Avances en Psicología Latinoamericana
ISSN:1794-4724 | eISSN:2145-4515

Questionário sobre qualidade de vida de atletas: adaptação e evidências de validade para bailarinos

Encuesta sobre la calidad de vida de los atletas: adaptación y evidencias de validez para bailarines

Survey on Quality of Life of Athletes: Adaptation and Validity Evidences for Dancers

Andressa Melina Becker da Silva, Sônia Regina Fiorim Enumo, Renan de Morais Afonso, Murilo Fernandes de Araújo, Tatiane Stephan Rocchatti Luz, Lucas de Francisco Carvalho, Isabella Goulart Bittencourt

Questionário sobre qualidade de vida de atletas: adaptação e evidências de validade para bailarinos

Avances en Psicología Latinoamericana, vol. 37, núm. 1, 2019

Universidad del Rosario

Andressa Melina Becker da Silva

Universidade de Sorocaba, Brasil


Sônia Regina Fiorim Enumo

Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil


Renan de Morais Afonso

Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil


Murilo Fernandes de Araújo

Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil


Tatiane Stephan Rocchatti Luz

Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil


Lucas de Francisco Carvalho

Universidade São Francisco, Brasil


Isabella Goulart Bittencourt

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil


Recepção: 10 Fevereiro 2016

Aprovação: 19 Setembro 2018

Informação adicional

Para citar este artigo: da Silva, A. M. B., Enumo, S. R. F., Afonso, R. de M., de Araújo, M. F., Luz, T. S. R., Carvalho, L. de F., & Bittencourt, I. G. (2019). Questionário sobre qualidade de vida de atletas: adaptação e evidências de validade para bailarinos. Avances en Psicología Latinoamericana, 37(1), 121-131. Doi: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.4575

Resumo: A qualidade de vida consiste em um construto mul­tidimensional composto por dimensões cognitivas, emocionais e comportamentais, de socialização e per­cepção de saúde. O objetivo deste estudo foi verificar as evidências de validade do Questionário de Qua­lidade de Vida sobre Atletas (qqva) aplicando-o em bailarinos adolescentes (qqva-b). Foram avaliados 313 bailarinos, com idade entre 10 e 19 anos (M = 15.56; ± 3.59), durante festivais de dança no Brasil de caráter nacional e internacional. Foi realizada a verificação das evidências de validade de conteúdo (avaliação de especialistas para pertinências teórica e prática, com adaptações para bailarinos e linguagem – acessível para adolescentes), além da verificação das evidências de validade da consistência interna, com análise fatorial exploratória e confirmatória. Os resultados, discutidos ao longo do artigo, indicam que o instrumento apre­senta propriedades psicométricas satisfatórias para ser utilizado em bailarinos.

Palavras-chave bailarinos, qualidade de vida, psico­logia do esporte, testes psicológicos.

Resumen: La calidad de vida es un constructor multidimensional e incluye dimensiones cognitiva, emocional y compor­tamental, de socialización y percepción de la salud. El objetivo de este estudio fue evaluar la evidencia de validez de la escala Calidad de Vida para los Atletas (qqva) aplicándola en bailarines adolescentes (qqva-b). Se evaluaron 313 bailarines, con edades entre 10 y 19 años (M = 15.56; ± 3.59) durante los festivales de dan­za en Brasil, en nivel nacionales e internacionales. Se realizó la verificación de las pruebas de la validez de contenido (la evaluación de expertos con la pertinencia teórica y práctica, con adaptaciones para los bailarines y lenguaje accesible a los adolescentes) y de la validez de las pruebas de consistencia interna, con un análisis factorial exploratorio y confirmatorio. Los resultados discutidos en todo el artículo, indican que el instrumento tiene propiedades psicométricas satisfactorias para su uso en los bailarines.

Palabras clave: bailarines, calidad de vida, psicología del deporte, pruebas psicológicas.

Abstract: The quality of life is a multidimensional construct and includes cognitive, emotional and behavioral, socializa­tion and health perception dimensions. The aim of this study was to verify evidences of validity of the Quality of Life Questionnaire for Athletes (qqva) applying it in adolescent dancers (qqva-b). We evaluated 313 dancers, aged between 10 and 19 years (M = 15.56; ± 3.59) during dance festivals in Brazil, national and international level. Verification of validity evidences (expert evaluation to theoretical and practical pertinence, with adaptations for dancers and language - accessible to adolescents) was performed, in addition to verifying the validity evidence of internal consistency, with exploratory and confirmatory factor analysis and Cronbach alfa. The results, discussed throughout the article, indicate that the instrument has adequate psychometric properties for its use in dancers.

Keywords: Dancers, quality of life, sport psychology, psychological tests.

Introdução

A qualidade de vida está relacionada ao grau de satisfação que o indivíduo tem em vários aspectos de sua vida – físicos, psicológicos e socioculturais –, vivenciando-os de forma harmoniosa (Akrana­viciute & Ruzevicius, 2007; Fayers & Machin, 2013). Para esses autores, a qualidade de vida consiste em um construto multidimensional cujas dimensões são cognitivas, emocionais e psíquicas, de socialização e percepção de saúde. Segundo a Organização Mundial da Saúde (oms), a qualidade de vida é influenciada, de forma complexa, pela saúde física, estados psicológicos, relações sociais, nível de independência, entre outros (World Health Organization, 1997).

O exercício físico é um dos aspectos que po­de influenciar diretamente a qualidade de vida, sendo considerada, por Matsudo et al.(2002), um importante fator para a promoção de saúde. Entretanto, atletas são expostos a cargas extremas de treinamento, causando desgaste físico e men­tal, prejudicial à saúde, podendo refletir em efeito reverso da prática física (Aksoy & Aksoy, 2015). Portanto, a análise da qualidade de vida de atletas abrange determinantes: a) objetivos, como a capa­cidade física para o rendimento esportivo, aspectos antropométricos e biomecânicos, condições climá­ticas, entre outras, e b) subjetivos, que incluem os interesses, motivações, expectativas, experiências próprias, opiniões e preconceitos, sentimentos e emoções. Estes últimos possibilitam a avaliação de cada atleta quanto à percepção subjetiva de quais fatores influenciam a qualidade de vida e em que grau ocorre tal influência (Cunha, 2008).

Embora a dança não possa ser considerada um esporte, é possível fundamentá-la a partir dos princípios da Psicologia do Esporte e do Exercício Físico, pois esta prática exige demandas físicas e psicológicas semelhantes às dos outros esportes, além de também haver competições entre equipes e corpos de baile nos festivais de dança (Silva & Tkac, 2012; Silveira & Pinto, 2001). Nesse sentido, toda a demanda exigida nos treinamentos e com­petições pode influenciar na qualidade de vida dos bailarinos. O presente estudo buscou compreender esse contexto para bailarinos adolescentes. Nesse ponto, é importante mencionar que a adolescência é um período marcado pela passagem da infância para vida adulta, caracterizando-se por intensas mudanças, dúvidas e indecisões (Breinbauer & Maddaleno, 2008). Esse aspecto pode agravar sua percepção sobre os treinamentos, aulas e ensaios e reduzir sua qualidade de vida. Deve-se, portanto, atentar para a qualidade de vida desses bailarinos adolescentes, considerando que o nível de exi­gência e treinamento poderá influenciar na saúde física, psíquica e social do sujeito durante esta e outras etapas do desenvolvimento.

Mundialmente, na Psicologia do Esporte, não é difícil encontrar testes válidos para avaliação psicológica em atletas. No Brasil, a validação de instrumentos não é uma prática tão comum, prin­cipalmente quando se refere à Psicologia para o Exercício Físico, mais especificadamente para a dança. Nessa área, há uma carência de instrumen­tos válidos. Até o momento, existe um estudo de validação publicado que se preocupa em mensurar a autoeficácia em bailarinos adolescentes (Silva et al., 2015).

Nesse contexto, muitos profissionais realizam avaliação psicológica em bailarinos utilizando instrumentos válidos para atletas, sem verificar suas propriedades psicométricas e adaptá-los para a realidade da dança, que possui especificidades e que requer atenção (Gonçalves & Belo, 2007; Silva & Tkac, 2012). Lima, Silva e Barreto (2014) avaliaram a qualidade de vida e sua relação com as lesões em onze bailarinos, utilizando o SF-36 (The Medical Outcomes Study 36 – item Short-Form), questionário validado e genérico de avaliação de saúde, para mensurar a qualidade de vida. Embora seja um instrumento de fácil compreensão, não se destina especificamente à área do esporte e da dança. Outro instrumento utilizado para avaliação da qualidade de vida em atletas é o whoqol Bref, desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (Esteves et al., 2015), porém não é específico para atletas e, portanto, apresenta limitações.

Para avaliar os fatores determinantes para a qualidade de vida específica dos atletas, Cunha (2008) construiu e validou o “Questionário sobre Qualidade de Vida de Atletas” ( qqva ) para o Brasil. O instrumento foi baseado no Questionário para Avaliação da Qualidade de Vida [whoqol-100] ( whoqol Group, 1994), proposto pela Organização Mundial de Saúde e destinado a avaliar a qualidade de vida na população em geral. O estudo de vali­dação do qqva (Cunha, 2008) foi realizado com 298 atletas (179 homens e 119 mulheres) de 14 a 20 anos, das modalidades esportivas: natação, voleibol, basquetebol, futsal, futebol, ciclismo, atletismo, handebol, taekwondo, tênis de campo, esgrima e tiro com arco. Sua escolha se deu pelo fa­to de ser um instrumento breve, de fácil aplicação, considerando que em meio à correria das atividades diárias os atletas não têm paciência e tempo para preencher questionários longos. A expectativa do autor era que o instrumento se estruturasse em três dimensões – biológica, psicológica e social. Nota-se que, apesar de seu processo de validação ter sido realizado com atletas de diferentes moda­lidades esportivas, não foram incluídos bailarinos. Desse modo objetivou-se, portanto, verificar as evidências de validade do qqva para a população de bailarinos adolescentes.

Método

Participantes

Participaram do estudo 313 bailarinos brasilei­ros, de ambos os sexos (91.37% mulheres), com idade entre 10 e 19 anos (M = 15.56; ± 3.59). Eles dançam, em média, há 8,11 anos (± 3.86), compon­do uma amostra de conveniência. A maioria tinha Ensino Médio incompleto (38%), seguido de En­sino Fundamental incompleto (34%), Ensino Fun­damental completo (11%), Ensino Médio completo (9%) e Ensino Superior incompleto (8%). O nível socioeconômico dos participantes era, em média, classificado como classe C1 (renda média familiar bruta mensal de 1541.00 reais ou 3513.48 dólares).

Instrumentos

Questionário de Qualidade de Vida sobre Atletas (QQVA)

Como dito anteriormente, o instrumento foi validado por Cunha (2008). Nesse processo, alguns aspectos metodológicos foram seguidos. A validade de conteúdo foi feita com oito juízes especialistas na área, obtendo-se coeficientes para a clareza da linguagem (0.9509) e a pertinência prática (0.9214) considerados bons. Os itens apresentaram cargas fatoriais entre 0.754 e 0.898, e não possuíram cargas fatoriais altas nos outros fatores (menores que 0.280). A consistência interna do instrumento, medida pelo Alpha de Cronbach, foi α = 0.733, considerado válido e fidedigno para avaliação da percepção da qualidade de vida de atletas. Sua versão final é composta por 14 itens agrupados em cinco fatores: a) sinais e sintomas de super­treinamento; b) condições básicas para saúde; c) relacionamento social no ambiente esportivo; d) estados emocionais do atleta; e e) planejamento e periodização do treinamento esportivo.

Por apresentar evidências de validade, o qqva em sua versão final – 14 questões – foi utilizado no presente estudo. No entanto, o instrumento sofreu adaptações em sua linguagem, para que fosse compreendido por bailarinos adolescentes, considerando a faixa etária e as diferenças de con­texto para atletas e bailarinos.

Critério de Classificação Econômica Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [abep, 2013] <http://www.abep.org/novo/Content.aspx?SectionID=84. É um questionário sobre as­pectos socioeconômicos dos participantes para determinar sua classe social. É levantada a quanti­dade de bens materiais e ambientes da residência. A classificação é dada pela soma de pontos dos itens e sua categorização com base numa linha de corte. Os resultados ser classificados nas classes: A, B1, B2, C1, C2, D, E.A classe “A” tem o maior poder aquisitivo (renda média familiar bruta mensal = 29.471.28 dólares) e a classe E, a de menor poder econômico (renda média familiar bruta mensal = 1087.56 dólares).

Procedimento e Análise de Dados

O estudo seguiu as normas éticas estabelecidas pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade (Parecer nº 770.131). Os participantes foram convidados a participar da pes­quisa durante festivais de dança, de caráter nacional e internacional, realizados no Brasil. Os pais ou responsáveis pelos participantes foram informa­dos sobre os objetivos da pesquisa, metodologia, riscos e benefícios, participando voluntariamente após ler e assinar o Termo de Consentimento Li­vre e Esclarecido. A aplicação dos instrumentos ocorreu antes dos ensaios de passagem de palco, no dia da competição.

Inicialmente, foi realizada uma revisão do ins­trumento qqva para o contexto dos bailarinos, sen­do necessário modificar alguns termos, como por exemplo: atleta para bailarino; treinador, equipe técnica para professor, ensaiador; treinamentos para aulas e ensaios; e competições para festivais e espetáculos. Após esta adequação, foram ado­tados alguns procedimentos empíricos. Para a ve­rificação das evidências de validade de conteúdo, seguiram-se as proposições de Pasquali (2004), realizando-se a análise dos itens do instrumento por cinco juízes (dois professores de português, um psicólogo do Esporte, dois educadores físicos com especialidade em dança), para observar a análise semântica, i.e., a compreensão dos itens, e sua pertinência prática e teórica. Para isso, foi utilizado um protocolo adaptado de Balbinotti, Benetti e Terra (2007), que considera a clareza de linguagem, pertinência prática e teórica dos itens do instrumento. Para verificação da clareza de lin­guagem, foi perguntado aos juízes: “Você acha que estes itens são claros o suficiente e, portanto, serão entendidos pelos bailarinos? Em que extensão?”; para a pertinência prática: “Você acha que estes itens são pertinentes para os bailarinos? Em que extensão?”. No espaço para observações, podem ser indicadas falhas, sugerir correções ou mesmo exclusão de determinados itens. Para responder a essas questões, os juízes utilizaram uma escala de cinco pontos: 1 – Pouquíssima, 2 – Pouca, 3 – Média, 4 – Muita, 5 - Muitíssima.

Com as respostas dos juízes, realizou-se o cálculo do Coeficiente de Validade do Con­teúdo (cvc) para a clareza da linguagem e para a pertinência prática, conforme proposto por Hernández-Nieto (2002):

1) Com base nas notas dos juízes, calcula-se a média das notas de cada item (Mx): Mx = soma das notas dos juízes/ número de juízes que avaliaram o item;

2) Com base na média, calcula-se o cvc para cada item (cvci): cvc i = média das notas de cada item/ valor máximo que o item poderia receber;

3) Foi realizado o cálculo do erro (Pei), para descontar possíveis vieses dos juízes avaliadores, para cada item: Pei = (1/ número de juízes que avaliaram o item) número de juízes que avaliaram o item

4) Com isso, o CVC final de cada item (cvc c ) foi assim calculado: cvc c = cvc i - Pei

5) Para o cálculo do cvc total do questionário ( cvc t), para cada uma das características (clareza de linguagem e pertinência prática), foi usada a fórmula: CVCt = Mcvci – Mpei onde: Mcvci representa a média dos coeficientes de validade de conteúdo dos itens do questionário e Mpei, a média dos erros dos itens do questionário.

Para avaliação da dimensão teórica do instru­mento, calculou-se o índice de concordância in­tra-avaliadores, o índice Kappa, e foram realizadas as correções necessárias. Com base nas respostas dos bailarinos que compuseram um banco de da­dos, procedeu-se a análise da estrutura interna. Inicialmente, o número de fatores a serem manti­dos na análise fatorial exploratória foi verificado com base na análise paralela (Hayton, Allen & Scarpello, 2004; Watkins, 2006). Para realizar a análise, foi utilizado o software livre “R”, versão 2.15.3, por este possibilitar o uso da análise para­lela para variáveis policóricas, via pacote psych (Revelle, 2018).

A partir disso, foi gerado um banco de da­dos para o software MPlus, versão 6.12 (Muthén & Muthén, 1998-2011), para realizar a Explora­tory Structural Equation Modeling (e-sem), que também apresenta índices de ajuste que indicam a adequação da estrutura encontrada com base na presente amostra. Ressalta-se, ainda, que o ajustamento nos índices confirmatórios também sugere a adequação da amostra para a realização da análise. Considerando os fatores encontrados, foram investigados os coeficientes de consistência interna pelo alfa de Cronbach.

Resultados

Evidências Baseadas no Conteúdo

Para iniciar a aplicação do instrumento em bailarinos, algumas adaptações no instrumento para o contexto da dança foram realizadas. Poucas mudanças de terminologia foram necessárias. Subs­tituiu-se o termo treinador por professor e quando utilizado o termo equipe técnica, acrescentou-se uma explicação entre parênteses, afirmando que seriam coreógrafo e ensaiador. Os termos trei­namentos e competições foram substituídos por ensaios, aulas, festivais e espetáculos. Os juízes propuseram apenas uma alteração, como substituir o termo “treinamentos” por “ensaios/aulas”, que foi acatada. Resguardou-se, portanto, as especifi­cidades da dança, o que se não fosse feito, poderia comprometer a compreensão dos bailarinos.

A análise dos juízes apresentou uma concor­dância, através do índice Kappa, de 90% para pertinência teórica, 83% para pertinência prática e 85% para linguagem (semântica e apropriação para a idade dos participantes), valores esses con­siderados excelentes (Landis & Koch, 1977). Os juízes propuseram pequenas alterações, que foram acatadas. Em relação ao coeficiente de validade de conteúdo, obtiveram-se os seguintes resultados: para linguagem (0.94), pertinência prática (0.95) e pertinência teórica (0.95). Com esses resultados, considera-se que o Questionário sobre Qualida­de de Vida de Atletas – adaptado para Bailarinos (qqva-b) possui evidências de conteúdo suficientes para ser utilizado.

Evidências Baseadas na Estrutura Interna

Para verificação das propriedades psicométri­cas do qqva-b, investigou-se a melhor solução fatorial para o conjunto de itens do instrumento. Para tanto, partiu-se dos dados empíricos, isto é via e-sem. Como primeiro passo, foi estabelecido o número máximo de fatores a serem mantidos via análise paralela, sendo que este procedimen­to indicou até cinco fatores (Figura 1). A partir disso, forçou-se soluções de dois a cinco fatores, utilizando a rotação oblíqua geomin, e método de extração Maximum Likelihood Robust (mlr), sendo este apropriado para correlações policóricas. Res­salta-se que a solução composta por cinco fatores não convergiu, possivelmente por correlações in­suficientes dado o número de fatores, por isso foi desconsiderada nas verificações sequentes.

Os índices de ajuste fornecidos por essa análise (X2/df, rmsea, cfi e smr) indicaram melhor ade­quação da solução composta por quatro fatores, de acordo com os critérios adotados (Hooper, Cou­ghlan & Mullen, 2008). A partir disso, verificou-se a interpretabilidade das soluções três soluções in­vestigadas. A solução de quatro fatores apresentou a melhor interpretação para os conjuntos de itens. Os índices de ajuste para essa solução foram X2/df = 2.02; rmsea = 0.059; cfi = 0.960; e, smr = 0.031. Considerando os pontos de corte (Hooper, Coughlan, & Mullen, 2008), os índices de ajuste foram bons (X2/df, cfi e smr) e aceitáveis (rmsea). São apresentados na Tabela 1, as cargas fatoriais encontradas, o número de itens mantidos por fator e os índices de consistência interna (coeficiente alfa). O qqva-b ficou, assim, 12 itens, agrupados em quatro fatores (o Fator 5 – Estado Emocional do Bailarino, com α = 0.845, foi eliminado):

Fator 1 – Relacionamento no Ambiente Espor­tivo (α = 0.73), com 3 itens;

Fator 2 – Condições Básicas para a Saúde (α = 0.74), com 3 itens;

Fator 3 - Sinais e Sintomas de Supertreinamento (α = 0.83), com 4 itens;

Fator 4 - Planejamento e Periodização do Trei­namento na Dança (α = 0.53), com 2.

Vê-se na Tabela 1, que apenas dois itens não entraram nos critérios adotados e, por isso, não foram mantidos em nenhum dos quatro fatores (estão destacados em cor cinza); além disso, o número de itens por fator variou entre dois e qua­tro. Alguns critérios foram utilizados para a ma­nutenção dos itens na composição de cada fator. Consideramos apenas os itens com carga fatorial acima de 0.30, que não prejudicassem ou não favorecessem a consistência interna do fator e o conteúdo interpretativo do item. A consistência interna para o conjunto total de 12 itens foi α = 0.82, e a consistência interna dos quatro fatores variou entre 0.73 e 0.84. Também se verificou a relação entre os fatores, que variou entre r f1xf4 = 0.14 (p < 0.05) e r f3xf4 = 0.43 (p < 0.01).

Apresentação gráfica da análise paralela
Figura 1
Apresentação gráfica da análise paralela


Tabela 1
Análise fatorial exploratória e índices de consistência interna do Questionário de Qualidade de Vida sobre Atletas –adaptado para Bailarinos (QQVA-B) (N = 313)

Análise fatorial exploratória e índices de consistência interna do Questionário de Qualidade de Vida sobre Atletas –adaptado para Bailarinos (QQVA-B) (N = 313)


Na sequência, para comparação entre a solução de quatro fatores e o modelo teórico, , buscando verificar qual dos modelos se ajustaria melhor aos dados, foi utilizada a análise fatorial confirmató­ria. Observa-se na Tabela 2 que as cargas fatoriais variaram entre 0.53 e 0.84, e todos os itens apre­sentaram carga positiva. O erro encontrado foi inferior a 0.10 para todos os casos. Os índices de ajuste para o modelo confirmatório de cinco fatores foram X2/df = 2.37; rmsea = 0.069; cfi = 0.905; e smr = 0.065. Esses índices são considerados, de modo geral, como bons ou aceitáveis, e bastante similares ao modelo empiricamente determina­do. Os coeficientes de consistência interna foram iguais para quatro dos cinco fatores investigados na análise confirmatória, uma vez que esses quatro fatores apresentam a mesma composição em re­lação aos fatores da e-sem; para o quarto fator do modelo confirmatório, não encontrado na e-sem, obteve-se α = 0.53.


Tabela 2
Tabela 2

Análise fatorial confirmatória do QQVA-B e fidedignidade por consistência interna (n=313)



Discussão

Para melhor adequar a utilização de instrumen­tos psicológicos para bailarinos, este estudo pro­curou verificar as evidências de validade do qqva (Cunha, 2008), propondo-se agora o qqva-b. .De modo geral, os valores de alfa de Cronbach foram altos (α = 0.73 até α = 0.84), garantindo a precisão do instrumento. Ao analisar o valor de alfa sepa­radamente em cada fator, percebe-se que o maior valor está presente no Fator 5 – Estado Emocional do Bailarino (α = 0.845), seguido do Fator 3 - Si­nais e Sintomas de Supertreinamento (α = 0.833). Esses valores indicam que os fatores com maiores magnitudes de efeito para a qualidade de vida dos bailarinos referem-se a aspectos emocionais e ao supertreinamento. Contudo, diferem da validação original do instrumento de Cunha (2008), em que os maiores valores foram encontrados para o Fator 1 – Relacionamento no Ambiente Esportivo (α = 0.855), seguido do Fator 2 – Condições Básicas para a Saúde (α = 0.820), confirmando assim a necessidade da busca de evidências de validade, considerando as especificidades da modalidade de prática física (Gonçalves & Belo, 2007).

Outra diferença na validação para bailarinos em relação àquela feita para atletas ocorreu no alfa de Cronbach do Fator 4 - Planejamento e Perio­dização do Treinamento na Dança (α = 0.532) –, com valor considerado abaixo do satisfatório (Landis & Koch, 1977) e inferior ao proposto originalmente, no qual se obteve um valor maior (α = 0.793). Optou-se por manter essa dimensão no qqva-b pela possibilidade de um erro amos­tral, mas, sugere-se a aplicação do qqva-b em outra população de bailarinos a fim de verificar a precisão (Clark & Watson, 1995). Entretanto, deve-se considerar que esse fator foi composto por somente dois itens, o que pode ter impacto o coeficiente de consistência interna observado. Além disso, nesse estudo utilizaram-se métodos de análise mais robustos, o que acaba se tornando um limitador o fato de o fator possuir apenas 2 itens.

De qualquer maneira, a baixa precisão deste fa­tor significa que ele não explica significativamente a qualidade de vida de bailarinos. E, segundo Silva e Tkac (2012), os bailarinos não possuem um sis­tema de treinamento tão padronizado e controlado quanto os atletas, o que pode ter resultado na falta de expressividade deste fator.

Considerações Finais

Ressalta-se a importância do estudo da quali­dade de vida de bailarinos, um aspecto que englo­ba algumas variáveis e que pode ser prejudicado pela intensidade dos treinamentos, afetando os domínios físico, psicológico, social, entre outros. É necessário que tenham questionários apropria­dos para essa população, a fim de mensurar esse e outros construtos que influenciam no bem-estar e na saúde dos dançarinos.

O instrumento qqva-b é adequado para uti­lização em bailarinos adolescentes por possuir propriedades psicométricas satisfatórias. Entre­tanto, o Fator 4 - Planejamento e Periodização do Treinamento na Dança - precisa ser avaliado com cautela, pois apresentou baixa precisão. Novos estudos com outros bailarinos precisam ser rea­lizados a fim de se verificar se a baixa precisão deste fator se mantém ou se ela ocorreu devido, apenas, a um erro amostral.

É relevante destacar que esta pesquisa se li­mita às evidências de validade de conteúdo e de consistência interna do instrumento. Sugerem-se, portanto, novos estudos, para que sejam verificadas as evidências de validade baseadas no processo de resposta, nas relações com variáveis externas e nas consequências da testagem. Só assim po­der-se-á ter a real dimensão e aplicabilidade do instrumento, bem como realizar a normatização e padronização do instrumento.

Ressalta-se, também, a importância da vali­dação de outros instrumentos psicológicos para bailarinos, tendo em vista a carência desse proce­dimento voltado para essa população. Com essa análise, foi possível perceber que existem dife­renças entre atletas e bailarinos a ponto de alterar a magnitude de efeito de fatores de um instrumento, dependendo da modalidade em questão.

Referências

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