2014).

A família na contemporaneidade tem sido repensada em função de diversas mudanças ocorridas nos cenários sociocultural e econômico, em um movimento dinâmico, complexo e contínuo (Bornstein, 2012; Riany et al., 2017). Como exemplos dessas mudanças podemos destacar o aumento no número de divórcios, do controle da natalidade, da inserção da mulher no mercado de trabalho, da possibilidade de novas uniões, do surgimento de novas tecnologias reprodutivas e do declínio do patriarcado (Santos & Gomes, 2016).

Além disso, tem sido cada vez maior o número de famílias recompostas, monoparentais, por adoção e compostas por casais do mesmo sexo (Rodriguez & Gomes, 2012). Tais aspectos demonstram que a família nuclear “tradicional”, composta por um casal heterossexual e filhos biologicamente relacionados está em declínio. Tal movimento tem permitido a emergência de novas estruturações, ampliando as possibilidades de exercício da parentalidade e da conjugalidade e também conferindo visibilidade a configurações que outrora mostravam-se submetidas a uma lógica de exclusão social, como as famílias chefiadas por mulheres solo ou nas quais a parentalidade é exercida pelos(as) avós, por exemplo (Vitorello, 2011).

Devido à pluralidade e ao dinamismo que as famílias apresentam, elas podem ser analisadas sob perspectivas teóricas diversificadas e precisam ser consideradas pela Psicologia, em especial nos contextos de formação profissional. Sabe-se que a construção da subjetividade dos sujeitos, o desenvolvimento da autonomia e as próprias conjunturas familiares, muitas vezes se desenvolvem no interjogo de experiências vividas continuamente entre as esferas individual e familiar/grupal. Considerando isso, cabe à formação em psicologia problematizar, discutir e refletir junto com os estudantes a importância da família no desenvolvimento humano, considerando tanto os aspectos positivos como os negativos presentes nessa instituição.

Para além da importância das discussões teóricas acerca da família e da problematização de suas transformações ao longo do tempo, é mister considerar que essa noção faz parte das experiências tanto de estudantes quanto dos futuros profissionais de Psicologia. Assim, não se trata de um conceito apartado da realidade vivenciada na formação. No caso desses estudantes, a complexidade revela-se não apenas em termos das especificidades desse campo de estudos, mas pelo fato de que a instituição familiar atravessará de modo direto ou mais tangencial a maioria das reflexões e intervenções ao longo dos anos de formação e também para além desta. Apropriarse desse campo e refletir sobre as ressonâncias desse conceito na própria vida e nas próprias experiências familiares parece ser um desafio importante na formação desses profissionais, evocando a necessidade de um processo formativo vivencial.

Ao ingressar na universidade os estudantes trazem consigo toda a carga de vivências familiares estabelecidas até então. Nesse processo de adaptação ao ensino superior, mudanças significativas em termos das novas demandas também podem interferir nessas vivências, havendo maior proximidade ou maior distanciamento com os membros da família e permitindo diversas reflexões acerca desse fenômeno a partir não apenas de experiências pessoais, como oportunizadas pelo estudo da família em um contexto científico, crítico e que, possivelmente, pode desconstruir diversos posicionamentos solidificados ao longo do desenvolvimento.

A partir do exposto, este estudo objetiva investigar representações do conceito de família apresentadas por estudantes de Psicologia em dois momentos distintos: durante o ingresso no curso e ao final do primeiro semestre letivo. Aventa-se que esses momentos sejam importantes marcadores da transição para o ensino superior, ampliando a possibilidade de que possíveis mudanças sejam reconhecidas e problematizadas para se pensar a formação em Psicologia. Para potencializar a reflexão, esses jovens foram submetidos a uma intervenção grupal para a discussão do conceito de familia mediado por filmes. Assim, levantaram-se os seguintes questionamentos: haveria alterações nas formas de pensar famílias nesses dois momentos? Como essas eventuais alterações se configurariam em suas vivências acadêmicas e pessoais, quando frequentassem uma atividade extracurricular focada em pensar famílias? Buscando responder a esses questionamentos o presente estudo foi delineado.

Método

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, interventivo, de corte longitudinal e amparado na abordagem qualitativa de pesquisa. Nesse modo de pensar o processo de pesquisa, aprendizados mútuos são estabelecidos entre os envolvidos e estes aprendizados são dependentes do próprio acontecer da investigação (Bleger, 1979/2007).

Participantes

Participaram do estudo estudantes ingressantes em um curso de graduação em Psicologia (N=16), matriculados em uma universidade pública federal, situada na Região Sudeste do Brasil, com idade entre 17 e 21 anos, sendo 15 do gênero feminino e 1 do gênero masculino, todos solteiros. A fim de manter o anonimato, eles foram identificados com a letra P e um número (de 1 a 16).

Instrumento

A fim de permitir a expressão de conhecimentos e sentimentos de modo mais livre e espontâneo por parte dos participantes, foi empregada uma entrevista contendo a seguinte pergunta disparadora: O que é família para você? A partir dessa pergunta, outras questões poderiam ser formuladas pelo pesquisador tendo como referência os objetivos do estudo.

Procedimento

Coleta de dados

O contato inicial entre pesquisador e participantes foi feito em sala de aula. Ao final de uma aula de disciplina oferecida no primeiro semestre de curso, o pesquisador apresentou-se à turma de ingressantes e explicou os objetivos da pesquisa. Dos 30 ingressantes, 16 manifestaram interesse em participar do estudo.

Após esse contato inicial, um encontro com cada participante foi agendado com a finalidade de detalhar a proposta. Nesse momento foi explicado que a pesquisa era composta por três etapas: (1) primeira entrevista (início do semestre letivo de matrícula dos calouros - março 2016); (2) integração ao processo grupal, durante o primeiro semestre letivo (estes grupos não são objeto de relato neste texto); e (3) segunda entrevista (fim do semestre letivo, ocorrida após o término do processo grupal - julho de 2016). O relato deste presente estudo refere-se às etapas 1 e 3.

Os voluntários que concordaram em integrar a proposta receberam e preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (tcle) no ato da primeira entrevista. Aqueles que, por quaisquer razões, não cumprissem as três etapas foram informados de que as respectivas entrevistas não seriam consideradas nas análises (houve uma desistência).

As entrevistas foram realizadas face a face em salas de aula da universidade reservadas para essa finalidade. As entrevistas foram audiogravadas e posteriormente transcritas na íntegra, compondo o corpus analítico.

O processo grupal mencionado na etapa 2 consistiu em nove encontros. Esse trabalho foi inspirado no modelo de grupos operativos com finalidades de aprendizagem (Bleger, 1979/2007). Por meio dele encontros grupais focados na resolução de determinada tarefa se realizam. Os grupos ocorriam semanalmente em uma sala de aula da instituição de ensino. Inicialmente os participantes se encontravam e assistiam aos filmes que eram apresentados em Datashow. Na sequência realizavam um círculo e quem desejasse começava a falar sobre as representações despertadas pelo filme. O coordenador inicialmente reforçava o acordo estabelecido no contrato de funcionamento do grupo, direcionava a ordem de fala e instigava possíveis reflexões. A tarefa principal consistia em discutir sobre as noções de família em grupo. Nove filmes comerciais foram utilizados, sendo que eles encenavam distintas composições e possibilidades de ser/viver (em) família, e de exercer funções conjugais e parentais, como explicitados na tabela 1.

O primeiro autor foi o coordenador dessas atividades, sendo estas propostas oferecidas em modalidade extracurricular. Também participaram da atividade um co-coordenador e uma psicóloga que auxiliava com anotações sobre o grupo.

Tabela 1
Filmes utilizados (título em português brasileiro), diretor (ano de produção), indicação e composições familiares apresentadas, ordenados conforme a exposição nos encontros
Filmes utilizados (título em português brasileiro), diretor (ano de produção), indicação e composições familiares apresentadas, ordenados conforme a exposição nos encontros


Fuente: elaboración propia.

Análise dos dados

As análises foram fundamentadas nos conteúdos verbalizados livremente, após apresentação da pergunta disparadora. Após leitura flutuante e atenta do material coletado, os dados foram organizados por meio do método do Discurso do Sujeito Coletivo (dsc). O dsc é uma técnica de construção do pensamento coletivo que visa revelar o que as pessoas pensam, como atribuem sentido e manifestam posicionamentos sobre determinados assuntos. Caracteriza-se como uma proposta de organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal (Duarte et al., 2009).

O dsc caracteriza-se pela reunião, em um discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular, de expressões-chave que têm ideias centrais ou ancoragens semelhantes ou complementares (Figueiredo et al., 2013). A cada categoria criada do dsc estão associadas opiniões de sentido semelhante, presentes em diferentes discursos (Lefevre & Lefevre, 2014).

A sistematização dos discursos foi obtida por meio do Instrumento de Análise do Discurso (iad). O iad permite ao pesquisador levantar dados referentes às expressões-chave, ideias centrais e ancoragens dos discursos de cada participante, permitindo agrupar os relatos em unidades de significado e compondo discursos-síntese por meio da união de expressões chaves. As categorias para análise e construção do dsc são estabelecidas a partir da identificação, nos instrumentos de análise de discurso, das expressões-chave, ideias centrais e ancoragens correspondentes. Após a organização e divisão das expressões-chave, de acordo com as ideias centrais, redige-se o dsc, considerando-se não a ordem sequencial da fala dos participantes, mas a coerência interna das palavras que comporão o dsc (Duarte et al., 2009). A interpretação dos resultados ocorreu a partir da literatura da área, sobretudo dos estudos sobre família construídos a partir do referencial psicanalítico.

Considerações éticas

O presente estudo seguiu a Resolução nº 466, de 12/12/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem do primeiro autor [caae: 51495515.5.0000.5154].

Resultados e Discussão

Por meio das entrevistas foi possível organizar nove Discursos Síntese, sendo quatro da entrevista inicial e cinco da final. Após a organização dos dados foram criadas duas categorias para apresentação e discussão dos conteúdos: (1) famílias como espaço afetivo-relacional que transcende laços consanguíneos (composta pelo conteúdo dos Discursos 1, 2, 3 e 4 da primeira entrevista e 1, 2, 3, 4, da segunda entrevista); (2) famílias e suas variações (Discurso 5 da segunda entrevista) que serão apresentadas a seguir.

Famílias como espaço afetivo-relacional que transcende laços consanguíneos

Os conjuntos de Discursos 1, 2, 3 e 4 da primeira e da segunda entrevistas versavam sobre famílias enquanto lócus de relações vinculares ligadas por afetividade, de modo que a consanguinidade e a “estrutura” delas não eram fatores determinantes para delimitá-las. Havia, ainda, ressalva aos sentimentos de pertencimento e às influências que a família exercia na vida das pessoas.

Primeira entrevista

Ideia central: família é uma base e uma influência para as pessoas

dsc 1: “Família era para ser o sustentáculo que a gente tem na nossa vida. Tem tanta influencia na vida de uma pessoa que eu acho que pode construir uma pessoa. Quando você for mais adulto, acho que você vai ter uma base, acho que essa base é a família. É uma constituição de pessoas que educam, que influenciam. Influencia no pensamento que eu tenho como humano, sabe? Coisas boas e ruins. As nossas relações que nós temos com os outros, nós aprendemos primeiro dentro de casa, então acho que é a base do ser humano”.

Ideia central: família não se constitui necessariamente por laços de sangue

dsc 2: “Família é aquilo que você cresce, quem te cria[...] não necessariamente laços sanguíneos, né? É amizade, amor, companheirismo, respeito, cuidado. Porque às vezes a gente encontra família em outras pessoas, em amigo, colega de trabalho. Eu acho que não limitaria família à minha mãe e meu pai e minha irmã. Se eu me relaciono muito bem com uma pessoa eu a considero da minha família, independente dela ter nascido dentro do meu núcleo ou não”.

Ideia central: família é amor, confiança, respeito, apoio, cuidado, amizade

dsc 3: “Família? Eu acho que é união, respeito e amor principalmente né?! É amizade, amor, companheirismo, respeito, cuidado. Acho que é isso, quando tem um relacionamento com pessoas que cercam a gente, que a gente gosta, que a gente cuida e que a gente ama e que a gente tem uma amizade e companheirismo. São pessoas que a gente pode contar sempre, que confiamos. Pessoas que você pode contar para o resto da vida, que seja íntimo para você, que você se sinta bem... não é como qualquer outro lugar da sociedade que talvez eu não possa voltar né?”.

Ideia central: família é uma questão de sentimento, depende do que cada um considera que ela seja

dsc 4: “Eu acho que família é isso não tem uma definição correta, o que importa são os laços que você estabelece com as pessoas que você tende a nomear como família. É uma questão de sentimento, não é muito, tipo, quadradinho não. Família é quem você vive junto, se dá bem. É mais, assim, por exemplo, se eu tivesse um cachorro e eu sentisse que o cachorro é minha família, eu ia dizer que ele faz parte da minha família. Mas a gente considera é, amigos também família”.

Segunda entrevista

Ideia central: família como espaço de acolhimento e apoio

dsc 1: “Acho que um ambiente que possa proporcionar momentos e que seja especial. Eu acho que é um lugar que, que eu sei que eu posso voltar, um lugar que as pessoas podem voltar. É um suporte, uma base que vai te dar segurança e conforto, é apoio. São pessoas que me ajudam. Um ajuda o outro, está junto na dificuldade, está junto quando está em momento bom, pra mim isso é família”.

Ideia central: família não precisa ter laços de sangue

dsc 2: “Acho que família pra mim é, não é um lugar, mas sim um conjunto de pessoas que têm afeto, que não precisa necessariamente ser ligado por, pelo sangue. Existem as famílias que adotam crianças e elas não tem laços consanguíneos, família homossexual também que não tem como ter filhos consanguíneos. É, amigos, parentes. Se você mora com cinco amigos e são as pessoas que você tem na sua vida, que você convive, um ajuda o outro, está junto na dificuldade, está junto quando está em momento bom, pra mim isso é família. Família no meio de amigos e no meio de outras ramificações de parentesco”.

Ideia central: família é espaço de afetividade, cuidado, suporte, amor

dsc 3: “Família é qualquer grupo que conviva com laço. Um grupo de pessoas que se identificam entre si no sentido de criar laços, vínculos afetivos profundos, sabe? Que tenha um cuidado um com outro, que tem sentimento bom um pelo outro. São as relações de afeto. Eu acho que pode ser nosso ponto de partida e nosso ponto de chegada. É onde você sente bem, que você tenha liberdade, que vão estar lá pra você. Não só pessoas, mas também animais. É um lugar de amor, de suporte como eu já disse, de carinho, de amizade. É um conjunto de seres que apresentam afeto entre si, positivo ou negativo”.

Ideia central: família é o que cada um define

dsc 4: “Acho que vai muito da pessoa o que ela considera família para ela, sabe? Acho que é muito subjetivo. Acho que o critério é a pessoa considerar que ela está em uma família ou não. Às vezes também é a pessoa e um animal de estimação. Se uma pessoa com um cachorro, e ela se sentir bem, ela encontrar um apoio emocional significativo no cachorro, ou, é, só em outra pessoa ou às vezes até em ninguém. Se eu morasse com amigos e eu me sentisse bem com eles, seriam minha família, né? É muito difícil ter um conceito universal”.

As concepções de família descritas nos quatro discursos da primeira entrevista e nos quatro primeiros da segunda revelam representações aproximadas a conceitos considerados contemporâneos ligados a vínculos afetivos e a sentimentos, não necessariamente dependentes de laços de parentesco e de consanguinidade. É possível observar que as descrições realizadas nestes discursos são recorrentes nas duas entrevistas, frisando con cepções que são marcadas por enfocar aspectos positivos das relações estabelecidas na família.

Os conteúdos apresentados, neste sentido, exploram aspectos presentes nos dias atuais e fruto das mudanças sociais e históricas ocorridas nos últimos tempos em termos de estruturação da instituição familiar. A família tem se transformado, a começar pelo abandono das definições que no passado foram critério para sua designação como tal, como o casamento entre homem e mulher, a presença de filhos e os laços de sangue. Tem-se percebido que a natureza evolutiva e aberta da família resultou em uma ampla variedade de definições em um continuum (Erlingsson & Brysiewicz, 2015).

Essas mudanças são resultantes de fenômenos globais e têm repercutido nesta instituição, modificando relações e interferindo em sua dinâmica (Falceto & Waldemar, 2013). Tais mudanças, de natureza social, econômica, ética, religiosa, tecnológica, entre outras, emergiram principalmente na segunda metade do século xx e possibilitaram a visibilidade de outros tipos de famílias (GavrielFried & Shilo, 2016). Mas, obviamente, é preciso cautela nesse posicionamento, haja vista que o fato dessas mudanças estarem ocorrendo não significa a desconstrução de uma ideia tradicional de família e a sua perpetuação, principalmente no contexto brasileiro. Pelo contrário, esse movimento de mudança é acompanhado, paradoxalmente, pela manutenção de certos valores familiares tradicionais, reconhecendo a família como um campo de disputa de valores, moralidades e reinvenções (Scorsolini-Comin et al., 2018).

Entre os discursos é possível observar que família é apresentada como um espaço de afetividade, onde os laços estabelecidos proporcionam condições para que as pessoas se sintam acolhidas e seguras, em ambiente capaz de gerar proteção. Essas representações discursivas aparentemente expõem que um espaço, para ser considerado “família”, deve apresentar aspectos positivos das relações entre seus membros, que criem condições para o desenvolvimento de vínculos.

No que concerne aos aspectos afetivos e vinculares envolvidos na família, deve-se considerar que estes elementos nem sempre tiveram o mesmo significado e ainda hoje podem apresentar dicotomias, dependendo da cultura em apreço. Para alguns autores, a instituição familiar teria passado por fases relevantes que modificaram as formas de relacionamento e demarcaram novos modos de ser família durante a história da civilização (Roudinesco, 2003; Vitorello, 2011).

A visão das relações familiares apresentada em parte dos discursos se assemelha em alguns aspectos com um dos períodos de evolução vivido pelas famílias descrito por Roudinesco (2003) como sendo a fase moderna. Nesta fase a família é marcada pela vinculação por laços afetivos, o amor romântico, a reciprocidade de sentimentos, entre outros aspectos.

Na atualidade existem diferentes condições (casamento entre pessoas do mesmo sexo, adoção singular, inseminação artificial, união estável sem casamento oficial entre pessoas, entre outros) que permitem estabelecer relações familiares que rompem com padrões anteriores, socialmente instituídos. Essas configurações familiares têm aparecido com cada vez mais frequência e não se fundam no modelo tradicional de família consanguínea (Golombok, 2017; Rodriguez & Gomes, 2012). O laço consanguíneo, antes determinante para definir a que família o sujeito pertencia, hoje não possui tanta importância (Felippi & Itaqui, 2015). Tais aspectos têm gerado debates acerca de qual seria essa definição, demonstrando variações que são importantes de serem consideradas (De Coninck et al., 2020; Erlingsson & Brysiewicz, 2015; Estrella, 2018; Gavriel-Fried & Shilo, 2016, 2017; Miller, 2016).

Formas de parentalidade não tradicionais, pautadas pela filiação psíquica, e não necessariamente dependente da consanguinidade não estariam em condição periférica de menor valor em comparação com a família nuclear (Rodriguez & Gomes, 2012). Os relacionamentos familiares que esas diferentes possibilidades de organização engendram têm perpassado os espaços de formação e de atuação dos profissionais de Psicologia, sendo necessária a construção de processos de reflexão que os contemplem.

Nos discursos apresentados a família é, portanto, compreendida como aquilo que cada pessoa define e considera subjetivamente. Estudo de Gavriel-Fried e Shilo (2017) evidenciando a literatura científica sobre o assunto expressa que a definição tradicional e heteronormativa da família está sendo alternada por definições pluralistas que abrangem uma gama mais ampla de vínculos emocionais e sociais. Assim, uma família poderia ser qualquer duas ou mais pessoas relacionadas por nascimento, casamento, adoção ou escolha, que compartilham experiências, laços emocionais e sociais e responsabilidades variadas. Ainda segundo os autores, essas novas definições reconhecem que a definição de família é um assunto subjetivo, influenciado por aspectos sociais e culturais.

A definição de família como sendo “o que cada pessoa nomeia” não nega a existência do grupo primário, mas inclui nesta representação o vínculo com outras pessoas, que não necessariamente possuem relação de parentesco e até pode incluir animais, como narrado. Os animais, por exemplo, têm sido evidenciados em artigos científicos (De Coninck et al., 2020) como sendo uma fonte de suporte social importante para pessoas solteiras e benéfica, podendo influenciar inclusive em alguns aspectos psicológicos.

O discurso evidenciado também possibilita inferir que o mais importante é a vinculação, os sentimentos que são construídos ao longo da vida e não os que socialmente são “previstos” e definidos como mantenedores de uma relação familiar. Há que se problematizar, no entanto, que essa amplitude de significados e possibilidades de ser família nem sempre possibilita uma real redefinição do conceito, mas sim a sua aparente confusão diante de outros arranjos importantes para a vinculação, a socialização na vida adulta e a construção de redes de apoio social, sobretudo no momento da transição para o ensino superior.

Nos discursos apresentados é possível observar uma dificuldade em definir família por parte dos estudantes. Esse aspecto precisa ser considerado, pois definir família parece ser uma tarefa complexa que requer reflexões que perpassam, inclusive, as percepções sobre as próprias famílias, haja vista que quando definimos algo partimos da experiência pessoal subjetiva sobre o fenômeno. Assim, o exercício de refletir sobre o que é família pode provocar mudanças nos modos de compreender a própria família. A partir do momento que os estudantes compreendem que existem diferentes configurações familiares e que essas são perpassadas por aspectos simbólicos e subjetivos, criar uma definição única para essa instituição torna-se um desafio.

Famílias e suas variações

O conteúdo do quinto discurso emergiu na segunda entrevista de forma mais ampla e apresenta representações de família enfocadas em diferentes configurações familiares, em maior visibilidade social nos dias atuais. Ele demonstra existirem diferentes formas de ser família, sendo que a estrutura não seria o primordial, mas sim o exercício de funções.

Ideia central: existem vários tipos de familia

dsc 5: “Mudou um pouco da concepção, de família não ser tão fechada. Eu vi que têm vários jeitos de ter uma família. Não é necessariamente um pai e uma mãe. A gente não deve se prender a um tipo só. Mas eu acho que construir novas maneiras de família. Eu acho que aquele negócio de família ser só homem, mulher, criança[...] não! Casais homossexuais também são famílias. Têm outros tipos de família, como que engloba animais e a pessoa ser autossuficiente e se considerar a própria família. Pai, mãe, filho. Pai e avô. Tem só uma mãe e um filho, tem o neto e a avó, o tio e o sobrinho.

Então, têm vários tipos. Vem cachorro, vem passarinho, vem gato, vem tudo”.

A análise do quinto discurso destacou a conscientização sobre a existência de configurações familiares diversificadas que são fruto das mudanças ocorridas nos últimos anos, como as descritas por Roudinesco (2003). Elas se referem à união entre pessoas do mesmo sexo, à constituição de famílias para além dos vínculos consanguíneos, à recomposição familiar após divórcios, ao declínio do patriarcado, entre outros. Neste sentido, a representação dos participantes permite que haja uma família composta por uma única pessoa ou mesmo um sujeito em interação com animais de estimação.

Ao analisar o quinto conjunto discursivo há de ser considerado que configurações familiares diversificadas sempre existiram, porém não tinham a visibilidade observada na atualidade (Golombok, 2017; Gomes & Neves, 2016; Santos & Gomes, 2016). As narrativas sobre as possibilidades de ser família para esses participantes também não pode ser apartada da consideração acerca dos marcadores sociais desses estudantes, em sua maioria brancos, de classe média e ingressantes em uma universidade pública. Desse modo, aventa-se que as configurações relatadas também carregam modelos mais porosos a esse público e sua socialização, o que poderia ser melhor problematizado caso os dados socioeconômicos dos participantes tivessem sido explorados na coleta e na análise dos dados. Ainda que tais marcadores não sejam uma variável aqui investigada, há elementos presentes nos discursos que nos impõe a necessidade de problematizar tais elementos.

O quinto discurso evidencia aspectos que integram o cotidiano social que, todavia, podem ser omitidos no processo de ensino quando não problematizados e dialogados. Embora os participantes tivessem conhecimento da existência destas outras possibilidades de ser família, eles não as mencionaram na entrevista inicial. Contudo, após os processos de grupo terem ocorrido, múltiplas formas de ser família e exercitar a parentalidade passaram a integrar os discursos, sugerindo que a realização dessa atividade contribuiu para favorecer o desenvolvimento de uma representação familiar mais flexível, tolerante e inclusiva. Sendo assim, esse tipo de resultado demarca que ideias tradicionais de família ainda figuram como norma instalada no imaginário coletivo, sendo as demais configurações e possibilidades familiares geralmente classificadas a partir dessa referência (Santos et al., 2013).

Estas possibilidades de ser e viver em família além do modelo nuclear necessitam ser consideradas em processos de formação de futuros psicólogos, pois existem omissões quanto a elas nas grades curriculares de vários cursos, além da verbalização constante por parte de professores e profissionais de que esta instituição estaria em crise e rumo ao declínio. No Brasil, um movimento ilustrativo dessa tentativa de deslegitimar as famílias que não se inscrevem no arranjo tradicional pode ser encontrado no Projeto de Lei n° 6583/13 apresentado na Câmara Federal, o qual criaria o Estatuto da Família, definindo-a como núcleo formado por meio da união entre homem e mulher (Felippi & Itaqui, 2015). Neste projeto havia menção de que a família vem sofrendo com as rápidas mudanças sociais, enfrentando uma situação de crise e que não existiam políticas públicas para a valorização desta instituição.

Polêmicas em torno desta suposta crise da família não constituem algo novo na nossa história (Felippi & Itaqui, 2015), pois há que ser considerado que esta instituição esteve e está em transformação constante ao longo dos anos. Porém, delimitá-la à definição proposta no referido Projeto de Lei caracteriza-se como um retrocesso e uma legitimação da heteronormatividade por uma Lei Federal. Em última instância, projetos como esse podem tolher direitos adquiridos pelas pessoas de se organizarem em relacionamentos que poderiam ser descritos como família.

É importante ressaltar que esse trabalho não considera que exista uma crise nos modelos familiares, pois estas diferentes configurações sempre existiram e estiveram em constantes transformações. Como afirma Roudinesco (2003), para os pessimistas que pensam que a civilização corre o risco de ser engolida por clones, bárbaros, bissexuais ou delinquentes de periferia concebidos por pais desvairados e mães errantes, estas manifestações não são novas. Assim como a família do presente, a família do futuro deve, mais uma vez, passar por processos de reinvenção que não operam apenas por meio de rupturas, mas também de permanências (Scorsolini-Comin et al., 2018).

Considerações finais

Os resultados do presente estudo evidenciam diferentes concepções acerca da família que extrapolam a discussão em torno de sua estrutura e permitem uma leitura mais flexível para relações e sentimentos que dialogam, de algum modo, com o que pode ser considerado família. Debates sobre família são importantes no processo formativo em Psicologia devido ao papel fundamental que essa instância assume no desenvolvimento das subjetividades, na normalidade e na patologia, e às influências que exerce no contexto sociocultural. Esse tipo de atividade não finda e nem finda o próprio tema gerador das entrevistas, uma vez que as constantes transformações ligadas à história individual de cada sujeito, às dimensões históricas, socioculturais e políticas se alternam ao longo do tempo, produzindo novos sentidos e possibilidades de ser, viver e pensar sobre família. A Psicologia deve estar atenta a quaisquer possibilidades de limitação e naturalização do que venha a ser família. A delimitação eventual de conceito unívoco implicaria, dentre outras possibilidades restritivas, em serem apartadas modalidades contemporâneas de ser família, as quais somente nos últimos anos têm podido desfrutar de maior visibilidade.

O dsc contribuiu para o levantamento de possíveis discursos sobre o que representa família para estudantes calouros. Ao fazê-lo, trouxe à baila a importância de existirem propostas de atividades no momento de chegada à universidade para ensejar a reflexão e, se for o caso, o reposicionamento frente a temas caros à formação do psicólogo, como é o caso da instituição familiar. Os Discursos Síntese elaborados estiveram ligados à concepções-vivências de família situacionalmente enquadrados em um determinado tempo e espaço dos participantes. Porém, não se limitaram a isso.

Os resultados também mostraram que o ingresso no curso de Psicologia, atrelado à participação em processos grupais e outras atividades acadêmicas como atividades de extensão, pesquisa, grupos de estudo, podem possibilitar mudanças na formação acadêmica e em aspectos pessoais dos participantes. Obviamente que os resultados aqui discutidos devem ser problematizados tendo como mediadora a intervenção grupal por meio de filmes. Assim, as definições de família trazidas nos dois momentos não sofreram influências apenas da formação em Psicologia ou do processo de ingresso e adaptação à universidade, mas tendo como disparador um espaço potente para o endereçamento de tais reflexões. Assim, esses achados devem ser refletivos considerando esse contexto específico de produção em um recorte longitudinal.

As mudanças pessoais mencionadas podem ser tidas como produtos da reflexão proporcionada conjuntamente, por meio do processo grupal, sobre diferentes possibilidades de ser e viver família, mas também por intermédio da internalização dos conteúdos estudados em sala de aula e em outros ambientes universitários. Assim, o tipo de constatação que trata sobre eventuais mudanças carece de compreensão a partir de um duplo movimento: o que vai no sentido da vivência universitária de modo geral (extragrupo), até o que toca as vivências localizadas num tempo e espaço próprios ao grupo (intragrupo). O que foi vivido extragrupo e intragrupo não pode ser considerado isoladamente, sob o risco de desvalorização do que se pretendeu apresentar até aqui.

Como foi dito anteriormente, o teor de debates sobre o papel que o processo grupal pode ter ocupado nos relatos dos participantes foi englobado nas análises, porque isso foi ressaltado livremente por eles. E, considerando isto (bem como os limites inerentes nesta consideração), indaga-se: no segundo conjunto de entrevistas os estudantes estariam contemplando as vivências estabelecidas em âmbito grupal como tendo consolidado nova experiência de viver família? – Uma família constituída por pares e por reconhecimento mútuo de o eu ser, também, eu em grupo, um grupo-família de estudantes de Psicologia?

É importante considerar que essas experiências ocorreram em um momento de vida no qual muitos dos participantes haviam se distanciado fisicamente do ambiente familiar pela primeira vez. Esse distanciamento e a importância da relação com os pares nesse momento provavelmente interferiram nos relatos, como no instante em que os dsc indicaram desconforto por não conseguir “definir” o que seria família. Para estudos futuros, recomenda-se que esses estudantes possam ser acompanhados por um período mais longo, a fim de possibilitar o acesso a possíveis mudanças decorrentes do processo formativo e não mediadas por intervenções focais que, de certa forma, compunham um espaço privilegiado para esse debate. Reforçar a importância desses conhecimentos e dessas experiências refletivas na formação em Psicologia é uma recomendação premente a partir do presente estudo.

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Autor notes

a Dirigir correspondência à Lucas Rossato. Endereço: Rua Prudente de Morais, Nº 888, Ribeirão Preto, São Paulo, cep: 14015-100, Brasil. Correio eletrônico: rossatousp@usp.br

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